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quarta-feira, 20 de fevereiro de 2019

Olá meu querido,

Sabes decerto, amor, que existiu um poeta que escreveu que todas as cartas de amor são ridículas. Talvez. Pois eu sou ridícula! Tenho escrito tantas…

Ridícula quando conjecturo sobre o que fomos no passado e o que somos no presente. No passado distante, jovens e apaixonados, navegámos em ondas alterosas, teimosas e quentes, muito quentes. Soltámos gritos ao vento e fizemos amor à sombra dos pinheiros e sobre o dourado do areal. No jardim, em casa, aqui e ali…

Depois vieram as tristes rotinas e os mais variados percalços, as responsabilidades inadiáveis, os filhos… Não estávamos preparados, mas insistimos. Enfrentámos, caímos e levantámo-nos. É isso a vida: essa montanha rugosa, com a qual devemos lutar, evitando contudo chegar ao topo com um empenho exagerado. Quanto mais alta a subida, mais estrondosa a queda!

E agora, amor, os filhos estão criados, já vieram os netos e… é tão doce e tranquilo o nosso amor. O mesmo decerto, mas mais verdadeiro, menos arrebatado e louco talvez, mas muito, muito mais amor… Claro que ainda recordo, não tanto com saudade, mas com uma certa melancolia, esses anos loucos, esse Verão escaldante, e logo abraço com prazer este Outono sereno. Os nossos olhos já falam mais do que as palavras. Basta olhar e já sabemos o que outro pensa ou quer. Isto é maturidade. Isto vale a pena. Valerá?

Dizem que todo o amor nasce da paixão. E agora, que boas as escapadinhas que podemos fazer de quando em vez, por esse Alentejo fora, que adoramos, por aqui e por ali.

Curioso. Este mês em que estás longe, as saudades acordaram a velha paixão. Não durmo, faço as refeições a sós com lágrimas nos olhos, e procuro o teu amor no aconchego dos lençóis. Será que este novo amor sereno se transformou em paixão? Afinal a paixão é boa. O tempo não recua, mas nós podemos recuar.

Que aborrecimento afinal a maturidade e a tranquilidade! Nada como a descoberta, a aventura, a loucura… Definitivamente renasci. E tu? Pensas em mim? Tens dificuldade em adormecer? Que descoloridos têm sido estes dias…

Já sei. Vou enlouquecer e voltar a ser a mulher apaixonada do passado. Espera por mim. Vou apanhar o avião amanhã e esperar-te na praia. Afinal, na Natureza tudo renasce. Vamos ser o fruto suculento e não o botão em flor naquela árvore perdida no vale do amor. Reverter a história. O amor transformou-se em paixão?

Que fiquem os dois. Concordas?

Até sempre, ou melhor, até amanhã.

Margarida Haderer






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