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sexta-feira, 23 de outubro de 2015

No princípio, a família eram só dois

Esta afirmação que dá nome ao presente artigo não passa de uma dedução lógica: se cada pessoa tem um pai e uma mãe, teremos de chegar, ao “descer” pela árvore genealógica, a dois ramos, o pai e a mãe, oriundos do mesmo tronco, isto é, contemporâneos e “conterrâneos”, coincidentes no tempo e na Terra. Chamemos Adão e Eva a estas primeiras pessoas. Eram só dois! Apenas dois! Um espanto! E deixaram uma obra enorme! Outro espanto! Sem estes dois, nem o leitor nem eu poderíamos estar a ler e a escrever porque simplesmente não existiríamos. Vale a pena determo-nos um pouco para pensar, imaginar, como seria esta primeira família.

Eram só dois! Não havia mais ninguém! Sempre que um tinha fome, colhia um fruto e comia-o; não era necessário esperar pelo outro. E assim com tudo. Eram individualistas. Só pensavam em si. Não tinham pais idosos para cuidar, nem tios, avós, filhos, sobrinhos... Eram apenas um homem e uma mulher. Só este facto, o de serem homem e mulher, teve inúmeras consequências, porque foi por isso que foram família, que se passaram a amar. A partir do amor os factos mudaram. Como seria esse amor? Falariam? Comunicariam um com o outro de algum modo? Embora extremamente rudimentar, o entendimento entre ambos adivinha-se profundo. Fariam companhia um ao outro a toda a hora, sem horários a cumprir, e essa companhia seria muito agradável, pois partilhariam as mesmas necessidades básicas, comer, dormir, recompor-se de algum ferimento, abrigar-se do frio e do calor na mesma gruta. É fácil imaginar Adão a colher algum fruto maduro para Eva, mas situado demasiado alto para ela o poder alcançar. Se faltavam as palavras de amor, eram muitos os gestos de amor: darem-se as mãos, contemplarem a natureza em silêncio, ajudando-se, espantando-se com o nascimento dos primeiros filhos, olhando-os com muita atenção, dando-lhes nomes. Dar nomes, aos animais e aos filhos, foi a primeira tarefa do Homem.

Chamar, mandar aproximar-se, pedir colaboração para “mobilar” a gruta com pedras, para cortar ou ajeitar ramos, para trepar a uma árvore e vigiar o perigo... passou a ser uma necessidade urgente. Precisavam de uma linguagem sonora comum para uma família alargada, já constituída por pais e filhos. Surgira uma nova forma de pertencer à família, até aí formada apenas por marido e mulher: os irmãos. Estes formavam a segunda geração que, por casamento, formariam uma nova família sem que os seus primeiros laços familiares– de filiação ou irmandade – tivessem desaparecido. Quando esta segunda geração começou a ter filhos, Adão e Eva passaram a ser avós, e explicavam e transmitiam aos filhos as suas experiências, sobretudo como ensinar as crianças a sobreviver, a colherem os fruto maduros, mas não podres, etc. Também deviam ajudar a adormecer os netos. Essas crianças já tinham tios; e também primos. A linguagem tornava-se cada vez mais rica e abrangente, não só em número como também em conceitos abstractos simples: dor, ruído, muito, pouco, nada, fome...

Eram só dois! Foram a porta de entrada para os milhões de pessoas que somos hoje e para as inúmeras obras nascidas como fruto da comunicação entre gerações. Mas sobretudo como fruto do amor e do trabalho.

Eram só dois! Mas a sua obra prosseguiu por milénios, prosperou em cérebros e corações e progrediu espalhando-se por todo o orbe. Não existe empresa mais segura do que a família. E tudo continua a começar com apenas dois.

Isabel Vasco Costa
14 de Outubro de 2015

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