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domingo, 18 de abril de 2021

Vergonha de regressar

Por vezes gosto de pegar no “Caminho”, abrir numa página ao acaso, olhar e ver o que Nosso Senhor tem para me dizer. A minha mãe afirma que aqui entra já um pouco de superstição, mas, a verdade é que os pontos se aplicaram sempre à fase de vida que estava a atravessar.

Assim, hoje peguei no “Caminho”, abri numa página ocasionalmente e, ao olhar, vi o ponto 935: “Afastaste-te do caminho, e não voltavas por vergonha. - Era mais lógico que tivesses vergonha de não retificar”. Tenho que admitir: comovi-me um pouco. Se isto não é a minha história! Se isto não é a história de tantos cristãos!

Toda a minha vida tive uma formação católica boa e constante: ia à Missa aos Domingos, rezava o Terço em família todas as noites. Assisti à catequese desde novinha, fui a meditações e retiros espirituais. Rezava um pouco todos os dias, lá me ia confessando (mais ou menos regularmente) e amava a Deus. E era um Amor grande que Lhe tinha, um Amor firme e profundo! Era o que pensava, e acreditava mesmo nisso. Na verdade, amava a Deus sim, mas na minha própria conta e medida. Em 2018, fui para a faculdade estudar Enfermagem. Já não podia ir à capela de cada vez que punha os pés na Universidade, pois lá não há uma. Já não tinha o Sr. Padre ao lado para me confessar, de cada vez que achasse que fazia tempo. Tinha aulas à tarde, das 14h às 20:30h. A manhã era dedicada ao estudo (afinal de contas, estava na Faculdade) e quem é que tinha cabeça para rezar depois das nove? Deixei de ter círculos semanais e de ir ao Grupo de Jovens: não cabiam no meu horário apertado. E, por fim, lentamente e como quem não quer a coisa, deixei de me confessar. Pensava “Faz assim tanta diferença?”. Depois de pouca consideração, muita preguiça e pouco Amor, conclui que não. E assim estive, durante quase dois anos.

Ao início, foi um alívio “livrar-me” de Deus. Não ter que tirar tempo para rezar, não ter que correr para apanhar o Metro e ir aos círculos. Foi um alívio só rezar o Terço quando me apetecia e, assim, ter mais tempo para gastar no Instagram, para ler e para estudar. Mas sobretudo para gastar no Instagram. E foi um alívio enorme deixar de me confessar regularmente, não pensar nos meus pecados, não me esforçar por ser melhor. Julguei-me genuinamente mais livre e, por uns tempos, mais feliz.

Claro que foi sol de pouca dura. Um daqueles enganos fáceis de cair. A minha vida sem Deus não fazia sentido. Não era mais livre e feliz, muito pelo contrário: sentia-me vazia, triste. Quis voltar ao bom Caminho, mas tinha-me metido numa teia emaranhada e difícil de sair. Parecia que sempre que dava um passinho em frente, logo em seguida recuava outros dois e voltava ao ponto de partida. Sentia uma vergonha enorme das decisões que tinha tomado e um orgulho ainda maior que me impedia de procurar o perdão de Deus. Não conseguia (e ainda não consigo) regressar aos círculos: “Que ideia farão elas de mim?”. A minha oração era repleta de pedidos de desculpa repetidos e autocomiseração pela minha fraqueza. Pensava que era uma hipocrisia da minha parte regressar dois anos depois e recomeçar novamente, quase como se nada tivesse ocorrido.

Do ponto de vista humano, era uma hipocrisia. E, porventura, uma ferida sem hipóteses de regeneração. Mas aqui estou, dois anos depois, e Deus perdoou-me e perdoa-me sempre, uma e outra vez. Percorro um Caminho lento, com o que me parecem poucos avanços e muitos, muitos retrocessos. É um caminho de luta e um caminho de frustração, mas é, acima de tudo, um caminho de Felicidade imensa. Não deixemos que o pecado e a vergonha nos afastem deste Caminho. Deus ama-nos e perdoa-nos e ajuda-nos sempre. Só temos que O deixar.

Rosário Martins
estudante de Enfermagem


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