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sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

A humanidade tem que opor-se ao aborto «como fez com a escravidão»: o filósofo López Quintás

Actualizado 4 de Fevereiro de 2014

Enrique Chuvieco / ReL 

O filósofo Alfonso López Quintás,
um dos pensadores espanhóis mais
respeitados, compara aborto com
escravidão
Alfonso López Quintás é catedrático emérito de Filosofia, filósofo veterano, membro de várias academias em Espanha e Europa, promotor da Escola de Pensamento e Criatividade (Epc-online.es) e autor de mais de 50 obras. Considera que quando se obscurecem as ideias numa determinada época necessita-se que alguém “dê a voz de alarme e defenda o que há que defender”, como ocorreu com a escravidão e actualmente com a vida humana desde o momento de nascer. Acaba de publicar com a editoria de livros electrónicos Digital Reasons, As sem razões do aborto.

- Ouvi-o dizer que o aborto nunca pode ser um direito, porquê?
- Porque os direitos humanos devem responder sempre ao fomento da vida e não a promover a morte. Não gosto da expressão “Cultura da morte”, porque com a morte não se promove nada; gosta de dizer “Cultura da vida” porque é para cultivar a vida.

Por exemplo, uma mulher tem um menino e tem direito a cuidá-lo, a pedir ajuda, a que a sociedade lhe ofereça possibilidades para educa-lo. Os direitos são sempre para algo positivo e, portanto, dizer “tenho direito ao aborto” é uma contradição “in términis”, porque é uma falha tremenda contra a lógica. Se soubéssemos pensar bem, todas estas questões cairiam pelo seu próprio peso.

Às vezes perguntam-me qual é o maior erro actual da humanidade, e respondo: o que não se sabe pensar. A isto não se põe remédio (e viajei por todo o mundo): não conheço nenhuma universidade que dedique um curso a aprender a pensar, dá-se por suposto que se pensa automaticamente, e não é assim.

- Que pensa da Lei do aborto que se está tramitando no Parlamento espanhol?
- Dito globalmente, é um bom intento frente ao disparate da última lei que concedia, sem apenas restrições, abortar às mulheres e com a qual as jovens de 16 anos podiam fazê-lo sem o conhecimento dos seus pais. Isso era um dislate, pois vai contra toda a lógica e contra os princípios de uma antropologia sã, tenha-se ou não fé. Esta lei põe freio a essa matança.

Se hoje nos espanta conhecer a existência da escravidão, os de amanhã dirão de nós com relação ao aborto: “Como eram tão loucos!”. Se está atacando muito esta Lei e o que há que fazer é aperfeiçoá-la.

[Sobre este tema, leia aqui, no ReL, 5 pontos comuns entre o aborto e a escravidão]

- Neste sentido, era previsível que os partidos de esquerda se opusessem à Lei, mas também a criticaram no próprio partido do Governo.
- Teria querido que os partidos de esquerda não se pusessem tão bravos a respeito desta Lei. Não entendo que se oponham a frear os 113.000 abortos do ano passado! Enquanto aos políticos do partido do Governo, creio que lhes dá medo defendê-la para não parecer de direitas; é o complexo de sempre.

Mas eu não louvaria os dirigentes do PP que se opõe à Lei. A defesa da vida tem que ser algo que esteja por cima dos interesses do partido! Durante muitíssimos anos fui catedrático de antropologia, sabia que as minhas afirmações em defesa da vida, dos autênticos direitos humanos, iam-me causar muitos prejuízos, mas isso vai na profissão. Nos tempos actuais, temos que ter ideias muito claras sobre as questões fundamentais e defendê-las a qualquer preço.

- Que lhe parece a contestação que houve também no Parlamento Europeu com relação à Lei Gallardón?
- Graças às actuações do Partido Popular Europeu e espanhol, com Mayor Oreja à frente, estão realizando uma grande tarefa neste sentido. Li também que o ministro Gallardón disse que iniciariam uma campanha por toda a Europa para promover a sensibilidade favorável à vida, o qual me parece fantástico. Quando se obscurecem numa época as ideias e os homens enlouquecemos, necessita-se que alguém dê a voz de alarme e de maneira positiva defenda o que há que defender, neste caso a vida. Gostaria que não se reduzissem este tipo de iniciativas unicamente a Espanha, dado que vivemos globalmente, pelo que deveríamos abordar estas questões no âmbito da União Europeia.

- Neste assunto, entraram em campanha de acosso e derrubo dos meios de comunicação contrários à Lei, era também uma questão previsível?
- Sempre que ouço que algo era previsível, rebelo-me porque há que seguir estranhando-se; não há que acostumar-se ao mal! Como amigo que sou da música, se um pianista comete um erro, rangem-me os dentes e muito mais se o faço eu. Na parte moral, deve ser igual.

Por ser um partido político ou um meio de comunicação de esquerdas não se pode defender algo se vai contra a verdade. Quer dizer, quando está por meio uma vida, se um determinado partido me leva a eliminar uma vida antes de nascer ou no seu declive, teria que sair do partido. Não podemos acostumar-nos ao que está mal e, além disso, é contraproducente.

- Estes factos dão a medida actual da mentalidade comum sobre a concepção da vida, qual foi o percurso entre os europeus para chegar a esta posição contrária à vida?
- Seria muito longo contar, mas por dizer um: o relativismo tremendo que existe. Eu tenho na minha biblioteca livros que expõe: “Eu sou dono dos meus valores” ou “o homem creia os valores”. Isto é terrível. O homem tem uma parte fundamental no conhecimento, configuração e realização dos valores, mas não os criamos nós.

Se contemplo o Pártenon na Grécia e nos perguntamos onde radica a sua beleza, um poderia dizer: “No Pártenon. Esse edifício de mármore branco que está na meseta da Acrópole”; outros diriam: “Não, está no sujeito que o contempla”, porque se não há sujeito que contemple a sua harmonia não surge a beleza. Os dois teriam razão, mas só em parte e, portanto, é falso o que dizem os dois! A beleza não está nem no sujeito nem no objecto: surge entre os dois! Quer dizer, é como uma eclosão, como quando se unem dois cabos e se produz a luz.

O relativismo é terrível porque tem parte de verdade. Por exemplo, não se iluminam os valores se não acolhe o ser humano os valores que lhe apelam a que os encarne na vida, mas daí a afirmar que somos os que decidimos, isso é o relativismo.

Porque dizem agora tantas mulheres: “Nós decidimos”? Não, não, vós não decidis; sois um sujeito fundamental activo na geração de um ser, que é uma das fontes da vossa dignidade, mas isso não significa que vós decidais, porque o ser humano que gerais e acolheis é distinto de vós.

Este percurso foi toda uma trajectória filosófica que durante muito tempo lhe foi dando mais protagonismo ao sujeito. Em princípio, está muito bem fazê-lo, porque o sujeito humano tem uma importância enorme em tudo o que seja vida física e espiritual, mas sempre tem que ser em diálogo com algo que nos vem dado. Um pode ser o maior pianista do mundo, mas não faz nada se não tem piano; e se tem piano, mas não tem partitura, tampouco seria nada. Um dia disse-me um pianista búlgaro que acaba de morrer: “Eu sem Bach não seria nada, mas Bach sem mim, tampouco!”. Fazem falta ambas as partes.

- Como gostaria que concluísse este tema tão sangrante do aborto?
- Esta discussão tem-nos que levar (e está ocorrendo) a uma clarificação maior nas ideias e, posteriormente, a optar pela defesa incondicional desse bem que é a vida humana. Quando estudamos o que é uma vida humana nascente, descobrimos que é realmente um prodígio. Os biólogos, inclusive os não crentes, dizem que só a aparição de uma célula é realmente um milagre. A humanidade tem que tomar conta disto, como o fez para dignificar a vida humana e opor-se à escravidão. Se isto se fizesse, estaríamos no bom caminho. Para isso quer colaborar também este meu livro, assim como vocês ao publicá-lo. Este seria um caminho fantástico para a humanidade.



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