Sobre as palavras do Papa à Cúria Romana
São Paulo, 29 de Dezembro de 2014 (Zenit.org) Marco Montrasi
Frequentemente, ao ler os jornais e as notícias da internet
corre-se o risco de receber algo reduzido, interpretado, e que não
corresponde à realidade. Assim, uma das notícias recebidas pelos
leitores e telespectadores nestes dias, ao acompanhar os discursos do
Santo Padre, poderia ter sido essa do título: as 15 "pancadas" do Papa
Francisco na Cúria Romana.
Digo que o risco é receber uma coisa reduzida, pois entendo que
aquilo que o Papa disse para a Cúria Romana para as felicitações de
Natal no dia 22 de Dezembro é muito mais do que isso. Ele falou para a
Cúria, mas era para mim. Ai de quem se sente em ordem e também ouvindo o
Papa pode cair imediatamente na armadilha que ele mesmo denuncia quando
nos diz para ter cuidado: aqueles que acreditam estar de pé, cuidem
para não cair.
No entanto, muito mais do que um conjunto de denúncias e correcções ao
som de pancadas, este discurso foi para mim uma profusão de ternura de
um pai.
Um pai que quer que seus filhos entendam que existem doenças que não
manifestam sintomas vistosos, doenças que te pegam aos poucos e te mudam
"suavemente". Essas são as piores, porque não se dando conta delas, não
as cura e elas te destroem por dentro, você se afasta de si mesmo e da
realidade a ponto de não ver mais nem a realidade e nem o seu verdadeiro
eu, e muito menos Cristo.
Portanto, antes de mais nada fala de nós. Aqui se trata de nós, de
mim. Trata-se de mim, homem, trata-se da minha família, dos meus amigos,
da minha comunidade, do meu movimento, da minha Igreja.
Ter esse ponto de partida me dá paz. Olhar o juízo do Papa como um
juízo sobre uma realidade externa, que não me diz respeito, me causa
medo. O medo de quem já poderia se sentir "imune".
Logo, ao descrever a primeira doença, Papa Francisco diz: “O antídoto para esta epidemia é a graça de nos sentirmos pecadores”.
Por que é um gesto de ternura e não uma pancada ser olhado até o
ponto de se dizer tudo com clareza? Porque o que em mim se tornou árduo e
insensível ou podre pode voltar a ter vida. Quem percebe que não está
bem procura o médico. Sentir-se pecador, sentir que não está bem, poder
chorar e correr para alguém que te ajude porque pode te ajudar... o que
existe de mais confortante do que isso? Acho que este é o caminho da
salvação, ao qual o Papa quer nos acompanhar.
Não existe o gosto pela salvação sem o sentir-se desprovido de tudo, o
sentir-se perdido. A graça de sentir-se pecador. Que estranha graça.
Por isso Jesus dizia que publicanos e prostitutas nos precederão no
reino dos céus. Porque desde quando eles o viram passar, começaram a
buscar Cristo dia e noite. Os publicanos, Zaqueu e Madalena. Eles não
tinham medo de alguém que fazia com que vissem o quanto era escura a
vida deles, quanta coisa estava faltando, e assim, com toda a sua
humanidade, começaram a segui-lo.
Nós temos medo da nossa humanidade e por isso procuramos nos defender
– também diante de Papa Francisco – pensando que aquilo que ele diz é
sobre os outros e não sobre mim. É a cúria que deve mudar ou sou eu?
Dizia Dom Giussani, fundador de Comunhão e Libertação, em um
testemunho histórico diante de João Paulo II no encontro com os
movimentos em 1998, na Praça São Pedro: “Era uma simplicidade de coração
que me fazia sentir e reconhecer Cristo como excepcional, daquela
maneira imediata cheia de certeza, como acontece diante da evidência
incontestável e indestrutível de factores e momentos da realidade, que,
tendo entrado no horizonte da nossa pessoa, nos tocam até o coração”.
Entendo que a graça de ter esse Papa nesse momento histórico é
justamente essa: uma ajuda a voltar ao essencial, às origens do
cristianismo, uma ajuda a voltar a ser crianças, uma ajuda a ser pobres e
simples, e, portanto, atentos. Até poder reconhecer como excepcional
Cristo, até interceptá-lo quando ele passa, e assim correr para poder
segui-lo.
Por Marco Montrasi é o responsável do Movimento Comunhão e Libertação no Brasil
(29 de Dezembro de 2014) © Innovative Media Inc.
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