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sábado, 1 de novembro de 2014

Card. Dolan: A Igreja não é um clube de perfeitos, mas um hospital para os doentes

Em uma longa entrevista, o arcebispo de Nova York e ex-presidente dos bispos norte-americanos, compartilha os seus pensamentos sobre o Sínodo, a crise e a beleza da família, o papel da Igreja e o de Francisco


Roma, 31 de Outubro de 2014 (Zenit.org) Deborah Castellano Lubov


Embora ninguém se equipare aos ideais da Igreja, ela recebe a todos de braços abertos. Em resumo, esse é o cerne da entrevista que o cardeal Timothy Dolan, arcebispo de Nova York, concedeu a ZENIT. No amplo diálogo com a nossa mídia, o prelado, já presidente da Conferência Episcopal dos Estados Unidos, expressou o próprio pensamento não só sobre o Sínodo, mas também sobre o verdadeiro papel da Igreja, sobre como tal função esteja se desenvolvendo no pontificado de Francisco e sobre como foi encarado pelos seus antecessores. Em seguida falou com a sua franqueza habitual sobre os desafios pastorais nas arquidioceses americanas, da cobertura mediática, bem como a oportunidade de que Francisco possa fazer uma visita pastoral aos Estados Unidos, e, especialmente, a Nova York, em 2015.

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ZENIT: Eminência, quais são as suas esperanças e expectativas depois do final do Sínodo Extraordinário e tendo em vista a Assembleia de 2015?
Card. Dolan:  A minha expectativa é que haja um incentivo aos casais bem casados e às nossas belas famílias que se esforçam por viver uma vida agradável a Deus, coerente com toda a beleza do Evangelho e que vivem na Terra para chegar o mais perto possível do amor e da unidade da Santíssima Trindade. Espero que maridos e esposas vivam o tipo de vida que é para nós um ‘ícone’, ou seja, um reflexo que Deus tem pelo homem. Esta é a majestade, é a poesia, é a história de amor, a beleza do matrimónio que faz parte da nossa tradição católica. Portanto, a minha esperança é de que, em um mundo que se pergunta se é possível permanecer unidos para sempre, se é possível permanecer fieis e apaixonados pela mesma pessoa e acolher os filhos como um dom, como uma bênção, e não como um peso, se o Sínodo tenha conseguido confirmar que “sim, pode apostar a vida, as pessoas podem conseguir!”. Podem conseguir com a graça e a misericórdia de Deus, que nos dá uma vida de extraordinária alegria. Portanto, se somos capazes de dar aquele apoio e incentivo ao novo povo, “Aleluia”!

ZENIT: Na sua opinião qual foi o tema mais importante do Sínodo?
Card. Dolan: Parece contraditório, mas a mensagem mais importante é de que não haverá mudanças. A nossa sensibilidade está no reafirmar a fidelidade à nobreza, à sacralidade e à grandeza dos ensinamentos da Igreja sobre família e matrimónio. No Sínodo não se tratou de mudar algo, mas de reafirmar melhor o imutável ensinamento da Igreja em um mundo extraordinariamente cínico e céptico com relação à possibilidade de uma vida eterna, fiel e feita de amor.

ZENTI: Quais os medos, então?
Card. Dolan: Existe um pouco... especialmente queremos ser o mais claro e convincentes possíveis no reafirmar o eterno ensinamento da Igreja sobre o matrimónio e sobre a família, sem assustar ninguém, sem dar a impressão de querer marginalizar nada. Como nas famílias, também na Igreja existem os ‘maiores’ que devem se preocupar em ensinar com clareza e de estar à altura das expectativas, mostrando virtude, responsabilidade, determinação, mantendo um amor extraordinário e uma doçura com as crianças. Deus é o nosso Pai que nos ensina o que foi revelado a nós sobre o matrimónio. A Igreja é a nossa mãe. Tanto Deus quanto a Igreja têm a suprema responsabilidade de ser bons mestres, da mesma forma que fariam nossos pais. Portanto, como podemos reconciliar os nossos nobres ensinamentos com quem não é capaz de viver com eles? Refiro-me obviamente aos divórcios, a quem se casa mais vezes, e às uniões do mesmo sexo. Como podemos continuar a afirmar o que Deus nos ensinou sem excluí-los? Como podemos fazer para que eles reconsiderem os ensinamentos de Deus? Como podemos fazê-los recordar que, embora não sejam capazes de viver com estes ensinamentos, podem, de qualquer forma, considerar ainda a Igreja como uma família, como uma casa espiritual? Eis o desafio: como ser mestres de firmeza e de amor ao mesmo tempo.

ZENIT: De que forma a Igreja pode dar as boas vindas aos que não conseguem seguir todos os ensinamentos?
Card. Dolan: Eu acho que precisamos pegar essas indicações do Santo Padre, que disse: “Se você é consciente de ser um pecador e admite que é um, então, estou feliz em conhece-lo, porque eu também o sou! Una-se a mim e ao grande grupo de pecadores que busca melhorar”. Deve haver uma conversão no coração, de acordo com a graça e a piedade de Deus, e lentamente, gradualmente, buscar então realinhar-se com os ensinamentos de Jesus e da Igreja. Não é um processo fácil e alguém poderia repetir os erros mas é por isso que temos o sacramento da Penitência. Gosto de lembrar às pessoas que a Igreja não é um clube privado para os perfeitos, mas um hospital para os enfermos. Se você está doente espiritualmente ou moralmente, é mais que bem vindo à Igreja, porque todos nós o somos. Também se você cometeu erros mais graves, de qualquer forma, está em ‘casa’ e nós faremos o possível para fazê-lo compreender, à luz da sabedoria da Igreja. Ainda quando fracasse a Igreja estará do seu lado para te fazer compreender que você não está excluído.

ZENIT: Falando agora de Nova York qual é o maior desafio que a arquidiocese deve enfrentar depois do Sínodo?
Card. Dolan: O maior desafio pastoral será recapturar o extraordinário apelo à compaixão e aos cuidados que pertence à Igreja. De fato, a percepção de algumas pessoas sobre a Igreja é que ela só sabe dizer não. O perigo após o Sínodo é que muitos vão dizer: "Mais uma vez a Igreja disse não ao aborto, não para uniões do mesmo sexo, etc'. Esta caricatura é errada. A Igreja sempre diz sim ao que pode fazer livre o homem e ao que faz a sua condição mais verdadeira e genuína. Nós dizemos ‘sim’ à vida eterna, sim à poesia da relação homem e mulher, sim à ideia de que a família é a coisa mais próxima à Trindade nessa terra, sim à expressão sexual do amor entre homem e mulher. E dizemos, pelo contrário, ‘não’ àqueles que neguem tudo isso. Portanto, se você me perguntar qual seja o meu maior desafio pastoral, acho que seja o de reconquistar o extraordinário e compassivo apelo que cura e a natureza da doutrina da Igreja.

ZENIT: Se alguém perguntasse se o Papa Francisco está mantendo a mesma linha de Bento XVI, o que você responderia?
Card. Dolan: Estamos sempre na linha da tradição. Se você ler os Actos dos Apóstolos, as Cartas de São Paulo, é possível dar-se conta de que a Igreja sempre continuou este desafio desde o Domingo de Pentecostes. Como viver com os ideais de Deus? Como reconciliar as transformações da sociedade com o que Deus nos ensinou originalmente? O grande desafio Pastoral é o de não mudar, de não comprometer-se, mas de resistir sem escolher outro caminho.

ZENIT: Há algo sobre a maneira em que os meios de comunicação descrevem-no que não o convence?
Card. Dolan: O Papa João Paulo II nos ensinou que a Nova Evangelização seria sempre um desafio e que nunca deveríamos fugir da oportunidade de divulgar a mensagem de Cristo. Ao mesmo tempo isso nos leva a ser mal interpretados. Às vezes, em ocasiões, sinto que as minhas palavras não são usadas de forma apropriada, outras vezes me arrependo de ter dio alguma coisa. De qualquer forma, no geral, não tenho dores de consciência e não acho que tenha sido tratado mal.

ZENIT: Por que, na sua opinião, o Papa Francisco deveria visitar os Estados Unidos, e especialmente Nova York?
Card. Dolan: Ele é o tipo de Papa que te diz que pode confiar nele e conversar abertamente. Então eu lhe disse: "Santidade, suponho que você queira vir aos Estados Unidos. É a terceira ou quarta maior comunidade católica do mundo'. Quando venha, espero que venha a Nova York porque é um microcosmo de todas as igrejas da América. Já sabemos, no entanto, que o Papa quer vir porque expressou o desejo de ir para a sede das Nações Unidas.

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