Um desejo de eternidade
Roma, 29 de Dezembro de 2014 (Zenit.org) Jorge Henrique Mújica
A NASA criou, em 2014, um mosaico temático feito com 36.422
fotos de pessoas de mais de cem países, tiradas por elas próprias e
enviadas através das redes sociais com a hashtag #GlobalSelfie. A
participação massiva é mais um reflexo do fenómeno da autofotografia, ou
“selfie”, que se tornou “a palavra do ano” em 2013 na opinião do
prestigioso dicionário Oxford da língua inglesa. E a “selfie” é um fenómeno que, pelo visto, parece destinado a continuar indo bem além de
2013.
O que leva as pessoas a compartilhar tantas fotos delas mesmas
tiradas por elas mesmas? Só em 2013, houve 1 milhão de publicações desse
tipo de imagem por dia! O fenómeno não é apenas resultado da actual
facilidade técnica para tirar fotos em qualquer lugar e a qualquer
momento; também existe algo de psicológico nessa manifestação cultural:
as pessoas se sentem, embora pareça uma redundância, protagonistas das
próprias fotos, não apenas por serem fotografadas, mas por se
fotografarem.
Essa dimensão do protagonismo quer testemunhar com imagens que “eu
estive lá”, que “eu sou assim”, que “eu estive com Fulano”; e, com um
pouco de sorte, conseguir, quem sabe, alguma fama efémera, caso a imagem
se torne viral.
O fenómeno selfie pode envolver também certos matizes patológicos. Em
maio de 2014, no “Giro d’Italia”, o ciclista alemão Marcel Kittel caiu e
um jovem se aproximou dele rapidamente; mas não era para ajudá-lo, e
sim para tirar uma selfie com o atleta. Atitudes semelhantes se repetem
com muitas pessoas no mundo todo e fazem parte do pano de fundo do
curta-metragem “Aspirational”, da actriz Kirsten Dunst.
No filme, Kirsten critica a cultura da selfie e a desumanização das
pessoas em tempos de Instagram. Vemos a actriz, no curta-metragem,
esperando alguém diante de sua casa quando passam duas garotas que a
reconhecem, se aproximam com seus smartphones na mão e, sem mais nem
menos, começam a tirar selfies com ela. Terminada a “sessão
fotográfica”, as jovens vão embora praticamente sem abrir a boca. “Não
querem me perguntar nada?”, indaga Kirsten, enquanto uma das jovens se
limita a perguntar à outra: “Quantos seguidores você acha que eu vou
conseguir com esta foto?”.
“Aspirational” é uma caricatura, mas tem fundamento bastante real.
Como não recordar o menino espanhol que se emocionou até chegar às
lágrimas por ter tirado uma foto com o jogador argentino Lionel Messi?
“O que foi que o Messi disse para você?”, perguntou um jornalista ao
menino. “Nada”, foi a resposta. Ele queria a foto, não as palavras do
craque.
As selfies não são algo novo. O mito grego de Narciso nos apresenta o
rapaz que se apaixonou pela própria imagem reflectida na água e,
enquanto contemplava a sua beleza, caiu no rio e morreu afogado. Aquela
“selfie mitológica”, aplicada às circunstâncias actuais, pode servir como
convite para prestarmos mais atenção não somente a essa super-exposição
vaidosa, mas também à falta de autenticidade das imagens manipuladas
para aparentar o que não somos.
Historicamente falando, a primeira selfie data de 1914 e a
protagonista foi uma adolescente de 13 anos: a grã-duquesa Anastácia, da
Rússia. No âmbito religioso, podemos citar o Santo Sudário e o manto da
Virgem de Guadalupe, duas “selfies” de peculiaridade sobrenatural. E,
indo ainda mais longe, a primeira de todas as selfies remonta ao próprio
Deus e tem como fundamento teológico a Bíblia.
O capítulo primeiro do livro do Génesis, em seus versículos 26 e 27,
diz claramente que Deus fez o homem à sua imagem e semelhança. Será que
não podemos considerar a nós próprios como “selfies” de Deus? Neste
sentido, cada selfie humana de hoje em dia é uma imagem que reflecte algo
de divino e que remete a Deus. Mas Deus é ainda mais original e tirou a
mais perfeita de todas as selfies: Jesus Cristo, que, muito além de
mera “imagem” de Deus, é Deus em pessoa feito carne.
As selfies, de certa forma, são expressões da capacidade criadora
semeada por Deus no coração humano e materializada em imagens. Não são
uma simples popularização da fotografia, mas expressões muitas vezes
instintivas que nos revelam um pouco do anseio de eternidade que temos
na alma. Cada foto é uma forma de dizer “eu existo”, “eu faço parte da
história humana” e, ainda mais profundamente, “eu sou imagem e
semelhança de Deus”.
(29 de Dezembro de 2014) © Innovative Media Inc.
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