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terça-feira, 23 de fevereiro de 2021

Camões e a Mulher

O dia 6 de março foi adotado pelas Nações Unidas como o dia Internacional da Mulher, com a finalidade de lembrar as conquistas sociais, políticas e económicas das mulheres independentemente de divisões nacionais, étnicas, linguísticas, culturais, económicas ou políticas.

Na atualidade, o sentido original de evocar a luta das mulheres por melhores condições de trabalho, pela igualdade de salário e sobretudo pelo direito de voto foi-se diluindo, adquirindo frequentemente um caráter festivo e comercial, que já não tem nada a ver com as lutas das mulheres pelos seus direitos, ocorridas sobretudo durante a primeira metade do sec. XX, especialmente na Rússia, América e Inglaterra.  Ao pensar na forma de assinalar esta data, aqui no meu canto, fugindo aos lugares estafados, lembrei-me de falar de Camões e a Mulher. Conforme o cânone da estética literária do sec. XVI, a mulher é retratada como um modelo de harmonia e perfeição. É possuidora de cabelos loiros, ondeados fios de ouro reluzente, olhos gentis e claros, suaves e serenos, que competem com o sol em formosura e claridade, faces rosadas, colo de garça. Mas não é só a beleza física que cativa.

A mulher em Camões apresenta um espírito calmo de poder superior que o cativa e submete. Camões dirige-se lhe chamando-lhe Senhora, linda Dama, Presença moderada e graciosa. Estas mulheres idealizadas são as damas que frequentavam a corte tal como Camões. Mas há duas mulheres cantadas por ele que nada têm a ver com as damas da corte e que Camões retrata com a mesma sensibilidade, emoção, gentileza. Uma é uma escrava negra com quem Camões viveu na Índia e outra uma camponesa que Camões teria conhecido nos seus tempos de Coimbra.

Deixo aqui os dois poemas para que os leiam e os apreciem.



TROVAS A Bárbara Escrava


Aquela cativa                 Pretidão de amor

Que me tem cativo         Tão doce a figura

Porque nela vivo             Que a neve lhe jura

Já não quer que viva.      Que trocara a cor.

Eu nunca vi rosa             Lêda mansidão

Em suaves molhos          Que o siso acompanha;

Que para meus olhos      Bem parece estranha,

Fosse mais formosa.       Mas bárbara não.

…………………………………      …………………………………….

                 Descalça vai para a fonte

                 Lianor pela verdura

                 Vai descalça e não segura.

 

Leva na cabeça o pote            Descobre a touca a garganta/span>

O testo nas mãos de prata      Cabelos de ouro o trançado

Cinta de fina escarlata            Fita de cor de encarnado

Sainho de chamalote              Tão linda que o mundo espanta

Traz a vasquinha de cote,        Chove nela graça tanta,

Mais branca que a neve pura.  Que dá graça à formosura

Vai formosa e não segura.       Vai formosa e não segura.


Cecília Rezende



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