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sábado, 17 de abril de 2021

Estás a ouvir?

Penso que não conheço ninguém que tenha lido ‘O Principezinho’ e que não tenha gostado. Trata-se de um livro com muitos ensinamentos simples, mas muito profundos, que devemos aplicar no nosso dia-a-dia. Há alguns dias li um pequeno texto sobre um deles. “‘Estás a ouvir? perguntou o Principezinho. Acordámos o poço e ele pôs-se a cantar…’. Lembro-me muitas vezes desta pergunta do herói de Saint-Exupéry quando encontra um poço em pleno deserto. Não se espera que existam poços num deserto. Ele, porém, garante que ‘o que torna belo um deserto é que esconde um poço em algum lugar.’ A nossa vida também esconde um poço, mesmo se sentimos a aridez cobri-la com o seu fino manto de areia e desolação. Resmungamos com a vida. Falta-lhe alguma coisa, nunca nada é perfeito, nunca nada está acabado, nada está resolvido. É como se estivéssemos a jogar um jogo um jogo insolúvel: se temos o poço, falta-nos a corda; se temos a corda, falta-nos o balde; se temos a corda, o balde e o poço, falta-nos a força de ir até ao fundo da nascente buscar a água que nos dessedente. Não é um problema de conhecimento: é uma questão de olhar. Olharmos para o que somos e para o que nos rodeia com um coração agradecido, capaz de perceber o dom que nos habita. Se encostarmos o ouvido à extensão da nossa vida, ela canta!”

Este texto fez-me lembrar uma das orações mais arrebatadoras de todos os tempos, ‘Tarde Te amei!’, de Santo Agostinho. ‘Tarde Te amei, ó Beleza tão antiga e tão nova…Tarde Te amei! Trinta anos estive longe de Deus. Mas, durante esse tempo, algo se movia dentro do meu coração… Eu era inquieto, alguém que buscava a felicidade, buscava algo que não achava… Mas Tu Te compadeceste de mim e tudo mudou, porque Tu me deixaste conhecer-Te. Entrei no meu íntimo sob a Tua Guia e consegui, porque Tu Te fizeste meu auxílio. Tu estavas dentro de mim e eu fora… “Os homens saem para fazer passeios, a fim de admirar o alto dos montes, o ruído incessante dos mares, o belo e ininterrupto curso dos rios, os majestosos movimentos dos astros. E, no entanto, passam ao largo de si mesmos. Não se arriscam na aventura de um passeio interior”. Durante os anos de minha juventude, pus meu coração em coisas exteriores que só faziam me afastar cada vez mais d’Aquele a Quem meu coração, sem saber, desejava… Eis que estavas dentro e eu fora! Seguravam-me longe de Ti as coisas que não existiriam senão em Ti. Estavas comigo e não eu Contigo…’.

Terminei o meu pensamento concluindo que devemos pôr em prática o conselho que São Josemaria escreveu no ponto 267 do Caminho: ‘É preciso convencer-se de que Deus está junto de nós continuamente. - Vivemos como se o Senhor estivesse lá longe, onde brilham as estrelas, e não consideramos que também está sempre ao nosso lado.

E está como um Pai amoroso - quer mais a cada um de nós do que todas as mães do mundo podem querer a seus filhos -, ajudando-nos, inspirando-nos, abençoando... e perdoando.
Quantas vezes fizemos desanuviar o rosto de nossos pais dizendo-lhes, depois de uma travessura: Não volto a fazer mais! - Talvez naquele mesmo dia tenhamos tornado a cair... - E o nosso pai, com fingida dureza na voz, de cara séria, repreende-nos..., ao mesmo tempo que se enternece o seu coração, conhecedor da nossa fraqueza, pensando: - Pobre criatura, que esforços faz para se portar bem!

Necessário é que nos embebamos, que nos saturemos de que Pai e muito Pai nosso, o Senhor que está junto de nós e nos Céus.’ Este ponto lembra-nos que sejam quais forem as circunstâncias que estamos a viver, nunca estamos sozinhos e muitas vezes procuramos ‘respostas’ fora de nós em vez de as ouvirmos no nosso íntimo.

Maria Caetano Conceição
Lic. em Medicina Veterinária


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