O dia 6 de março foi adotado pelas Nações Unidas como o dia Internacional da Mulher, com a finalidade de lembrar as conquistas sociais, políticas e económicas das mulheres independentemente de divisões nacionais, étnicas, linguísticas, culturais, económicas ou políticas.
Na atualidade, o sentido original de evocar a luta das mulheres por melhores condições de trabalho, pela igualdade de salário e sobretudo pelo direito de voto foi-se diluindo, adquirindo frequentemente um caráter festivo e comercial, que já não tem nada a ver com as lutas das mulheres pelos seus direitos, ocorridas sobretudo durante a primeira metade do sec. XX, especialmente na Rússia, América e Inglaterra. Ao pensar na forma de assinalar esta data, aqui no meu canto, fugindo aos lugares estafados, lembrei-me de falar de Camões e a Mulher. Conforme o cânone da estética literária do sec. XVI, a mulher é retratada como um modelo de harmonia e perfeição. É possuidora de cabelos loiros, ondeados fios de ouro reluzente, olhos gentis e claros, suaves e serenos, que competem com o sol em formosura e claridade, faces rosadas, colo de garça. Mas não é só a beleza física que cativa.
A mulher em Camões apresenta um espírito calmo de poder superior que o cativa e submete. Camões dirige-se lhe chamando-lhe Senhora, linda Dama, Presença moderada e graciosa. Estas mulheres idealizadas são as damas que frequentavam a corte tal como Camões. Mas há duas mulheres cantadas por ele que nada têm a ver com as damas da corte e que Camões retrata com a mesma sensibilidade, emoção, gentileza. Uma é uma escrava negra com quem Camões viveu na Índia e outra uma camponesa que Camões teria conhecido nos seus tempos de Coimbra.
Deixo aqui os dois poemas para que os leiam e os apreciem.
TROVAS A Bárbara Escrava
Aquela cativa Pretidão de amor
Que me tem cativo Tão doce a figura
Porque nela vivo Que a neve lhe jura
Já não quer que viva. Que trocara a cor.
Eu nunca vi rosa Lêda mansidão
Em suaves molhos Que o siso acompanha;
Que para meus olhos Bem parece estranha,
Fosse mais formosa. Mas bárbara não.
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Descalça vai para a fonte
Lianor pela verdura
Vai descalça e não segura.
Leva na cabeça o pote Descobre a touca a garganta/span>
O testo nas mãos de prata Cabelos de ouro o trançado
Cinta de fina escarlata Fita de cor de encarnado
Sainho de chamalote Tão linda que o mundo espanta
Traz a vasquinha de cote, Chove nela graça tanta,
Mais branca que a neve pura. Que dá graça à formosura
Vai formosa e não segura. Vai formosa e não segura.
Cecília Rezende |
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