O verdadeiro problema actual não é a crise no casamento, mas sim a crise de fé, que não permite ao homem reconhecer a beleza do matrimónio e dos dons de Deus.
Roma, 07 de Agosto de 2013
Fala-se muito ultimamente de casamento. Esse parece ser um
direito de todos e, ao mesmo tempo, tem-se a impressão de que se sabe
cada vez menos o que ele realmente é. Existem muitos casamentos que se
rompem e é ainda maior o número de pessoas que não se decidem jamais a
se casar.
A Palavra de Deus também fala muito do matrimónio, no contexto da
revelação de Deus à família humana. Jesus ensina que o casamento é algo
sagrado, um gesto com o qual um homem e uma mulher se tornam um só corpo
e alma por toda a vida. E o Senhor sempre acolheu e abençoou as
crianças, o fruto natural do casamento. Deus revela-se então como alguém
que ama e abençoa as famílias; na verdade, ele quis que o homem viesse
ao mundo através das famílias e Ele mesmo se fez homem no seio de uma
família humana. O Deus que é único, grande e todo-poderoso fez-se
criança em Jesus, vivendo por trinta anos, submetido a uma família.
O Evangelho fala-nos, sem dúvida, da santidade e indissolubilidade do matrimónio: aqueles que se casam, tornam-se uma só carne e nada pode
separá-los. Mas estas palavras para nós, homens do século XXI, são fonte
de certo desconforto e confusão. Sabemos que mais de 40% dos casamentos
falham, e muitos querem considerar “direito” separar o que Deus uniu.
Esta é uma verdadeira tragédia actual, que causa dor e sofrimento,
especialmente nas crianças. O casamento parece ser uma escolha de poucos
e algo sem nenhum valor. Nesta situação, as crianças são cada vez mais
raras e chegam quase a desaparecer.
No entanto, se o homem olha para si mesmo, percebe que possui um
grande desejo de amar outra pessoa totalmente, para ser feliz, fazendo
outra pessoa feliz. Todo homem tem o desejo de doar-se totalmente, pois o
amor ou é total ou simplesmente não existe. O amor exige a eternidade, a
perfeita doação. Mas porque temos este desejo e, ao mesmo tempo, parece
ser impossível de realizá-lo?
Este grande desejo existe, porque a nossa vida é um dom gratuito,
recebido de Deus. Não viemos à existência por nós mesmos, mas por causa
do amor de outras pessoas. Deus nos criou livre e gratuitamente, sem
pedir nada em troca, porém isso se realizou através do amor de nossos
pais. Por esta razão, o homem só pode ser realizado quando se entrega,
doando a Deus e aos outros os bens recebidos.
Uma das maneiras – certamente não a única – de entregar-se totalmente
a Deus e aos outros é o matrimónio. Os cônjuges que se amam, acima de
tudo amam a Deus, fazem de suas vidas um dom recíproco, encontram um
caminho para a felicidade e podem cooperar com Deus no poder único de
gerar vidas. O verdadeiro amor é absoluto, exige a totalidade do tempo, a
abertura à vida, o desejo de entregar-se para sempre. Aquele que ama
verdadeiramente busca doar-se completamente, e quando o amor é doado,
não se perde ou extingue, mas cresce e frutifica. O amor é destruído
somente quando uma pessoa se casa pensando em fazer-se feliz e não
descobre que só existe um caminho para a felicidade: buscar a felicidade
da pessoa amada.
Além disso, Deus quis que o casamento fosse um Sacramento, um sinal
sagrado que dá aos homens a capacidade de doar-se em um amor total e
fecundo para toda a vida. “Nosso Salvador foi ao casamento de [Canaã]
para santificar as origens da vida humana” [1]. E o Sacramento pressupõe
a igualdade da dignidade de homem e mulher, assim como a
complementaridade. O livro de Génesis diz que Adão, após a criação, viu
todos os animais e não encontrou nenhum que lhe fosse semelhante. Em
seguida, o texto bíblico usa uma bela imagem poética: a mulher foi
criada a partir de uma costela do homem. A imagem significa que a mulher
é igual ao homem em dignidade. Ela não foi feita dos pés de Adão,
porque não é inferior a ele; nem mesmo pode-se dizer que Deus tenha
tirado o cérebro do homem para fazer a mulher. Deus a criou a partir da
costela do homem, porque é a parte do corpo humano que está mais próxima
ao coração. Assim, quando Adão viu Eva gritou de alegria: “Esta é,
realmente, osso dos meus ossos e carne da minha carne. Ela será chamada
mulher, porque foi tomada do homem” (Gn. 2, 22-23).
O Beato João Paulo II, comentando estes textos, disse que Deus criou
todas as coisas com ordem, começando pelas mais simples, como a luz, a
água, a terra, e terminou com as mais complexas: o homem e a mulher. Por
conseguinte, a mulher é mais a criatura mais “perfeita” do universo e a
mais complexa. Por esta razão, os homens são incapazes de entender as
mulheres e o demónio quis tentar em primeiro lugar à mulher. Ele sabia
que, uma vez destruída a dignidade da mulher, toda a criação viria à
ruína. Ele agora usa a mesma estratégia: destruir a figura da mulher
para pôr em crise toda a sociedade.
Homens e mulheres são semelhantes e estão ligados pelo coração; mas
para permanecer fiel um ao outro necessitam de Deus, da sua graça, que é
dada especialmente no dia em que recebem o Sacramento do matrimônio. A
graça, porém, necessita ser alimentada diariamente, através da oração
comum, da participação nos demais Sacramentos. O verdadeiro problema
atual não é a crise no casamento, mas sim a crise de fé, que não permite
ao homem reconhecer a beleza do matrimónio e dos dons de Deus. Quem se
afasta de Deus, se esquece de que o homem é uma criatura que só se
realiza através da doação livre e gratuita. Peçamos ao Senhor que as
famílias cristãs sejam capazes de encontrar sua força em Deus e que os
jovens não tenham medo de realizar o plano que Deus tem para eles.
*
NOTAS
[1] São Cirilo de Alexandria, In Ioannem Commentarius, 2, 1 [PG 73223].
in
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