Mensagem do Santo Padre Francisco para o Dia Mundial do Migrante e do Refugiado 2014
Cidade do Vaticano, 24 de Setembro de 2013
Apresentamos a mensagem do Santo Padre Francisco para o dia mundial do migrante e do refugiado (2014).
“Migrantes e Refugiados: rumo a um mundo melhor”
Queridos irmãos e irmãs!
As nossas sociedades estão enfrentando, como nunca antes na história,
processos de interdependência mútua e interacção em um nível global,
que, mesmo incluindo elementos problemáticos ou negativos, se destinam a
melhorar as condições de vida da família humana, não só nos aspectos económicos, mas também nos aspectos políticos e culturais. Cada pessoa,
afinal, pertence à humanidade e partilha a esperança de um futuro melhor
com toda a família dos povos. A partir dessa constatação, nasce o tema
que escolhi para o Dia Mundial dos Migrantes e Refugiados deste ano: “Os
migrantes e refugiados: rumo a um mundo melhor”.
Entre os resultados das mudanças modernas, o fenómeno crescente da
mobilidade humana emerge como um “sinal dos tempos”, como o definiu o
Papa Bento XVI (cf. Mensagem para o Dia Mundial do migrante e do refugiado de 2006).
Se por um lado, as migrações muitas vezes denunciam fragilidades e
lacunas nos Estados e na Comunidade internacional, por outro, revelam a
aspiração da humanidade de viver a unidade, no respeito às diferenças;
de viver o acolhimento e a hospitalidade, que permitem a partilha
equitativa dos bens da terra; de viver a protecção e a promoção da
dignidade humana e da centralidade de cada ser humano.
Do ponto de vista cristão, como em outras realidades humanas também
nos fenómenos migratórios se observa a tensão entre a beleza da criação,
marcada pela Graça e pela Redenção, e o mistério do pecado. A
solidariedade e o acolhimento, os gestos fraternos e de compreensão, vêem-se contrapostos à rejeição, discriminação, aos tráficos de
exploração, de dor e de morte. Um motivo de preocupação são,
principalmente, as situações em que a migração não só é forçada, mas
também realizada através de várias modalidades de tráfico humano e de
escravidão. O “trabalho escravo” é hoje uma moeda corrente! No entanto,
apesar dos problemas, dos riscos e das dificuldades que devem ser
enfrentados, aquilo que anima muitos migrantes e refugiados é o binómio
confiança e esperança: eles trazem em seus corações o desejo de um
futuro melhor não só para si mesmos, mas também para as suas famílias e
para os entes queridos.
O que significa a criação de um “mundo melhor”? Esta expressão não se
refere ingenuamente a conceitos abstractos ou a realidades inatingíveis,
mas se dirige à busca de um desenvolvimento autêntico e integral, para
poder agir de tal modo que haja condições de vida digna para todos, para
que se encontrem respostas justas às necessidades dos indivíduos e das
famílias, para que seja respeitada, preservada e cultivada a criação que
Deus nos deu. O Venerável Papa Paulo VI descrevia com estas palavras as
aspirações dos homens de hoje: «ser liberado da pobreza, ter garantido
de um modo seguro o próprio sustento, a saúde, o emprego estável, ter
uma maior participação nas responsabilidades, fora de qualquer opressão e
ao protegido de condições que ofendem a dignidade humana; poder
desfrutar de uma educação melhor; em uma palavra, fazer conhecer e ter
mais, para ser mais "(Encíclica Populorum Progressio, 26 de Março de 1967, n. 6).
O nosso coração quer um “mais” que não seja simplesmente conhecer
mais ou ter mais, mas que seja essencialmente um ser mais. Não se pode
reduzir o desenvolvimento a um mero crescimento económico, alcançado,
muitas vezes, sem tem em conta os mais fracos e indefesos. O mundo só
pode melhorar se a atenção é dirigida, em primeiro lugar, à pessoa; se a
promoção da pessoa é integral, em todas as suas dimensões, inclusive a
espiritual; se não se deixa ninguém de lado, incluindo os pobres, os
doentes, os encarcerados, os necessitados, os estrangeiros (cf. Mt 25, 31-46); caso se passe de uma cultura do descartável para uma cultura do encontro e do acolhimento.
Os migrantes e refugiados não são peões no tabuleiro de xadrez da
humanidade. Trata-se de crianças, mulheres e homens que deixam ou são
forçados a abandonar suas casas por vários motivos, que compartilham o
mesmo desejo legítimo de conhecer, de ter, mas, acima de tudo, de ser
mais. É impressionante o número de pessoas que migram de um continente
para outro, bem como aqueles que se deslocam dentro de seus próprios
países e áreas geográficas. Os fluxos migratórios contemporâneos são o
maior movimento de pessoas, se não de povos, de todos os tempos. No
caminho, ao lado dos migrantes e refugiados, a Igreja se esforça para
compreender as causas que estão na origem das migrações, mas também se
esforça no trabalho para superar os efeitos negativos e aumentar os
impactos positivos nas comunidades de origem, de trânsito e de destino
dos fluxos migratórios.
Infelizmente, enquanto incentivamos o desenvolvimento em vista de um
mundo melhor, não podemos silenciar o escândalo da pobreza nas suas
várias dimensões. Violência, exploração, discriminação, marginalização,
abordagens restritivas às liberdades fundamentais, tanto para o
indivíduo quanto para grupos, são alguns dos principais elementos da
pobreza que devem ser superados. Muitas vezes, são justamente esses
aspectos que caracterizam os movimentos migratórios, ligando migração e
pobreza. Fugindo de situações de miséria ou de perseguição em vista de
melhores perspectivas ou para salvar a sua vida, milhões de pessoas
embarcam no caminho da migração e, enquanto esperam encontrar a
satisfação das expectativas, muitas vezes o que encontram é suspeita,
fechamento e exclusão; quando não são golpeados por outros infortúnios,
muitas vezes, mais graves e que ferem a sua dignidade humana.
A realidade das migrações, com as dimensões que assume na nossa época
de globalização, precisa ser tratada e gerida de uma maneira nova,
justa e eficaz, o que exige, acima de tudo, uma cooperação internacional
e um espírito de profunda solidariedade e compaixão. É importante a
colaboração em vários níveis, com a adopção unânime de instrumentos de
regulamentação para proteger e promover a pessoa humana. O Papa Bento
XVI nos traçou as coordenadas, afirmando que «esta política há de ser
desenvolvida a partir de uma estreita colaboração entre os países donde
partem os emigrantes e os países de chegada; há de ser acompanhada por
adequadas normativas internacionais capazes de harmonizar os diversos
sistemas legislativos, na perspectiva de salvaguardar as exigências e os
direitos das pessoas e das famílias emigradas e, ao mesmo tempo, os das
sociedades de chegada dos próprios emigrantes» (Carta Encíclica Caritas in veritate,
19 de Junho de 2009, 62). Trabalhar juntos por um mundo melhor requer a
ajuda mútua entre os países, com abertura e confiança, sem levantar
barreiras intransponíveis. Uma boa sinergia pode ser um incentivo para
os governantes enfrentarem os desequilíbrios socioeconómicos e uma
globalização sem regras, que se encontram entre as causas das migrações
em que as pessoas são mais vítimas do que protagonistas. Nenhum país
pode enfrentar sozinho as dificuldades associadas a esse fenómeno que,
sendo tão amplo, já afecta todos os Continentes com o seu duplo movimento
de imigração e emigração.
É também importante ressaltar como essa colaboração já começa com o
esforço que cada país deveria fazer para criar melhores condições económicas e sociais no seu próprio território, para que a emigração não
seja a única opção para aqueles que buscam a paz, a justiça, a
segurança e o pleno respeito da dignidade humana. Criar oportunidades de
emprego nas economias locais impediria, para além do mais, a separação
das famílias e garantiria condições de estabilidade e de serenidade para
os indivíduos e comunidades.
Finalmente, olhando para a realidade dos migrantes e refugiados, há
um terceiro elemento que eu gostaria de destacar neste caminho de
construção de um mundo melhor: a superação de preconceitos e de
pré-compreensões, ao considerar a migração. De fato, não é raro que a
chegada de migrantes, prófugos, requerentes de asilo e refugiados
desperte desconfiança e hostilidade nas populações locais. Surge o medo
que se produzam perturbações na segurança social, que se corra o risco
de perder a identidade e a cultura, que se alimente a concorrência no
mercado de trabalho ou, ainda, que se introduzam novos factores de
criminalidade. Os meios de comunicação social, neste campo, têm um papel
de grande responsabilidade: cabe a eles, de fato, desmascarar
estereótipos e fornecer informações corretas, o que significará
denunciar o erro de alguns, mas também descrever a honestidade, a rectidão e a magnanimidade da maioria. Para isso, é preciso que todos
mudem a atitude em relação aos migrantes e refugiados; é necessário
passar de uma atitude de defesa e de medo, de desinteresse ou de
marginalização - que, no final, corresponde precisamente à “cultura do
descartável” – para uma atitude que tem por base a “cultura do
encontro”, a única capaz de construir um mundo mais justo e fraterno, um
mundo melhor. Os meios de comunicação também são chamados a entrar
nesta “conversão de atitudes” e a incentivar esta mudança de
comportamento em relação aos imigrantes e refugiados.
Penso como também a Sagrada Família de Nazaré teve que viver a
experiência de rejeição no início do seu caminho: Maria «deu à luz o seu
filho primogénito, envolveu-o em faixas e deitou-o numa manjedoura,
porque não havia lugar na hospedaria» (Lc 2,7). Além disso,
Jesus, Maria e José experimentaram o que significa deixar sua terra
natal e ser migrantes: ameaçados pela sede de poder de Herodes, foram
forçados a fugir e buscar refúgio no Egito (cf. Mt 2,13-14).
Mas o coração materno de Maria e o coração zeloso de José, Protector da
Sagrada Família, sempre mantiveram a confiança de que Deus nunca
abandona. Pela intercessão deles possa ser sempre firme no coração do
migrante e do refugiado esta mesma certeza.
A Igreja, respondendo ao mandato de Cristo: «Ide e fazei discípulos
entre todos as nações», é chamada a ser o Povo de Deus que abraça todos
os povos, e leva a todos os povos o anúncio do Evangelho, pois no rosto
de cada pessoa está estampado o rosto de Cristo! Eis a raiz mais
profunda da dignidade do ser humano que deve ser sempre respeitada e
protegida. Não são os critérios de eficiência, produtividade, de classe
social, de pertença étnica ou religiosa que fundamentam a dignidade da
pessoa, mas sim o fato de ser criado à imagem e semelhança de Deus (cf.Gn 1,26-27),
e, ainda mais, o fato de ser filhos de Deus; todo ser humano é um filho
de Deus! Nele está impressa a imagem de Cristo! Trata-se, então, de o
vermos, nós, em primeiro lugar, e de ajudar os outros a verem no
migrante e no refugiado não só um problema para lidar, mas um irmão e
uma irmã a serem acolhidos, respeitados e amados; trata-se de uma
oportunidade que a Providência nos oferece para contribuir na construção
de uma sociedade mais justa, de uma democracia mais completa, de um
país mais inclusivo, de um mundo mais fraterno e de uma comunidade
cristã mais aberta, de acordo com o Evangelho. As migrações podem criar
possibilidades para a nova evangelização; abrir espaços para o
crescimento de uma nova humanidade, preanunciada no mistério pascal: uma
humanidade em que toda terra estrangeira é uma pátria, e em que toda
pátria é uma terra estrangeira.
Queridos migrantes e refugiados! Não percais a esperança de que
também a vós está reservado um futuro mais seguro; Que possais encontrar
em vossos caminhos uma mão estendida; que vos seja permitido
experimentar a solidariedade fraterna e o calor da amizade! Para todos
vós e para aqueles que dedicam suas vidas e suas energias ao vosso lado
eu prometo a minha oração e concedo de coração a minha Bênção
Apostólica.
in
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