Convite a trabalhar pela aprovação de
um acordo sobre o clima que seja equitativo, juridicamente vinculante e
que leve a uma mudança verdadeira
Roma,
27 de Outubro de 2015
(ZENIT.org)
Nesta segunda-feira, 26 de outubro, o Vaticano divulgou o seguinte apelo:
Apelo de cardeais e bispos católicos de todo o mundo à COP 21 - Para um acordo justo e vinculante sobre o clima
Um apelo inspirado pela carta encíclica Laudato Si’ do Papa Francisco
foi assinado por cardeais, patriarcas e bispos, representantes das
conferências episcopais continentais das diversas partes do mundo, e
dirigido à COP 21, à Conferência das partes sobre a mudança climática
que terá lugar em Paris de 30 de Novembro a 11 de Dezembro próximos, com
o convite a trabalhar pela aprovação de um acordo sobre o clima que
seja equitativo, juridicamente vinculante e que leve a uma mudança
verdadeira.
Representando a Igreja Católica dos cinco continentes, nós, Cardeais,
Patriarcas e Bispos, juntámo-nos para expressar, em nosso próprio nome e
em nome das populações ao nosso cuidado, a esperança muito difusa de
que um acordo climático justo e juridicamente vinculativo será alcançado
nas negociações da COP 21, em Paris. Apresentamos uma proposta de
linhas de orientação com dez pontos, a partir da experiência concreta de
pessoas de todos os continentes, e estabelecendo um elo entre as
alterações climáticas e a injustiça social e exclusão social dos nossos
cidadãos mais pobres e mais vulneráveis.
Alterações Climáticas: desafios e oportunidades
Na sua carta encíclica, Laudato Si’ (LS), dirigida ‘a cada pessoa que
habita neste planeta’ (LS 3), o Papa Francisco sustenta que ‘as
mudanças climáticas constituem atualmente um dos principais desafios
para a humanidade’ (LS 25). O clima é um bem comum, que pertence a todos
e a todos se destina (LS 23). ‘O meio ambiente é um bem coletivo,
património de toda a humanidade e responsabilidade de todos’ (LS 95).
Quer sejamos crentes ou não, estamos hoje de acordo que a terra é
essencialmente uma herança comum, cujos frutos se destinam ao benefício
de todos. Para os crentes, trata-se de uma questão de fidelidade ao
Criador, uma vez que Deus criou o mundo para todos. Por conseguinte,
qualquer abordagem ecológica deve integrar uma perspetiva social que
tenha em atenção os direitos fundamentais dos pobres e mais
desfavorecidos (LS 93).
Os danos provocados no clima e no meio ambiente têm enormes
repercussões. O problema gerado pela dramática aceleração das alterações
climáticas tem efeitos globais. Constitui um desafio à redefinição das
nossas noções de crescimento e de progresso. Coloca uma questão de
estilo de vida. É imperativo que encontremos uma solução que seja
consensual, devido à escala e à natureza global do impacto do clima,
pelo que se exige uma solidariedade que seja universal, uma
‘solidariedade entre as gerações’ e ‘entre os indivíduos da mesma
geração’ (LS 13, 14, 162).
O Papa define o nosso mundo como ‘a nossa casa comum’ e, no exercício
do nosso ofício de administradores, temos de dar atenção à degradação
humana e social que é consequência de um meio ambiente deteriorado.
Apelamos a uma abordagem ecológica integral, apelamos a que a justiça
social ocupe um lugar central, ‘para ouvir tanto o clamor da terra como o
clamor dos pobres’ (LS 49).
O desenvolvimento sustentável deve incluir os pobres
Enquanto deplora o impacto dramático das rápidas alterações
climáticas no nível dos oceanos, em fenómenos climáticos extremos, nos
ecossistemas em deterioração e na perda de biodiversidade, a Igreja é
também testemunha de como as alterações climáticas estão a afetar as
comunidades e populações vulneráveis, que são gravemente prejudicadas. O
Papa Francisco alerta-nos para o impacto irreparável das alterações
climáticas desenfreadas em muitos países em desenvolvimento do mundo.
Além disso, no seu discurso às Nações Unidas, o Papa afirmou que o abuso
e a destruição do meio ambiente são também acompanhados de um
persistente processo de exclusão1.
Líderes corajosos à procura de acordos executáveis
A edificação e manutenção de uma casa comum sustentável requerem uma
liderança política corajosa e imaginativa. São necessários sistemas
normativos que estabeleçam com clareza determinados limites e assegurem a
proteção do ecossistema (LS 53).
Há dados científicos credíveis que sugerem que as alterações
climáticas aceleradas são resultado da atividade humana desenfreada, ao
serviço de um modelo particular de progresso e de desenvolvimento, e que
uma das causas principais reside na excessiva dependência dos
combustíveis fósseis. O Papa e os Bispos católicos dos cinco
continentes, sensíveis aos danos que são provocados, apelam a uma
drástica redução das emissões de dióxido de carbono e outros gases
tóxicos.
Unimos a nossa voz ao apelo do Santo Padre em favor de um progresso
significativo em Paris, de um acordo compreensivo e de mudança apoiado
por todos, com base em princípios de solidariedade, justiça e
participação2. Este acordo deve colocar o bem comum à frente dos
interesses nacionais. É também essencial que as negociações desemboquem
num acordo executável que proteja a nossa casa comum e todos os seus
habitantes
Nós, Cardeais, Patriarcas e Bispos, proferimos um apelo geral e
propomos dez propostas específicas de orientação. Apelamos à COP 21 que
formule um acordo internacional para limitar o aumento global da
temperatura aos parâmetros atualmente sugeridos pela comunidade
científica global, de modo a evitar impactos climáticos catastróficos,
especialmente para os mais pobres e para as comunidades mais
vulneráveis. Estamos de acordo quanto à existência de uma
responsabilidade comum, mas também diferenciada, de todas as nações. Os
distintos países alcançaram um estádio diverso de desenvolvimento. É
imperativo que se trabalhe em conjunto em prol de um empreendimento
comum.
Os nossos dez apelos:
1. ter em atenção não apenas as dimensões técnicas mas
particularmente éticas e morais das alterações climáticas, como indicado
no Artigo 3 da Convenção-Quadro das Nações Unidas para as Alterações
Climáticas (CQNUAC).
2. aceitar que o clima e a atmosfera são bens comuns globais que a todos pertencem e a todos se destinam.
3. adotar um acordo global justo, de mudança e juridicamente
vinculativo, com base na nossa visão comum do mundo que reconhece a
necessidade de viver em harmonia com a natureza, e que garanta que todos
possam fruir dos direitos humanos, incluindo os direitos dos Povos
Indígenas, das mulheres, jovens e trabalhadores.
4. impor limites estritos ao aumento global da temperatura e
estabelecer um objetivo de completa descarbonização para meados do
século, com vista a proteger as comunidades de primeira linha que sofrem
os impactos das alterações climáticas, como aquelas das Ilhas do
Pacífico e das regiões costeiras. • assegurar que o limite de
temperatura é codificado num acordo global juridicamente vinculativo,
com compromissos e ações de mitigação ambiciosos por parte de todos os
países, reconhecendo as suas responsabilidades comuns, mas
diferenciadas, e respetivas capacidades (CBDRRC), com base em princípios
de equidade, responsabilidades históricas e no direito ao
desenvolvimento sustentável.
. para assegurar que as reduções das emissões dos governos estão em
linha com o objetivo de descarbonização, os governos têm de desenvolver
revisões periódicas dos compromissos que estabelecem e das ambições que
manifestam. E, para terem sucesso, estas revisões têm também de se
basear nos dados científicos e na equidade e devem ser obrigatórias.
5. desenvolver novos modelos de desenvolvimento e estilos de vida que
sejam compatíveis com o clima, enfrentem as desigualdades e tirem as
pessoas da pobreza. Um elemento primordial para que tal aconteça é pôr
fim à era dos combustíveis fósseis, calendarizando a redução das
emissões de combustíveis fósseis, incluindo as emissões militares, da
aviação e da marinha, e proporcionando a todos o acesso a energias
renováveis económicas, fiáveis e seguras.
6. assegurar que as pessoas possam ter acesso à água e à terra para
desenvolverem sistemas alimentares resistentes às condições climatéricas
e sustentáveis, que dêem prioridade às soluções propostas pelas
populações e não aos lucros.
7. assegurar que os mais pobres, mais vulneráveis e quantos sofrem
maiores impactos possam participar em todos os níveis dos processos de
tomada de decisões.
8. assegurar que o acordo de 2015 aponte para uma abordagem de
adaptação que responda adequadamente às necessidades imediatas das
comunidades mais vulneráveis e tenha em conta as alternativas locais.
9. reconhecer que as necessidades de adaptação dependem do sucesso
das medidas de mitigação a serem tomadas. Os responsáveis pelas
alterações climáticas têm a responsabilidade de apoiar os mais
vulneráveis na sua adaptação, a gerirem as perdas e os danos, e devem
partilhar a tecnologia e o saber-fazer necessários.
10. oferecer quadros de referência claros quanto ao modo como os
países irão dar resposta à provisão de compromissos financeiros fiáveis,
consistentes e adicionais, assegurando um financiamento equilibrado de
ações de mitigação e necessidades de adaptação.
Tudo isto implica uma educação e uma consciência ecológica sérias (LS 202-215).
Oração pela Terra
Deus de amor, ensina-nos a cuidar deste mundo como nossa casa comum.
Inspira os líderes governamentais que se reúnem em Paris:
− para que escutem e prestem atenção ao clamor da terra e ao clamor dos pobres;
− para que se unam de mente e coração dando uma resposta corajosa;
− que busque o bem comum e proteja o belo jardim terrestre que
criaste para nós, para todos os nossos irmãos e irmãs, para todas as
gerações vindouras.
Ámen
____________
1 Discurso do Santo Padre, Sede da Organização das Nações Unidas, Nova Iorque, Sexta-feira 25 de Setembro de 2015.
2 Discurso do Papa Francisco aos Ministros do Meio Ambiente dos
Países Membros da União Europeia, Cidade do Vaticano, Quarta-feira 16 de
Setembro de 2015.
BISPOS SIGNATÁRIOS DA PRESENTE DECLARAÇÃO:
Sua Eminência o Cardeal Oswald GRACIAS
Arcebispo de Bombaim, Índia, Presidente da FABC (Ásia)
Sua Excelência Mons. Gabriel MBILINGI, CSSp
Arcebispo de Lubango, Angola, Presidente do SECAM (África)
Arcebispo de Esztergom – Budapeste, Hungria, Presidente da CCEE (Europa)
Sua Excelência Mons. Joseph E. KURTZ
Arcebispo de Louisville, USA, Presidente da USCCB (USA)
Sua Eminência o Cardeal Reinhard MARX
Arcebispo de München und Freising, Alemanha, Presidente da Comece (Europa)
Sua Excelência Mons. John RIBAT, MSC
Arcebispo de Port Moresby, Papua-Nova Guiné, Presidente FCBCO (Oceania)
Sua Eminência o Cardeal Rubén Salazar GÓMEZ
Arcebispo de Bogotá, Colômbia, Presidente del CELAM (América Latina)
Sua Excelência Mons. David DouglAs CROSBY
Bispo de Hamilton, Canada, Presidente do CCCB-CECC (Canadá)
Sua Beatitude o Cardeal Béchara Boutros RAÏ
Patriarca de Antioquia dos Maronitas (Líbano), Presidente CCPO, (Conselho dos Patriarcas católicos de Oriente)
Escrito em colaboração com as redes católicas CIDSE (Coopération
Internationale pour le Développement et la Solidarité) e Caritas
Internationalis, e com o patrocínio do Pontifício Conselho «Justiça e
Paz».
(27 de Outubro de 2015) © Innovative Media Inc.
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