Palavra e Pão 102 XI Domingo do Tempo Comum
1 – Um amigo meu já aposentado, católico,
queixava-se de que tem dificuldade em participar nas celebrações onde lhe
parece que tudo se resume a palavras bonitas que se dizem… mas que, na maior
parte das vezes, não se cumprem. Alegrei-me quando o ouvia falar das boas obras
a que dedica o seu tempo, e pensei que neste corpo que é a Igreja nos
completamos uns aos outros exercendo os diferentes carismas que cada um recebe
do mesmo Espírito.
Mas lembrei-me também das palavras
de São Paulo que afirmam categoricamente a necessidade de professarmos a nossa
fé com a boca: com o coração se acredita
e com a boca se professa a fé (Rm 10,10). E estas perguntas voltaram a
surgir dentro de mim: de onde nos vem esta dificuldade de conjugar aquilo que o
nosso coração acredita com a profissão pública da fé e com a prática da vida
moral que lhe corresponde? Porquê as nossas formas de viver o cristianismo se dispensam
tão facilmente da Esperança, dessa virtude que cultivamos sobretudo na
celebração dos Sacramentos e, mais concretamente, no Sacramento da Eucaristia?
Porque será tão longínquo para nós o caminho entre o dizer e o fazer?
Eu, o Senhor, digo e faço! Escutaremos estas palavras na
conclusão da primeira leitura do próximo domingo.
Digo e faço! Não basta dizer! Uma fé que se diz pode ser apenas expressão
de que se aceita uma doutrina como suporte de uma ideologia e de ideais muito
belos, mas fora do nosso alcance. E bastará fazer? Que diferença existirá entre
as boas obras dos cristãos e as das outras pessoas? Vistas do lado de fora,
reconhecemos que vêm da mesma fonte. Mas são diferentes porque as obras dos
verdadeiros cristãos não são suas, são as obras de Jesus que têm a sua origem
no Pai e encaminham para Ele. Professar a fé é dizer publicamente que é em nome
do Senhor que agimos, e não em nosso próprio nome. Digo e faço! Não me contento com dizer, nem me enche as medidas o
fazer. Por isso, aprendo do Senhor a ligação que existe entre o dizer e o
fazer. Nas formas adultas de viver o cristianismo, por obra do Espírito Santo,
o dizer e o fazer dialogam, iluminam-se e acontecem.
2 – Vejamos como, no Evangelho
deste domingo, Jesus nos fala do Reino de Deus. Falava em parábolas às
multidões, preparando assim o terreno para a evangelização que os apóstolos
haviam de fazer. A Sua pregação tinha começado com a mesma frase já usada por
João Batista: o Reino de Deus está
próximo! Convertei-vos! Acreditai na Boa Nova! Mas o anúncio feito pelo
Senhor não se resume a umas palavras. Jesus é a Palavra feita carne. Com o Seu
sangue derramado na Cruz, Ele abriu para nós as portas do Reino de Deus.
Nesse texto do Evangelho segundo
São Marcos, Jesus compara o Reino de Deus à sementeira que um homem faz. A
semente que lançou à terra germina e
cresce, sem ele saber como. Sem nós sabermos como, caríssimos irmãos, a
seara que fazemos com a nossa pregação produz a planta que cresce e dá uma
espiga, e o trigo maduro na espiga. E, no momento oportuno, o dono daquela
seara entra novamente em ação, de foice em punho, para a ceifar e recolher os frutos.
Qual foi o trabalho daquele homem? Primeiro espalhou a semente na terra. Depois
ceifou e juntou as espigas para a debulha e guardou o trigo no seu celeiro. Todo
o resto, o germinar, o crescer e o frutificar, acontece sem ele saber como, pelo dinamismo próprio da semente. Sem ele saber como, poderá alguém
objetar, isso era antigamente! Agora estudam-se os terrenos a semear e
preparam-se e corrigem-se com adubos para otimizar a sementeira… agora
estudam-se as sementes e também se transformam, também se acompanha o seu
germinar, o seu crescer e o seu frutificar…e portanto estas palavras sem ele saber como, ainda que
verdadeiras, já não ficam bem na fotografia dos evangelizadores de hoje. Mas
também aqui devemos dar a Deus o que é de Deus. Para que haja seara e para que
se cumpra nela o desígnio de Deus, a nós compete semear e ceifar. O resto não é
da nossa conta.
3 – Mas que diferença pode existir
entre o bem praticado por um cristão e aquele que é obra de uma pessoa de boa
vontade? Que diferença poderemos encontrar, na prática, entre as obras da
solidariedade e as da Caridade? As obras da solidariedade são feitas por
qualquer pessoa de bom coração que se sente bem a ajudar o próximo. As obras de
Caridade, porque Deus é amor, são obras divinas realizadas por aqueles cuja
vida é animada pelo Espírito Santo, segundo as palavras de Jesus: quem acredita em Mim fará também as obras
que Eu faço, e fará obras maiores do que estas porque vou para o Pai. Quem
vive assim unido ao Senhor, como afirma São Paulo na segunda leitura, está
empenhado em ser-Lhe agradável em todas as circunstâncias da sua vida. Ou seja,
não vive para si mesmo nem procura o que lhe agrada porque está descentrado de
si mesmo, e vive a mesma vida do Filho de Deus amando, dando a sua vida, pelo
Espírito Santo.
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