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domingo, 2 de fevereiro de 2014

O actor Michael Lonsdale não tinha vontade de viver e pediu ajuda a Deus: «Ele deu uma volta à minha vida»

Premiado por “De deuses e homens” 

Michael Lonsdale
O célebre actor reflecte sobre o mundo do cinema: "Considero-o o ambiente mais propício para dar testemunho da fé".

Actualizado 20 de Setembro de 2012

M.V. / ReL

Artista magistral, actor de teatro e secundário de luxo no cinema, Michael Lonsdale (Paris, 1931) trabalhou às ordens dos maiores (Welles, Malle, Truffaut, Annaud, Spielberg...) e levou ao ecrã obras de gigantes como Beckett, Dürrenmatt ou Duras.

Católico apaixonado, o actor está fascinado pela frase de Dostoievski: “A beleza salvará o mundo”, ainda que, quase quarenta anos depois da sua conversão (“Cristo deu uma volta à minha vida”, reconhece) crê que “será o amor o que salvará o mundo”.

“O meu dia está cheio de oração, num diálogo constante com Ele”, confessa. “Existe uma intimidade, um intercâmbio imediato com Deus. Mas, sobretudo, tento amar a todos aqueles que tenho próximo, porque a mensagem de Cristo passa pelo amor ao próximo. E cada vez descubro mais a graça e a felicidade de saber que Deus está em cada pessoa. Lamentavelmente, nem sempre lhe abrimos a nossa porta...”, afirma.

“Não tinha vontade de viver”
Ele abriu-a há mais de quarenta anos: “Os meus pais não eram praticantes, e eu não fui baptizado. Vivemos durante dez anos em Marrocos, e foi um muçulmano o que primeiro que me falou de Deus, de uma maneira que realmente me impressionou. Pedi o baptismo aos 22 anos, mas não foi até 1987 quando realmente me encontrei com o Senhor".

Grupo de oração da Renovação Carismática
"Eu estava muito mal, tinha perdido os meus pais, e alguns dos meus amigos, já não tinha vontade de viver. E pedi ao Senhor que me ajudasse. A resposta foi imediata. No dia seguinte, o meu padrinho levou-me a conhecer um grupo de oração da Renovação Carismática. Ao entrar, fiquei impressionado pelos cantos, a oração e o amor que se percebia ali...

Uma carreira fulgurante
Depois de uma bem-sucedida carreira cinematográfica (Moonraker, O nome da rosa, Munich, Ronin, Chacal...), Lonsdale foi merecedor do prémio César em 2011 ao melhor actor secundário pela película De deuses e homens, onde encarna o irmão Luc, o médico do mosteiro argelino de Tibhirine onde em 1997 foram brutalmente martirizados por grupos extremistas os sete monges trapistas que se negaram a abandoná-lo por fidelidade às pessoas do lugar, que os apreciava e os queria.

Lonsdale, sem dúvida um dos actores mais aclamados da sua geração, reflecte em L’amour sauvera le monde (Editions Philippe Rey, Paris, 2011), sobre a proximidade essencial entre a arte, o cinema e a fé:

Sem medo a dar testemunho
“O cinema é, respeito a qualquer outro ambiente, o mais propício para testemunhar a fé. Durante muito tempo, os actores crentes não admitiram sê-lo porque muitas pessoas do cinema, as mais apaixonadas, eram de esquerdas e despreciavam a fé, considerando-a um retrocesso da inteligência. Quando eu evocava Deus, atiravam-se a mim: “Deixa já de chatear-me com isso!”, increpavam-me. E assim, nós, crentes, atemorizados, não dizíamos nada. Um dos meus grandes amigos, monsenhor Dominique Rey, hoje bispo de Toulon, disse-me há muito tempo: “Quando se possuí um tesouro como a fé, não devemos conservá-lo para nós mesmos, mas sim que é necessário partilhá-lo, falar dele com os demais ao nosso redor”. Então, debaixo da sua orientação, fundámos um grupo de oração para os artistas que durou uns vinte anos. Foi uma experiência incrível de acolhimento, de partilha e de rezar uns pelos outros. Muitas pessoas aproximavam-se com graves situações de infelicidade. Ajudamo-los, rezamos por elas, levantaram-se, sabiam que já não estavam sós...”

Um ofício cheio de tentações
“No fundo, os artistas não estão tão longe da fé: procuram a beleza, a verdade, a expressão, a emoção. Mas desempenham um ofício cheio de tentações: glória, vaidade, dinheiro... Na minha vida não estabeleci jamais uma fronteira entre a arte e a fé. Sou artista e crente. Perguntam-me frequentemente como pude fazer com convicção teatro de vanguarda, o de Beckett, por exemplo. Não havia, naquela obra, um questionamento da ideia de Deus? Em Esperando a Godot espera-se durante muito tempo... Na nossa época o espiritual encarna-se, frequentemente, como em Beckett, na desesperação, num olhar pessimista, em ocasiões cheias de humor, sobre a condição humana, elevando assim a miséria humana. É um olhar de incrível compaixão”.

A arte tende a mostrar o invisível
“Creio que todos os artistas, crentes ou não, estão preocupados com a ideia de Deus. A arte é uma transposição da vida, que tende a mostrar o invisível. Esta capacidade de sentir e pressentir está presente em muitos artistas. A escritora e directora Marguerita Duras dizia sempre: “Eu não creio em Deus, mas falamos muito frequentemente...”. O Senhor habita em todos os seres humanos, também de maneira subterrânea... Uma obra de arte é uma ferramenta considerável. Alguns converteram-se ao entrar na catedral de Chartres, removidos pela sua grandeza e pela sua beleza. Outros o fizeram escutando música, lendo um texto, rodando uma película, como aquele jovem actor que se fez monge depois de ter interpretado Cristo. Quando fiz a representação sobre santa Teresa de Lisieux, uma jovem, que duvidava se fazia-se ou não carmelita, vi a obra e imediatamente depois exclamou: “Compreendi o que é, entro no convento”. Não devemos desesperar-nos, a felicidade sempre é possível. A nossa civilização dá medo: tudo se volta anónimo, temo-nos desumanizado. Os jovens procuram algo a que agarrar-se e que dê sentido à existência. Gostaria que o olhar redentor de Cristo se pusesse mais frequentemente sobre as pessoas que andam perdidas. E a arte poderia contribuir para isso”.

“O irmão Luc guiava as minhas palavras”
“A rodagem de “De deuses e homens” foi uma etapa muito importante na minha vida, ainda que só tenha sido porque me permitiu conhecer figura do irmão Luc di Tibhirine. Ele encarna o meu ideal: não ocupar-se mais de si mesmo, dedicar-se constantemente aos demais. Aqui uma das mais formosas directrizes da fé. O irmão Luc é um personagem rico, magnífico de interpretar. Comovia-me muito frequentemente, por exemplo quando improvisei a cena na qual se o vê aproximar-se a uma reprodução do Cristo flagelado: daquele modo, assim, de golpe, expressado o seu amor por Cristo, aceitando partilhar o seu sofrimento. Nessa película não tive a impressão de recitar: vivi-o. O Irmão Luc, que era um frade, não um sacerdote, estava presente, todo o tempo, e prestou-me o seu espírito para interpretar o papel. Guiava-me nas minhas palavras. Pouco antes de rodar a cena na qual jovem argelina me colocava questões sobre a vida e o amor, o director, Xavier Beauvois, disse-me que não estava contente com o texto e pediu-me que improvisasse. Então, dei liberdade há minha voz e as palavras chegaram sós... A vida exemplar do Irmão Luc ilustra perfeitamente esta frase da Bíblia: “Não há amor maior que o que dá a vida pelos seus amigos”. Este homem oferecido a sua vida a Deus, mas também a todos aqueles a quem ajudava diariamente. Luc amava os argelinos. Rejeitou deixar o mosteiro e chegou até o sacrifício...”.


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