Nunca falar do erro, mas procurar sempre o porquê: esta é a verdadeira novidade proposta por Francisco
Roma, 23 de Setembro de 2013
Alguns interpretaram errado as palavras do papa em sua
entrevista à Civiltà Cattolica e já saíram comentando que "o papa abre a
Igreja para isso e para aquilo", ou que "o papa não fala mais de
bioética". Errado. O papa fala de abraçar aqueles que erram. Mas com o
esforço de reconstrução de um "eu" do homem ocidental, destruído e
empobrecido, porque seria absurdo apontar o dedo quando o desastre está
dentro de nós.
Ele nos abre o coração para ressoarem palavras antigas e uma
urgência que já se propunha há tempos: menos leis e mais cultura que
fale ao coração. Temos que olhar primeiro para quem faz errar, em vez de
olhar para quem está errado. O papa chama essa cultura desastrosa, que
nos leva a cometer erros, de "cultura do descarte", e, como bom médico,
tenta curar a doença e não apenas os sintomas. Sintomas como a
exploração, o abandono, o aborto. A doença é a cultura do descarte, que
faz pensar que há pessoas que devem ser jogadas fora. E isso não é um
exagero: há filósofos modernos que argumentam que os bebés e as pessoas
com deficiência mental não são pessoas. E se há quem descarta alguém, é
porque é desse jeito que vive a sociedade ocidental.
O papa não foge das questões éticas: ele as contextualiza. "Não
podemos insistir só nas questões do aborto, do casamento gay e do uso de
anticoncepcionais. Isto não é possível. Eu não falei muito dessas
coisas, e fui repreendido por isso. Mas quando você fala, tem que ser
dentro do contexto". E ele dá o exemplo para todos: nunca falar do erro
como se fosse um simples fato de maldade que brota como um cogumelo, mas
procurar o porquê: há um porquê a ser combatido e há uma pessoa a ser
abraçada. Isto é contextualizar. Sem isso, temos uma pastoral
missionária "obcecada com a transmissão incoerente de uma multidão de
doutrinas impostas com insistência". Nada precisa ser desarticulado,
descontextualizado.
Voltando à cultura do descarte, registo aqui a satisfação de ver
premiada uma frase minha: “o principal não é a lei, mas a cultura”. Por
isso, escrevi alguns anos atrás o livro "A gravidez ecológica", em que,
juntamente com químicos e ecologistas, em vez de fazer julgamentos
éticos negativos sobre os assuntos, eu apontava o dedo para a cultura
ocidental, que gera esterilidade ao adiar a idade fecunda obrigatória e
ao dar como única solução a incompleta assistência médica. É por isso
que, há anos, eu tenho falado e escrito que o problema a resolver é a
"cultura do descarte", em que ninguém aceita a si mesmo nem as
diferenças.
Dessa cultura também falaram Zygmunt Bauman e muitos ecologistas: uma
cultura que produz descartes humanos e descartes urbanos. Escrevi no
Osservatore Romano em 3 de Fevereiro: "A sociedade do descarte consome e
joga fora, e faz o mesmo com as pessoas, tornando-se auto-destrutiva. E
na primeira era em que o homem produz descartes de forma irresponsável,
é significativo o alerta de Zygmunt Bauman: além do descarte urbano, a
sociedade do consumo produz também o descarte humano, assemelhados pela
suposta inutilidade. Sem respeito pela vida, não se ama o meio ambiente
nem o bem do homem, e sem um amor que inclua ambiente e escolhas sociais
em favor dos necessitados, a defesa da vida é aleijada. A escolha da
vida e a escolha do homem caminham de mãos dadas. Não por acaso, laicos e
crentes se uniram em diversas lutas contra a manipulação genética e
contra o patenteamento de seres vivos; uma união que poderia continuar
em muitas outras áreas da vida, da sua alvorada ao seu ocaso. Não é um
encontro impossível".
Da condenação da cultura que faz errar, nasce um abraço a todas as
periferias: a periferia de quem comete erros e precisa ser resgatado, a
de quem é marginalizado por causa da pobreza, mas também a de quem é
marginalizado porque resiste e não aceita descartar. A perseguição
acontece em nossas escolas, escritórios, hospitais, contra quem se opõe,
com as palavras e com os gestos, a um mundo que descarta. Primeiro a
cultura, depois as leis, diz o papa. Esta é a ordem lógica. Os primeiros
cristãos não começaram fazendo leis, mas fazendo comunidade, fazendo um
mundo novo. As leis foram a consequência óbvia.
Mas não se engane quem acha que o papa olha com bons olhos para aquilo que ele ainda sabe perdoar.
in
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