Rescaldo dos
ninhos ganhos pela filha pequena, eis que abro a pedido dela seu último ovo de
chocolate desta safra pascal. Tem 150 gramas e 10 centímetros de altura, mas a
embalagem aparenta o dobro: o ovo, envolto em alumínio, está assentado na boca
de um copo plástico, embrulhado numa
estampa com mais de meio metro quadrado, uma fita, uma etiqueta e um pendurador
plástico. Trata-se de um exemplo rematado de desperdício, na linha do molho mais
caro que o peixe, da rolha mais cara que o vinho, da propaganda mais cara que o
produto. Nem sempre foi assim. Os ninhos eram feitos com palha ou barba de pau,
recolhida na Sexta-Feira Santa, ovos de galinha pintados, duros ou preenchidos
com amendoim açucarado, balas de goma, barras ou ovos pequenos de chocolate e pão-de-mel.
Corriam os dias de minha infância.
Lembro da venda
do Seu Caminha e da Dona Diva, na esquina de nossa quadra. Quantas vezes
busquei para minha mãe algo que faltava na cozinha. Naquele tempo uma
caminhonete, com reservatório de inox e batizada de “vaquinha”, passava nas
ruas no início das manhãs. Todos acorriam, frascos e canecas à mão, para abastecer-se.
Era a primeira oportunidade para distribuir bons-dias entre a vizinhança, à la
Machado de Assis. Hoje compra-se leite em embalagens caras, sabe-se lá com
quais e quantos conservantes. Não creio que o hígido e controlado leite de
hoje, que apanhamos nas prateleiras, seja melhor que o leite da “vaquinha”.
Por falar em leite,
lastimei quando um vizinho de sítio vendeu sua única vaca leiteira. De tempos
em tempos buscava alguns litros para nutrir a filha pequena. E sobretudo para
lembrar o que é leite, de fato. Por alguns dias o saboreávamos com café. Por
que vendeu a vaca leiteira? Porque quase ninguém adquiria seu produto e o custo
de mantê-la tornou-se inviável. Sem contar a trabalheira, afinal é preciso
ordenhar quando nem amanheceu, sem falhar um só dia.
Por falar em
sítio, me vem à memória um pequeno serviço que prestava a meu pai. Constrangido
em percorrer pequenos mercados para oferecer as frutas que colhia, me propôs
uma comissão e assim as frutas passaram a ter melhor destino que o
apodrecimento. Eram quantidades modestas, mas suficientes para melhorar um
pouquinho os recursos para os finais de semana deste que vos escreve. Não era
difícil. Um pouco de força física e um percurso de sucesso resultavam rapidamente
em caixas vazias. E uns trocados no bolso.
Há não muito,
vendo pelo retrovisor da alma aqueles dias distantes, tentei vender abacates do
sítio. Não eram muitos, até porque desejava verificar se ainda era possível
comercializar frutas daquele jeito. Nos mercados de rede nem adianta bater.
Suas compras são centralizadas e não faria sentido algum deslocar-se às suas
sedes para entregar os frutos da terra de um pequeno produtor. Nos mercados
locais, médios e grandes, a dificuldade é parecida. Fale com o Fulano na
segunda-feira. É ele quem realiza estas compras e normalmente o faz numa
central de abastecimento da capital. Pois bem, procurei por Fulano no início da
semana. Mostrou que já tinha pelo chão
muitas frutas e não tinha interesse em abacates ou laranjas.
Não é à toa que pequenos
produtores têm dificuldade para se manterem. Afora as exigências legais, resta
o drama de desovar o que é produzido. De quem é a culpa? A resposta é complexa
e sequer sou pessoa avalizada para emiti-la, mas penso que vem de longe,
resulta de controles ampliados e da exigência crescente dos consumidores por sofisticação,
demandando a quase perfeição de laranjas polidas, por exemplo, sem manchas,
ainda que velhas e desprovidas de suas propriedades. Leite? Não é raro que
venha do centro-oeste do país, ou mesmo do Uruguai.
Quando vejo nos
mercados os frutos suados, húmidos, recém saídos de câmaras frias, não posso
deixar de deplorar a andança dos mesmos até nossas casas. É um estilo
dissipador de energia e prejudicial à qualidade final dos produtos. Seria
necessário respeitar a sazonalidade dos frutos da terra e consumir o que temos à
mão, mas não é esta a toada de tempos globalizados, dominados por
distribuidores multinacionais, agentes de desova de mercados externos.
Como importar
molho de tomate da China e ainda falar em sustentabilidade? Como conjugar
ecologia com embalagens caras, indispensáveis devido às grandes distâncias
entre produção e consumo? Não chego a defender a volta da “vaquinha” na
correria da modernidade mas, jamais conformado, asseguro que aquela vida mais
simples tinha outro sabor.
J. B. Teixeira |
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