Quando Tramandaí
ainda tinha uma brisa noturna que obrigava os frequentadores do balneário a
puxar um cobertor, na plenitude das férias dissipei muitas horas num parque de
diversões. Como não tinha dinheiro, me divertia apenas olhando. Gostava de
observar particularmente o pessoal no tiro ao alvo. Os prémios eram horríveis:
um vermute de quinta, badulaques inúteis ou mimos cujo destino final seria o
lixo. As armas de ar comprimido utilizavam rolhas. Nada precisas, de pronto contavam
com a péssima aerodinâmica das rolhas para garantir o insucesso do atirador.
O camarada mirava
no chão e acertava no teto ... Um zarolho com arma normal seria muito mais
efetivo que um atirador de elite com aquela fraude. A lógica era similar à dos casinos: a banca nunca perde. Diante dos filhos, da namorada, dos amigos, o
sujeito empunhava a atiradeira de rolhas e era massacrado por uma arma que só
faltava ter o cano torto. O índio mirava um pouco abaixo, à esquerda, a rolha
saía alta e muito à direita. Só poderia ser pior se o piso flutuasse e os alvos
se mexessem. Repetida a pontaria, rolha para baixo, na direção certa. Quase! Foi
por pouco. Tá perto ... Mais uns tiros. Rolha à direita, rolha acima. E nada. O
dinheiro do cidadão se ia, sem que conquistasse pelo menos um miserável urso de
astracã. A banca? Faturando.
Ainda assim, a
despeito da esperteza do negócio, corriqueira no mundo todo, eram diversões
inocentes, que precederam as viciantes máquinas de fliperama, estas sim
hipnóticas, capazes de fisgar um sujeito até limpá-lo. Fiquei viciado em
observar os melhores jogadores, uma minoria que conseguia prolongar o tempo de
permanência nas máquinas. Pois foi mais ou menos nesta época que me contaram
uma piadinha infame. No melhor estilo dos teatros de pulgas, um sujeito bebia
no balcão de um bar. Tinha junto de si uma maleta, que lá pelas tantas abriu.
Tirou um pequenino piano, com um reduzido banquinho, e alojou um rato trajado a
rigor. O roedor ajeitou a cauda, experimentou algumas notas e então, pasmando um
pau d´água que a tudo assistia, passou a tocar maravilhosamente canções
românticas. Claro estava que seu dono ganhava algum com tais apresentações.
Insólito, o espetáculo era de fato sensacional, ainda que sempre mal remunerado.
Lá pelas tantas uma borboleta deixou a maleta, equilibrou-se sobre suas
delicadas patinhas e passou a cantar maviosamente. Solfejava, enternecia, subia
o tom, harmonizava com o teclado e deixou o único espectador de queixo caído.
Meu amigo, disse
o pau d´água, esta dupla é simplesmente celestial. Você pode ficar milionário
com eles. Basta encontrar alguém que possa patrocinar seu início e então
desenvolver espaços melhores para que apresentações rápidas te permitam
faturar. O empresário mambembe, sem demonstrar o menor traço de alegria, aborrecido
e cansado, suspirou para revelar a acabrunhante verdade: “Não é a borboleta quem canta ...
O rato é que é ventríloquo ...”.
Pois bem, quando reflito
sobre nosso momento político, o que vejo é um parque de diversões montado para sugar
nossos recursos. O parque é dirigido por uma aliança tácita e poderosa entre os
três poderes da república, abençoada pela decisão do meio militar de respeitar
suas funções constitucionais, deixando para as urnas a tarefa de corrigir o
país. Podemos dar certo pelo voto? Bem, como as regras eleitorais são mancomunadas
exatamente pelo raposário e as leis foram aprovadas para proteger crápulas,
talvez seja mais fácil que as galinhas criem dentes.
Na medida em que
as denúncias mais escabrosas sobre a prática política de inúmeros figurões vão
se esboroando no paredão da injustiça, cresce a decepção. Um notório ladrão,
condenado a décadas de recolhimento em regime fechado, é solto, um alto
dignitário é isentado de uma acusação e empresários corruptos são agraciados com
uma anistia que esbofeteia o que nos resta de esperança. O povo, impotente,
apenas conclui, com o mais profundo desapontamento, que de fato somos campeões
mundiais, inigualáveis, da impunidade.
Como no tiro ao
alvo, com chicanas tantas e os recursos intermináveis do amplo direito de
defesa, a sociedade raramente consegue acertar o alvo. A rolha desvia,
cristalizando injustiças. Como alquimistas de araque, exorcizamos a monarquia
no século XIX para entronizar uma nova casta de sangue azul, muito mais
numerosa e impudente. Como consertar isto sem ruptura institucional? Não faço a
menor ideia, mas sei que não será em conversinhas de bar, onde entre um gole e
outro até se acredita que existam ratos pianistas e borboletas-soprano.
J. B. Teixeira |
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