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sábado, 21 de setembro de 2013

Entrevista ao Papa Francisco: A primeira reforma deve ser a das atitudes

Seis horas de colóquio com a Civiltá Cattolica. As reformas estruturais são secundárias, vêm depois. Se o tema é aborto e temas difíceis devem ser abordados num contexto. Ao rezar me pergunto: o que eu fiz, faço ou tenho que fazer por Cristo?


Roma, 20 de Setembro de 2013


O papa começou a dar-se conta de que corria o risco de ser eleito, na quarta-feira, dia 13 de Março, à hora do almoço, sentiu descer sobre ele uma profunda e inexplicável paz e consolação interior, juntamente com uma escuridão total e uma obscuridade profunda sobre tudo o mais. E estes sentimentos acompanharam-no até à eleição. Francisco, em uma entrevista concedida a Antonio Spadaro SJ, fala sobre si mesmo, sobre o seu sentir-se jesuíta, a Companhia, o governo da Igreja e as reformas, o homem, a oração... Seis horas de diálogo, nas quais pode-se falar um pouco mais sobre o Papa ‘vindo do fim do mundo’.

"Não me reconheci a mim mesmo quando no voo de regresso do Rio de Janeiro respondi aos jornalistas que me faziam perguntas", comenta o Papa ao director da revista Civiltà Cattolica, que começa com a primeira pergunta: quem é Jorge Mario Bergoglio?, ao que o Santo Padre responde: “Sim, posso talvez dizer que sou um pouco astuto, sei mover-me, mas é verdade que sou também um pouco ingénuo. Sim, mas a síntese melhor, aquela que me vem mais de dentro e que sinto mais verdadeira, é exactamente esta: “Sou um pecador para quem o Senhor olhou”. E repete: “Sou alguém que é olhado pelo Senhor. A minha divisa, Miserando atque eligendo, senti-a sempre como muito verdadeira para mim”.

Sobre a sua escolha por fazer-se jesuíta, Francisco responde que três coisas lhe impressionaram na Companhia: seu carácter missionário, a comunidade e a disciplina. E“Isto é curioso, porque eu sou um indisciplinado nato, nato, nato. Mas a sua disciplina, o modo de organizar o tempo, impressionaram-me muito”. Dessa forma destacada a vida de comunidade ele não se vê como um sacerdote sozinho, e reitera a sua decisão de morar na Santa Marta : "Preciso viver a minha vida com os outros”.

Falando sobre o que significa para um jesuíta ser papa, explica que “O discernimento é uma das coisas que Santo Inácio mais trabalhou interiormente. Para ele, é um instrumento de luta para conhecer melhor o Senhor e segui-l’O mais de perto". Sobre isso, acrescenta que “Muitos, por exemplo, pensam que as mudanças e as reformas podem acontecer em pouco tempo. Eu creio que será sempre necessário tempo para lançar as bases de uma mudança verdadeira e eficaz. E este é o tempo do discernimento”. Dessa mesma forma o pontífice destaca que as decisões que toma, até as da vida normal, como pode ser usar um carro modesto, estão ligadas a um discernimento espiritual e que “O discernimento no Senhor guia-me no meu modo de governar".

Fala também sobre a experiência de governo e sobre a experiência prévia que teve como superior na Companhia. “Na minha experiência de superior na Companhia, para dizer a verdade, nem sempre me comportei assim, ou seja, fazendo as necessárias consultas. E isso não foi uma boa coisa. O meu governo como jesuíta no início tinha muitos defeitos. Estávamos num tempo difícil para a Companhia: tinha desaparecido uma inteira geração de jesuítas. Por isto, vi-me nomeado Provincial ainda muito jovem. Tinha 36 anos: uma loucura. Era preciso enfrentar situações difíceis e eu tomava as decisões de modo brusco e individualista. Sim, devo acrescentar, no entanto, uma coisa: quando entrego uma coisa a uma pessoa, confio totalmente nessa pessoa. Terá que cometer um erro verdadeiramente grande para que eu a repreenda. Mas, apesar disto, as pessoas acabam por se cansar do autoritarismo. O meu modo autoritário e rápido de tomar decisões levou-me a ter sérios problemas e a ser acusado de ser ultraconservador. Vivi um tempo de grande crise interior quando estava em Córdova. Claro, não, não sou certamente como a Beata Imelda, mas nunca fui de direita. Foi o meu modo autoritário de tomar decisões que criou problemas".

O Papa fala disso e esclarece de forma sincera para dar a entender algo: "Digo estas coisas como uma experiência de vida e para ajudar a compreender quais são os perigos. Com o tempo aprendi muitas coisas. O Senhor permitiu esta pedagogia de governo, mesmo através dos meus defeitos e dos meus pecados".
E concretizando sobre o governo actual da Igreja acredita que consultar é muito importante: “Os Consistórios e os Sínodos são, por exemplo, lugares importantes para tornar verdadeira e activa esta consulta. É necessário torná-los, no entanto, menos rígidos na forma. Quero consultas reais, não formais".

E sobre o sentir da Igreja? O papa disse que "A imagem da Igreja de que gosto é a do povo santo e fiel de Deus", e acrescenta que “A pertença a um povo tem um forte valor teológico: Deus na história da salvação salvou um povo. Não existe plena identidade sem pertença a um povo. Ninguém se salva sozinho, como indivíduo isolado, mas Deus atrai-nos considerando a complexa trama de relações interpessoais que se realizam na comunidade humana. Deus entra nesta dinâmica do povo". Nesse ponto, fala da santidade quotidiana, “uma “classe média da santidade” da qual todos podemos fazer parte”.

A Igreja é fecunda, dever ser, disse o Papa. E reconhece que quando percebe comportamentos negativos em ministros da Igreja ou em consagrados ou consagradas, o primeiro que pensa é ‘um solteirão’, ou ‘uma solteirona’. “Não são nem pais, nem mães. Não são capazes de gerar vida. Pelo contrário, quando leio, por exemplo, a vida dos missionários salesianos que foram para a Patagónia, leio uma história de vida, de fecundidade", diz Francisco.

Sobre a Igreja que o papa sonha, diz: "Vejo com clareza — continua — que aquilo de que a Igreja mais precisa hoje é a capacidade de curar as feridas e de aquecer o coração dos fiéis, a proximidade. Vejo a Igreja como um hospital de campanha depois de uma batalha. É inútil perguntar a um ferido grave se tem o colesterol ou o açúcar altos. Devem curar-se as suas feridas. Depois podemos falar de tudo o resto. Curar as feridas, curar as feridas... E é necessário começar de baixo".

E continua: "Sonho com uma Igreja Mãe e Pastora. Os ministros da Igreja devem ser misericordiosos, tomar a seu cargo as pessoas, acompanhando-as como o bom samaritano que lava, limpa, levanta o seu próximo. Isto é Evangelho puro. Deus é maior que o pecado. As reformas organizativas e estruturais são secundárias, isto é, vêm depois. A primeira reforma deve ser a da atitude".

E discorre sobre esse conceito afirmando que "Devemos anunciar o Evangelho em todos os caminhos, pregando a boa nova do Reino e curando, também com a nossa pregação, todo o tipo de doença e de ferida". Francisco lembra que em Buenos Aires “recebia cartas de pessoas homossexuais, que são “feridos sociais”, porque me dizem que sentem como a Igreja sempre os condenou. Mas a Igreja não quer fazer isto. Durante o voo de regresso do Rio de Janeiro disse que se uma pessoa homossexual é de boa vontade e está à procura de Deus, eu não sou ninguém para julgá-la. Dizendo isso, eu disse aquilo que diz o Catecismo. A religião tem o direito de exprimir a própria opinião para serviço das pessoas, mas Deus, na criação, tornou-nos livres: a ingerência espiritual na vida pessoal não é possível. Uma vez uma pessoa, de modo provocatório, perguntou-me se aprovava a homossexualidade. Eu, então, respondi-lhe com uma outra pergunta: “Diz-me: Deus, quando olha para uma pessoa homossexual, aprova a sua existência com afecto ou rejeita-a, condenando-a?” É necessário sempre considerar a pessoa. Aqui entramos no mistério do homem. Na vida, Deus acompanha as pessoas e nós devemos acompanhá-las a partir da sua condição. É preciso acompanhar com misericórdia. Quando isto acontece, o Espírito Santo inspira o sacerdote a dizer a coisa mais apropriada".

Continua explicando que “Não podemos insistir somente sobre questões ligadas ao aborto, ao casamento homossexual e uso dos métodos contraceptivos. Isto não é possível. Eu não falei muito destas coisas e censuraram-me por isso. Mas quando se fala disto, é necessário falar num contexto. De resto, o parecer da Igreja é conhecido e eu sou filho da Igreja, mas não é necessário falar disso continuamente".

Outro ponto abordado na entrevista são as dicastérios romanas, em que Francisco disse que "Os dicastérios romanos estão ao serviço do Papa e dos bispos: devem ajudar tanto as Igrejas particulares como as Conferências Episcopais. São mecanismos de ajuda. Nalguns casos, quando não são bem entendidos, correm o risco, pelo contrário, de se tornarem organismos de censura. É impressionante ver as denúncias de falta de ortodoxia que chegam a Roma. Creio que os casos devem ser estudados pelas Conferências Episcopais locais, às quais pode chegar uma válida ajuda de Roma. De facto, os casos tratam-se melhor no local. Os dicastérios romanos são mediadores, nem intermediários nem gestores". E explica também que “Devemos caminhar juntos: as pessoas, os Bispos e o Papa. A sinodalidade vive-se a vários níveis. Talvez seja tempo de mudar a metodologia do sínodo, porque a actual parece-me estática. Isto poderá também ter valor ecuménico, especialmente com os nossos irmãos ortodoxos. Deles se pode aprender mais sobre o sentido da colegialidade episcopal e sobre a tradição da sinodalidade" .

O papel das mulheres na Igreja também foi uma questão abordada no voo papal do Rio de Janeiro, por isso o Papa recorda que "A Igreja não pode ser ela própria sem a mulher e o seu papel. A mulher, para Igreja, é imprescindível. Maria, uma mulher, é mais importante que os bispos. Digo isto, porque não se deve confundir a função com a dignidade. É necessário, pois, aprofundar melhor a figura da mulher na Igreja".

E voltando a um tema mais pessoal o papa fala sobre a sua forma preferida de oração : "E a oração é para mim uma oração “memoriosa”, cheia de memória, de recordações, também memória da minha história ou daquilo que o Senhor fez na sua Igreja ou numa paróquia particular. Para mim é a memória de que Santo Inácio fala na Primeira Semana dos Exercícios, no encontro misericordioso com Cristo Crucificado. E pergunto-me: “Que fiz por Cristo? Que faço por Cristo? Que farei por Cristo?"

Para ler a entrevista na íntegra clique aqui



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