Ao ouvir o discurso de posse (www.youtube.com/watch?time_continue=15&v=-u8bkWLPq-g)
do novo ministro dos negócios estrangeiros do Brasil, do governo de Bolsonaro,
Ernesto Araújo, fiquei impressionado pelo brilho da retórica e pelo seu
conteúdo, bem diferente da mentalidade secularista e relativista hoje dominante.
O discurso começa com a citação da frase de S. João «A Verdade vos libertará». Nele se afirma
que «a Verdade está nos que seguiram a
bandeira dos seus reis e dos seus santos». E que a «luta pela nação é a mesma luta pela família, a vida e a humanidade na
sua dignidade infinita de criatura». Ao enunciar as linhas que guiarão a
política externa brasileira, faz-se alusão ao direito a nascer como o primeiro
dos direitos humanos (na verdade, o mais agredido e que hoje é esquecido em
quase todas as instâncias nacionais e internacionais).
O tom do discurso é, pois, marcadamente nacionalista e contrário aquilo
a que nele se designa como “globalismo”, tido por uma ameaça às tradições
culturais e religiosas das várias nações. Por isso, são exaltadas as políticas
dos atuais governos dos Estados Unidos, de Israel, da Hungria, da Polónia e da
Itália.
O perigo grave que vejo é o de associar, como fazem estes governos, essas
tradições à hostilidade para com o “outro” e o estrangeiro. Tal significa
passar de um são patriotismo ao chamado «nacionalismo
de exclusão». Dessa tendência são reflexo as atitudes desses governos
quando recusam o acolhimento de refugiados que fogem da guerra ou de náufragos em
perigo de vida; quando, em suma, colocam os supostos interesses nacionais («America first») acima do valor supremo da
fraternidade universal, valor que, como poucos, caracteriza a “novidade”
cristã. A tradição cristã é, assim, reduzida a um formalismo inautêntico.
Em sentido contrário a este, os últimos Papas têm enaltecido o papel
das organizações internacionais ao serviço de um bem comum universal. Num seu
célebre discurso à assembleia geral da O.N.U., de 5 de outubro de 1995, S. João
Paulo II afirmou que esta organização deverá ser um «centro moral no qual todas as nações do mundo se sintam em casa,
desenvolvendo a comum consciência de ser uma espécie de família de nações».
O Papa Francisco, no
seu mais recente discurso ao corpo diplomático acreditado junto da Santa Sé, de
7 de janeiro, salientou a importância do multilateralismo e das organizações
internacionais (sem esquecer os seus defeitos) e os perigos do ressurgimento do
nacionalismo (que não confundiu com a valorização das identidades nacionais).
Relembrou o período entre as duas guerras mundiais, onde as tendências
nacionalistas minaram as primeiras organizações internacionais, com trágicas
consequências. De entre os males da globalização que poderão explicar o
ressurgimento do nacionalismo hoje, salientou a «maior preponderância nas organizações
internacionais de poderes e grupos de interesses que impõem as suas perspetivas
e ideias, desencadeando novas formas de colonização ideológica, não raro
desrespeitadoras da identidade, dignidade e sensibilidade dos povos». E
aludiu também à «reação em determinadas
áreas do mundo a uma globalização que se desenvolveu, sob certos aspetos, de
maneira demasiado rápida e desordenada, de modo que entre globalização e
situação local se gera tensão». Para superar essa tensão, afirma que é
necessário «prestar atenção à dimensão
global sem perder de vista o que é local». A uma globalização “esférica”, «em que se nivelam as diferenças e as particularidades parecem
desaparecer», há que contrapor uma globalização ”poliédrica”, que favoreça «uma
tensão positiva entre a identidade de cada povo e país e a própria
globalização, de acordo com o princípio que o todo é superior à parte».
Pedro Vaz Patto
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