Entrevista com Frei Paolo Martinelli por ocasião do "Festival franciscano", realizado em Rimini
Padova, 26 de Setembro de 2013
“Começar consigo; sem que a meta seja si mesmo; conhecer a
si, mas não se preocupar consigo mesmo.” São Francisco certamente não
leu O caminho do homem de Martin Buber (Qiqajon 1990), mas certamente
caminhou 'transcendendo' a si mesmo.
Lê-se no comunicado do Festival Franciscano 2013, elaborado entre
outros por frei Paolo Martinelli, capuchinho, presidente do Instituto de
espiritualidade franciscana na Faculdade Antonianum, em Roma.
MSA (Mensageiro de Santo António): O que significa caminhar para São Francisco?
Martinelli: Em sua experiência e na dos franciscanos, caminhar é um
sinal de itinerância, isto é, da vida como itinerário, com uma meta e um
destino: o mundo está passando, não é negativo, mas não é o objectivo
final. Para certas filosofias o universo em si é negativo, mas não é
assim em Francisco. Basta pensar no Cântico do Irmão Sol: a existência
terrena, mesmo marcada pelo pecado, é vontade de Deus.
Atravessar significa não parar?
Sim, não parar: a melhor forma para viver no mundo é atravessá-lo,
vivendo todas as circunstâncias com uma perspectiva final. O caminho é
sempre sentido como antecipação do sabor da meta, onde as coisas são
belas porque levam para outro lugar.
O objectivo, portanto, está além desta vida...
Definitivamente. A existência franciscana tem um valor escatológico,
isso não significa automaticamente a vida após a morte: o que vivemos
tem um significado que vai além do imediato.
O senhor mencionou a vida após a morte: muitas vezes é representada como fixo e imóvel. Nada a ver com o "caminhar" então...
Somos herdeiros de uma cultura que separou o elemento histórico do
sobrenatural, por isso, mesmo a vida após a morte é apresentada como
imponderável, estática e abstracta. Se fosse assim, também seria pouco
desejável... Em vez disso, os santos nos dão uma percepção de Deus
extremamente vital e vivo, portanto, o caminho que o homem percorre na
existência, de alguma forma antecipa a existência de Deus, que é vida em
si. Deus é a profundidade máxima de tudo que vivemos no mundo,
justamente porque é a origem e o destino. A ideia da Trindade, um Deus
que é comunhão, evento eterno de amor, tem uma radical atracão vital.
Cria o mundo como exuberância de vida, tal como a liberdade que
participamos.
Mesmo os cristãos são acusados de "estagnação ". Em qualquer
caminho de peregrinação, evidente que sim, os cristãos estão a
percorrer, mas também as pessoas que estão “em busca”, como se o cristão
não procurasse mais nada.
A realidade é, paradoxalmente, o oposto. Ter descoberto a resposta
oferecida por Deus sugere ainda mais a pergunta, mas não fecha a partida,
que é continuamente despertada pelo encontro com o Senhor. Santo
Agostinho compreendeu: a busca do homem em relação a Deus está
continuamente aberta, porque Ele é infinito, nunca se torna um
'conceito' para colocar no bolso.
O cartaz do Festival identifica três formas de caminhar: a do errante, a do turista e a do peregrino. Quais são as diferenças?
O errante não tem uma meta,o turista conhece a meta, mas não permite a
mudança da viagem. Somente o peregrino intercepta o trajecto do
desejo profundo, permanecendo fiel ao coração do homem. Nesta dimensão
antropológica comum a todos, o cristão acrescenta um elemento: a
peregrinação conta a verdadeira relação com Cristo, Aquele a quem deve
sempre seguir e reencontrar.
Como cultivar um espírito de peregrino na vida quotidiana?
Através da pobreza, que é guardião do espírito de itinerância. A
alternativa é deter-se em alguma coisa e criar uma meta falsa. Se nos
prendemos em coisas, esperando o que não podem nos dar, no final,o caminho
torna-se cheio de decepções.
in
Sem comentários:
Enviar um comentário