1. A lógica das desigualdades
O itinerário da vida cristã é um seguimento dos passos de Cristo, umas vezes subindo o monte com ele, para, na intimidade nos deixarmos transfigurar pela sua luz, outras vezes descendo o monte da transfiguração para o seguir a caminho de Jerusalém, onde com ele nos despojamos do apego às coisas e a nós mesmos, oferecendo a nossa vida por amor a todos os irmãos, sobretudo os marginalizados e descartados da sua dignidade. Neste caminho somos assaltados por muitas tentações, que por vezes nos incitam ao abandono do Mestre, impedindo-nos de ver qualquer sentido nesse itinerário.
O itinerário da vida cristã é um seguimento dos passos de Cristo, umas vezes subindo o monte com ele, para, na intimidade nos deixarmos transfigurar pela sua luz, outras vezes descendo o monte da transfiguração para o seguir a caminho de Jerusalém, onde com ele nos despojamos do apego às coisas e a nós mesmos, oferecendo a nossa vida por amor a todos os irmãos, sobretudo os marginalizados e descartados da sua dignidade. Neste caminho somos assaltados por muitas tentações, que por vezes nos incitam ao abandono do Mestre, impedindo-nos de ver qualquer sentido nesse itinerário.
Na verdade, a lógica de Cristo e do seu seguimento parece uma loucura para a inteligência humana, mas é sabedoria de Deus para a nossa salvação. Parece que temos de nadar contra a maré, o que só os grandes atletas, fruto de muito treino, conseguem, sobretudo quando as ondas são fortes e nos impelem em sentido contrário. A lógica humana empurra-nos para o ter cada vez mais: meios materiais, poder e prazer, quase sempre à custa dos outros, que destituímos da sua dignidade de pessoas iguais a nós, com os mesmos direitos e deveres. Esta lógica cava cada vez mais o fosso entre ricos e pobres, entre senhores afortunados e escravos. E não precisamos de recuar ao tempo da escravatura ou das grandes guerras do passado. Isto podemos verificar entre nós, neste tempo de crise económica, de austeridade, cujas raízes profundas estão no nosso coração e nos sistemas políticos e económicos sem justiça, sem valores.
O Papa Francisco, e com ele muitos que levam a sua vida cristã a sério, começam a ser escutados, mesmo por quem não partilha os ideais do Evangelho. É só ler e ouvir os comentários favoráveis de afirmações fortes dos discursos e gestos papais, vindos de todos os quadrantes. No entanto, tenho a impressão que fazemos disso uma arma de arremesso contra os outros, que julgamos os culpados de tudo. Muitos dos que falam escondem outros interesses. Fazem parte dos que são mais iguais que a grande maioria dos cidadãos, pertencem aos que usufruem salários ou reformas milionárias e pouco partilham com as vítimas da crise, as centenas de milhares cada vez mais pobres.
2. Caminho com os pobres
Os cristãos, sobretudo na Quaresma, tempo de preparação para os acontecimentos centrais da fé, a paixão, morte e ressurreição de Jesus, a Páscoa, são chamados a seguir, pessoalmente e em comunidade, a Jesus Cristo, a despojar-se dos fardos do ter, do poder e do prazer, para caminhar com leveza e agilidade ao encontro dos seus irmãos, a soerguer os marginalizados na berma dos caminhos da humanidade e a carregá-los aos ombros para a integração na comunidade humana. Esta atitude exige conversão, mudança da lógica do mundo, desprendimento de si mesmo e atenção ao caminho de Cristo e aos outros.
Na sua mensagem para a Quaresma deste ano, o Papa diz-nos isto mesmo, partindo da expressão de S. Paulo, na 2ª Carta dos Coríntios, onde apela à generosidade da comunidade de Coríntio, para se lembrar dos pobres da pobre comunidade de Jerusalém: Cristo fez-se pobre, para nos enriquecer com a sua pobreza (2 Co 8,9).
O que significa isto para nós hoje, pergunta o Papa? Cristo enriqueceu-nos com o seu amor, fazendo-se pobre, para nos elevar à dignidade de filhos de Deus. Na partilha, no desprendimento em prol dos outros somos enriquecidos na capacidade de amar, pois só quem dá recebe, quem ama pode ser feliz. O rico avarento nunca pode ser feliz, experimentar a Alegria do Evangelho, como diz o Papa na longa e bela exortação apostólica com o mesmo nome, onde ele escalpeliza os sistemas económicos, financeiros e políticos da actualidade, que trata as pessoas como números, objectos descartáveis e empobrece grande parte da humanidade, mas onde também mostra novos caminhos, inspirados no evangelho de Cristo, capazes de nos libertar desta economia de morte.
Aconselho a leitura deste documento programático do Papa Francisco neste tempo da Quaresma. Nele podemos perceber porque este Papa foi proclamado a figura do ano em 2013, embora apenas fosse Papa a partir do mês de Março. Ele pensa assim, mas também já assim pensava e vivia, como podemos ler do seu tempo como bispo de Buenos Aires.
A partilha que somos convidados a fazer é na dimensão da misericórdia com aqueles que sofrem, não apenas a miséria material, mas também a moral e espiritual, tornando-nos próximos de todos, para lhes restituir a dignidade de filhos de Deus e de irmãos nossos. Cito apenas uma frase da mensagem papal, no penúltimo parágrafo, que nos deve fazer pensar e mudar de mentalidade e atitude: Não esqueçamos que a verdadeira pobreza dói: não seria válido um despojamento sem esta dimensão penitencial. Desconfio da esmola que não custa nem dói.
3. Renúncia e partilha na diocese de Beja
Todos os anos, em cada diocese, se aponta um caminho concreto na vivência deste tempo, a que se deu o nome de renúncia quaresmal. Mais que renúncia é um meio para nos ajudar a encontrar sentido num caminho de desprendimento por amor a Cristo e aos irmãos, construindo uma comunidade mais atenta aos outros, sobretudo aos que sofrem, aos que são menos iguais na convivência humana.
Na diocese de Beja, na quaresma de 2013, pedimos aos diocesanos para partilhar o fruto da sua renúncia com as seguintes finalidades: um terço para o fundo de emergência social através da Cáritas diocesana; outro terço para os pobres das missões dos Padres Vicentinos em Moçambique, confrades dos religiosos a paroquiar no concelho de Santiago do Cacém e a animar as missões populares na diocese; e o último terço para ajudar o Carmelo de Beja. Até ao dia 21 de Fevereiro foi entregue na Cúria diocesana o quantitativo de 19.185,16€, que será entregue aos destinatários ainda antes do final do mês.
Este ano o Conselho Presbiteral decidiu partilhar o fruto da nossa generosidade durante a quaresma, uma parte para o fundo de emergência social através da Cáritas diocesana, que continua a não poder socorrer todos os que a ela recorrem e se encontram em profunda necessidade e outra parte para o seminário da diocese de Maceió, no nordeste do Brasil, frequentado neste momento por 47 seminaristas nos estudos de filosofia e teologia e cujo arcebispo, D. António Muniz, carmelita que já esteve com o clero de Beja e está disposto em partilhar padres com as missões, mas que não dispõe de meios para formar tantos candidatos.
Confiando na generosidade dos diocesanos, a todos confio esta possibilidade de nos enriquecermos com a pobreza, sabendo que tudo o que fizermos aos mais necessitados é ao próprio Cristo, a quem decidimos seguir, que o fazemos. Uma santa quaresma para todos, vivida numa escuta mais assídua da Palavra de Deus, uma oração mais intensa, uma fé mais celebrada e testemunhada e uma partilha mais generosa com quem mais precisa.
† António Vitalino, Bispo de Beja
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