Noticias recentes davam conta de um documento apresentado num congresso político em que se afirmava que a espécie humana é apenas uma entre outras espécies animais dignas de proteção. Os partidos animalistas vão ganhando cada vez mais adeptos em vários países. Das suas agendas constam propostas de promoção do bem-estar animal que poderão ser aceitáveis para além da ideologia que a elas possa estar subjacente. Mas importa considerar a ideologia que se reflete em afirmações como essa, como se fossemos «todos iguais, todos animais». Uma coisa é reconhecer deveres humanos de proteção dos animais, outra é reconhecer direitos aos animais, no mesmo plano em que se reconhecem direitos humanos. O chamado anti-especismo rejeita qualquer ideia de superior dignidade do ser humano em relação a outras espécies (essa superioridade seria expressão de especismo e este equiparável ao racismo e ao sexismo).
O animalismo é com frequência apresentado como um alargamento dos direitos merecedores de proteção, como se estivesse em causa apenas um regime mais benévolo e de extensão a outras espécies dos direitos reconhecidos aos seres humanos, sem quaisquer limitações destes. Não é assim, porém. Já tem sido defendido, com base nos princípios anti-especistas, que animais não humanos sejam mais merecedores de proteção do que seres humanos desprovidos de capacidades intelectuais (como embriões e fetos, crianças recém-nascidas, pessoas com deficiência ou dementes). Mas a dignidade da pessoa humana não depende dessas capacidades, depende da simples pertença à espécie humana, depende do ser e não do poder fazer, e não se perde com a doença ou a deficiência
Pretender equiparar em dignidade as várias espécies animais tem conduzido a propostas absurdas. Não é apenas a proibição de consumo de carne e peixe, é também a suposta obrigação de proteção de insetos e animais que representam perigo para a saúde humana, de respeito por zonas territoriais onde animais selvagens seriam soberanos, ou de proteção de animais contra agressões de outros, da mesma ou de outra espécie.
Nem todos se apercebem, verdadeiramente, do que está em jogo: trata-se da desconstrução de uma preciosa aquisição moral e civilizacional. Pretende-se anular o que «é próprio do ser humano» ( Le propre de l´homme é o título de um recente livro do filósofo francês Rémi Brague sobre esta questão, que ele encara na perspetiva de uma «legitimidade ameaçada»). A dignidade humana é a base de todo o edifício ético e jurídico dos direitos humanos e encontra apoio na visão bíblica do ser humano «criado à imagem e semelhanças de Deus» e na visão cristã da pessoa humana chamada a partilhar a vida do Deus uno e trino. A reflexão racional desde tempos imemoriais também tem reconhecido a especificidade do ser humano, além do mais como agente moral, sujeito de direitos, mas também vinculado a deveres. Por isso, os seres humanos reconhecem o dever moral de proteção de outras espécies animais, algo que não sucede com nenhuma dessas espécies.
Ignorar o que «é próprio do ser humano» não é enaltecer outras espécies, é rebaixar a espécie humana. É ignorar a dimensão espiritual específica do ser humano, reduzindo-o à sua dimensão material. Por muito que se vão conhecendo aspetos do comportamento de alguns animais que os aproximam dos seres humanos, mantém-se sempre uma especificidade que marca a diferença entre uns e outros, uma diferença ontológica, de qualidade e não apenas de grau. Não pode ser apagado ou desvalorizado o património de realizações especificamente humanas, como a religião, a arte, a filosofia ou a ciência. O animalismo não pode superar o humanismo. Não se pode deixar de falar em dignidade humana.
Pedro Vaz Patto
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