Simão ainda não tinha dois anos e mal falava. Quando vinha a nossa casa, costumava estender o braço com a palma da mão voltada para cima, esticando e encolhendo os deditos repetidamente. Logo que lhe dizíamos que podia ir buscar a lata das bolachas, saía a correr e voltava com ela para que a abríssemos.
É certo que ele não falava, mas conseguia comunicar o seu desejo de comer bolachas. Nós “entendíamos” o seu pedido durante algum tempo, depois... “O que é que quer, água? Pão? O boneco? Se o Simão não diz, a tia não pode saber!” Pouco de tempo depois, a palavra chegou perfeita: “Bolacha”, e vinha acompanhada de mais palavras todas elas percetíveis: “Obrigado”, “Mais uma”, “Adeus”...
Logo que nascem, os bebés choram. É a sua primeira comunicação: “Estou aqui, saí para o mundo, estou vivo, cuidem-me!” É isto que os pais ouvem ao chegar aos seus ouvidos aquele primeiro vagido dos filhos. Souberam escutar, embora não soassem palavras.
A escuta é um modo de ouvir com atenção para compreender, primeiro, e atender, depois. Aquele que escuta presta atenção aos sons que ouve, às expressões do rosto, à postura corporal. Um sorriso pode suavizar uma palavra mais dura. Um gesto brusco leva azedume, mesmo que se ouça a palavra “Bonito serviço!”. A verdadeira escuta deve chegar à compreensão dos desejos ou sentimentos do outro. A escuta é um modo de ouvir em profundidade e, se o interlocutor é também capaz de escutar, pode tornar-se uma fonte de felicidade. A este modo de comunicar chamamos diálogo. No diálogo, fala-se e ouve-se. É bom não interromper o outro sob o risco de o magoar. Poderá pensar que não importa o que está a dizer ou, pior ainda, que não nos importamos com ele, com os seus gostos, os seus interesses... a sua saúde, as suas dificuldades.
A verdadeira escuta é dinâmica, leva à ação. Quem sabe escutar, compreende o outro nos seus sentimentos mais profundos e procura apresentar soluções. Para isso, a nossa mente deve estar aberta como a daquele pequenito de quatro anos que, ao ver o avô cair, exclamou aflito: “Ai, a minha rica perna do avô!”. Ou a de outro neto que viu o avô chorar no banco do jardim. Perguntou à mãe a razão e soube que essa tristeza se devia à morte da avó. Após um momento de reflexão, o miúdo encaminhou-se para o jardim: “Vou ajudar o avô a chorar”.
Se sabemos escutar, ajudamos os que sofrem a chorar, e evitamos também magoar qualquer pessoa. Escutamos para melhor servir cada pessoa e a sociedade em geral. Quem sabe escutar, entende o valor incomensurável de cada vida. Cada pessoa gerada será capaz de gerar, por sua vez, uma multidão de novas vidas em filhos, netos, bisnetos... por anos, séculos, milénios... tão numerosos como as estrelas do céu ou a areia das praias. Cada criança gerada tem direito a viver. Cada criança gerada é uma fonte de bem-estar e de riqueza para a sociedade. Cada criança gerada tem dois braços, duas pernas e um cérebro para servirem a humanidade. O aborto é e será sempre um atentado à vida; é impossível que alguns queiram que seja um direito humano como se lê no relatório Matic recentemente aprovado pelo Parlamento Europeu.
Será possível fazer-se algo para corrigir tais erros? São tantos os que nos levam ou se deixam levar por pessoas que nos impõem a maldade coletiva que se pode correr o risco de desanimar e deixar-se arrastar pela corrente de erros e opiniões desumanas.
Poderei eu, ou o leitor, melhorar esta “cultura de morte”? Se tivermos o valor de escutar as leis da natureza humana impostas pelo Criador, contribuiremos, para diminuir o sofrimento de muitas pessoas, colaborando com a nossa migalha para a felicidade do mundo. Queremos, temos vontade de aprender a escutar.
Isabel Vasco Costa
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