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quinta-feira, 1 de outubro de 2015

África, para além do Ébola

Em conjunto com um grupo de médicos, Manuel Lago, engenheiro naval natural de Vigo, Espanha, a residir há 35 anos na Costa do Marfim, impulsionou em 2004 a criação de Walé, um centro de cuidados primários e de formação em saúde, bem como um dispensário na aldeia de Toumbokro, situada a 28 quilómetros de Yamusukro, que é a capital oficial do país, embora o Governo se encontre em Abijan.

Manuel Lago explica que a ideia surgiu “face ao drama daquela população pobre no acesso à saúde: poucos estabelecimentos, atenção insuficiente e custos, que embora moderados, são proibitivos para a maior  parte daquelas pessoas”. Nas cidades da Costa de Marfim há hospitais mas são poucos para atender corretamente os numerosos doentes. “Além disso, e talvez seja o mais grave, as consultas não são gratuitas e os medicamentos e o material de saúde (compressas, gases, anestesia, etc.) têm ser comprados pelos próprios doentes”.

Durante o ano passado realizaram-se em Walé mais de 30.000 consultas e 44.000 análises e atualmente são atendidos no centro médico 2.656 doentes de VIH Sida. “Tivemos um alarme de uma doente cujos sintomas faziam suspeitar que fosse um caso de ébola, mas felizmente foi um falso alarme. De facto, o ébola não afetou a Costa do Marfim”. “O nosso objetivo é dar uma assistência de cuidados primários de qualidade a preços muito reduzidos e facultar os medicamentos necessários ao melhor preço possível”.

Juntamente com os cuidados de saúde, outro dos objetivos de Walé é reduzir os riscos da automedicação, bem como proporcionar aos doentes educação em matéria de nutrição e prevenção de doenças derivadas de uma deficiente higiene. Um dado significativo é que cerca de 80 por cento dos doentes são mulheres e crianças.

Paralelamente ao número de doentes, com o passar dos anos, foi também crescendo o prestígio do centro médico entre a população mais necessitada. “Um dia apareceu um táxi que trazia um rapaz de cerca de 20 anos desmaiado. Impossível saber quem era. O taxista disse-nos que umas pessoas o tinham encontrado desmaiado na rua e disseram-lhe que o trouxesse para Walé, pagando-lhe a corrida; bons samaritanos que, como toda a gente em Yamusukro, sabiam que Walé faria o impossível para salvar a vida do doente. O médico que o recebeu diagnosticou-lhe rapidamente uma situação urgente de peritonite. Era preciso tentar localizar a família e enviá-lo para um hospital onde o pudessem operar. Foi posto a soro e quando recuperou um pouco o conhecimento, foi-lhe perguntado se tinha um número de telefone para onde se pudesse ligar. Deu o número do telemóvel do pai, mas não atendia. Levámo-lo para uma clínica com sala de operações, onde foi operado a cargo de Walé e salvou-se-lhe a vida.

Por fim demos com o pai: era um agricultor que estava no campo, numa zona sem sinal, e que só ligou quando regressou a casa, à tarde. Quando se lhe comunicou que o seu filho já tinha sido operado ficou logicamente muito agradecido e comprometeu-se a ir pagando as despesas com a operação, pouco a pouco, coisa que foi fazendo na medida das suas escassas possibilidades”
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Este episódio reflete as necessidades do país, a dignidade das pessoas que vão às consultas, o empenho e o espírito na ajuda que aqui está subjacente. Porque, como salienta Manuel Lago, “seja qual for a sua situação económica, em Walé o doente é sempre uma pessoa que necessita de compreensão, de afeto e de respeito”. (Texto adaptado)

Maria Susana Mexia


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