Entrevista com Dom Fernando Chica, observador permanente da Santa Sé
na FAO e nas Nações Unidas, sobre a encíclica do Papa Francisco
Roma,
30 de Outubro de 2015
(ZENIT.org)
Sergio Mora
Na encíclica Laudato Si, o Papa Francisco convida a lutar
contra a fome e outros flagelos do século, em um mundo onde há comida
para todos, mas nem todos podem comer. É um apelo à conversão, porque
significa não delegar, pensando que alguém consertará tudo, mas indica a
responsabilidade de cada um de nós. Uma encíclica que como uma
plataforma aberta, busca a colaboração de todos e ilumina a todos.
Foi o que afirmou o Observador Permanente da Santa Sé para as Nações
Unidas, FAO, PAM e IFAD, Dom Fernando Chica, em entrevista concedida à
Zenit, após o encontro "Combate à fome e conversão ecológica. O convite
da encíclica Laudato Si a uma agricultura sustentável", organizado em Roma pela Pontifícia Universidade da Santa Cruz, na sala Alvaro del Portillo.
Zenit: Na encíclica Laudato Si há uma solicitação para salvar a casa que Deus nos deu, mas também um convite à conversão?
Dom Fernando Chica: Isto não é apenas uma intuição, mas uma verdade.
Ao ler o texto da encíclica, que é riquíssimo, porque pode ser definida
como inesgotável, é como uma canteira onde encontra-se realmente muitas
ideias brilhantes. É uma encíclica que não pode ser lida rapidamente,
porque tem grande variedade de tópicos e um convite à conversão
explícito.
Zenit: Em que sentido?
Dom Fernando: O Santo Padre convida à conversão para combater a fome e
outros flagelos de hoje, do século XXI, que caracterizam este mundo e o
Papa as descreve como um verdadeiro escândalo.
A conversão acontece, por exemplo, ao abandonar essa prática que
temos de recusar ou abandonar os grandes problemas, pensando que sempre
haverá alguém, uma instituição ou outra pessoa tendo o cuidado de
corrigi-lo e, logo, damos um passo para trás. Esquecemos e damos uma
desculpa para não agir, entramos num limbo, numa paralisia, num engano
total, pensando que alguém vai resolver o problema da fome no mundo.
Fome no mundo...
Dom Fernando: É um problema que clama ao céu e clamava o sangue de
Abel, é uma injustiça o fato de que hoje milhões de pessoas no mundo
sofram este verdadeiro flagelo, a fome, quando a terra pode alimentar a
todos.
É um paradoxo real, há comida para todos, mas nem todos podem comer,
alimentos para todos, mas nem todo mundo se beneficia deles, porque
alguns não tem acesso, outros não podem produzir, muitos estão nas mãos
de poucos, porque a comida deixou ser um direito para se tornar um
produto de mercado, que muitos não podem obter devido aos preços. O
alimento, que é um direito tão sagrado como o direito à vida, hoje,
infelizmente, não está disponível para todos. Devo dizer com todas as
letras que é um verdadeiro horror, uma injustiça, um escândalo. Aqui
está a conversão.
Zenit: Portanto, não basta apoiar os organismos internacionais.
Dom Fernando: Não. Somente a cooperação internacional pode fazer algo
para acabar com este flagelo, todos podemos fazer a nossa parte,
ninguém está excluído desta causa nobre que é combater a fome e a
pobreza no mundo.
Zenit: O Papa convida muitas pessoas que viam a Igreja e Deus como
algo distante para a questão da defesa do criado e assim as aproxima da
fé.
Dom Fernando: A encíclica tem algo de maravilhoso, nos primeiros
números dirige-se a todos, e a palavra ‘todos’ é fundamental... O Papa
fez uma ampla consulta, a muitos órgãos e pessoas, antes de escrever e
as dispôs neste maravilhoso aparato crítico onde você vê que muitos
convergem para o pensamento papal. O Santo Padre não pretende ter um
único interlocutor, mas visa atingir a todos, não apenas os católicos,
mas a todas as pessoas que querem ouvi-lo, a todas as pessoas de boa
vontade, crentes ou não, instituições políticas internacionais,
autoridades locais, universitários, todos.
Portanto, para quem quiser ouvi-lo, ele envia uma mensagem. Esta
encíclica é como uma plataforma aberta para todos, busca a colaboração
de todos, ilumina a todos os que estão envolvidos de uma maneira ou de
outra, não apenas políticos, mas agentes sociais, culturais,
universitários, ecologistas, a todos os que querem trabalhar para ir em
frente, para ir ao encontro deste grito da terra.
Zenit: Parece que nunca houve um chamado tão grande na história da Igreja.
Dom Fernando: Esta é uma ideia que nos faz ver a grandeza deste Papa,
que se coloca constantemente junto com a tradição viva da Igreja, com a
palavra de Deus, com o rico fio condutor de reflexão de seus
antecessores. Ou seja, o Santo Padre lança um rio de propostas e o
oferece a este mundo.
Especialmente para a conferência que em poucos dias será realizada em
Paris, ele pediu em várias instâncias resultados efetivos, e não apenas
declarações de princípios, mas ações concretas, juridicamente
vinculativas, équas. Porque contrário não se chegará a lugar nenhum.
(30 de Outubro de 2015) © Innovative Media Inc.
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