Sonhamos. Tecemos considerações.
Acreditamos às vezes que o tempo pode retroceder. Ilusão. Não é assim de todo.
As transformações que ocorrem ao longo da vida encarregam-se de modificar as
relações interpessoais, ainda que a amizade possa continuar “ad aeternum”, bem como, em certa medida,
as recordações dos bons velhos tempos. Na verdade, os interesses, as
circunstâncias, a disponibilidade alteram-se com o decorrer do tempo, com
frequência, independentemente da vontade existente. Passamos a encontrarmo-nos
de fugida, com a família e os amigos, nalgum acontecimento social ou familiar,
funeral, casamento, batismo, aniversário… Sentimo-nos felizes com o reencontro.
Combina-se um encontro para breve. Mas as agendas não coincidem. Há novos
deveres, responsabilidades, interesses, que se tornam de algum modo
prioritários deixando para segundo plano o almejado reencontro, bem como a sua
importância. São os constrangimentos da vida a decorrer. Culpar quem? Na realidade,
são os encontros e desencontros que viver a vida acarretam. Por outro lado,
existem os encontros inesperados que nos emocionam de algum modo, parecendo que
se encontravam predestinados. Já vivenciei essa experiência improvável. Passo a
narrar. Há muitos anos atrás, encontrava-me na cidade de Nova Iorque, na
companhia dos meus filhos. Regressávamos nesse dia à cidade de Lisboa. Por ser
mais económico, tínhamos adquirido no aeroporto J.F.Kennedy, os bilhetes de autocarro de ida e volta que fazem a ligação
com o centro da cidade. Quando a dada altura atravessávamos a Central Station, um dos meus filhos
solicitou que lhe mostrasse os bilhetes de modo a confirmar o local da paragem
do autocarro. Inusitadamente, respondi: “Sei muito bem onde é a rua”. Insistiu.
Recusei perentoriamente o seu pedido, eu própria admirada com a minha atitude.
O local para onde nos dirigimos estava errado. Os meus filhos olharam-me criticamente.
De repente ouço uma voz conhecida chamar surpreendida: “Tia”. Que alegria
incomensurável, mesmo sem palavras que a possam descrever. A fazer o Pós/doc em
Harvard, na cidade de Boston, o meu sobrinho, tinha-se deslocado a Nova Iorque
para realizar um trabalho de investigação. Acabava de chegar de comboio. Ainda
hoje fico emocionada com este encontro inesperado numa cidade com milhões de
pessoas a circular diariamente. Abraçamo-nos, por uns minutos, tirámos
fotografias para mostrar à família, conversámos durante uns breves momentos.
Alguém referiu: “Agora acredito em milagres!” Os desígnios de Deus são
insondáveis.
No dia de hoje tinha uma
sobreposição de agenda. Gostava de participar em dois eventos que decorriam em
simultâneo. Não era de todo possível. O que fazer, por qual optar? O meu
coração pendia para o lançamento de um livro denominado ”Livre Para Amar”,
biografia breve de Guadalupe Ortiz de
Landázuri, da Editora Lucerna, da autoria de Cristina Abad Cadenas. Mas já tinha alterado por duas vezes a outra reunião.
Iria cair muito mal adiar novamente Encontrava-me nesta ambivalência a programar
o dia, quando recebo uma mensagem que referia: “Torna-se necessário reprogramar
a reunião por motivos imprevistos de última hora”. Deus é grande, como referia
a avó. Assim inesperadamente, a questão já não se colocava. Graças a Deus! Face
a este contexto, dirigi-me mais tarde ao local do lançamento, ou seja, o
Circulo Eça de Queirós, em Lisboa. Motivava-me conhecer a vida de Guadalupe, já
que viveu na nossa época (séc. XX), e que será beatificada em Madrid no dia 18
de Maio do corrente ano. Na impossibilidade de referir, num artigo, as
diferentes perspetivas dos apresentadores do livro, circunscrevo-me, segundo o
minha modesta interpretação, a algumas palavras proferidas pelo Pe. José Carlos
Martín de la Hoz, que referiu que a Guadalupe
alcançou a santidade, obtendo o céu através do trabalho que desenvolveu
apaixonadamente, com amor ao pequeno, com Deus presente no seu coração,
correspondendo ao Seu apelo de entrar na intimidade de Jesus no caminho do
Amor. Passou a prova da Cruz. Superou a prova mas difícil: o passar do tempo
vivenciando cada dia, ultrapassando os obstáculos que se lhe deparavam. Uma
mulher que fez o mesmo que nós. Um santo de proximidade de barro corrente.
Agora torna-se necessário passar da fase admirativa, para a fase de lhe
solicitar muitas coisas, para que continue a rezar e a interceder por nós. Se
não o solicitarmos, ocupar-se-á das suas coisas, ou seja de desfrutar do céu.
Guadalupe escreveu mais de 350 cartas especialmente importantes abrindo a sua
alma. Tinha falhas, debilidades. Também alegria, bom humor, sentido de entrega.
Uma mulher que teve as suas lutas ao ter de articular toda uma série de coisas
no seu dia-a-dia. Um modelo inspirador de santidade: a normalidade. Como o Papa
Francisco referiu: ”Santos de ao pé da porta”. Um pequeno livro que descreve um
caráter aberto, compreensivo, generoso, com um enorme coração e uma enorme vontade
de perdoar sempre. Fiquei com imensa vontade de adquirir esta biografia “Livre
Para Amar” e conhecer melhor a vida de Guadalupe que será a primeira mulher do Opus Dei a ser beatificada.
Senti-me feliz pela oportunidade concedida
de participar neste evento. Certamente que Guadalupe terá sonhado como todos nós,
não possuindo no seu imaginário mais remoto, a certeza que um dia seria santa
de altar, mas sim procurando cada dia amar mais a Jesus e a Maria através do
amor que dedicava ao próximo, santificando assim o seu trabalho que oferecia a
Deus. Só se pode oferecer a Deus um trabalho bem feito. Interiormente, pensei
na importância de criar cumplicidade com Guadalupe, possuindo mais uma
intercessora no Céu, contribuindo igualmente para que um dia seja canonizada em
Roma.
Maria Helena Paes |
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