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domingo, 7 de fevereiro de 2021

Cultura da morte

Temos na empresa um pequeno lago, habitado por tilápias e carpas e frequentado por gansos e patos. São patos de Rouen, mas não se metem a gansos. Eram dois machos e uma fêmea, que disputavam até que esta os deixasse. Agora andam sempre juntos. O lago tem um ladrão quadrado, com aresta de quase um metro, e uma tela para retenção de restos vegetais. Não é incomum que à noite durmam sobre a tela que cobre o ladrão. Quando repomos um pouco de água, removemos a tela. Os patos então acercam-se do ladrão e repousam na fieira de tijolos. Como quem perde o cachimbo na amurada de um navio, vez ou outra um pato desequilibra-se e cai no fosso com um metro de profundidade. Por vezes o segundo pato também acaba caindo. Tosca solidariedade? Sonsice? Acho que a sabedoria popular fornece uma pista: “caiu como um pato”. Se nadando são ágeis e voando são mágicos, caminhando os patos são uns desajeitados.

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Estou a concluir “O milagre da Igreja”, de A.D.Sertillange, obra que nos ajuda a entender por que a Igreja é e sempre será tão perseguida. A Igreja ensina os cristãos a lidar com os Césares, desde que estes não passem por cima de sua consciência. Perseguida por ardis terrenos, “aos vorazes, poderá ela abandonar algumas penas de suas asas; mas não interromperá o seu voo”.

Sertillange lembra que a Igreja é “eminentemente democrática quanto à definição e à apreciação dos seus valores sociais; canoniza os santos e não os chefes, os humildes virtuosos e não os fortes”. Por outro lado é aristocrática, pelos Bispos em suas dioceses, e monárquica em razão de Cristo e de seu vigário, o Papa. Sertillange arremata registrando que a Igreja pode, portanto, “dar modelos  de governo a todos os Estados, como lhes dita seus fins supremos”.

O belo período do Advento - em que ficamos a esperar pelo momento de celebrar o nascimento de nosso Salvador, em que recordamos a peregrinação de José e Maria até encontrarem abrigo num estábulo, em que imaginamos a santa manjedoura e o canto dos anjos,- será sucedido pela perseguição de Herodes e o exílio para o Egito.

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Recebi de Portugal, dias atrás, o texto “A nova estratégia mundial da cultura da morte”, preparado pela Regional Sul-1 da CNBB. Lamento que o desconhecesse e recomendo aos interessados que o busquem na rede mundial. Segundo o documento, a primeira grande estratégia da Cultura da Morte deu-se em 1952, por ocasião da criação do Conselho Populacional, por iniciativa de John Rockfeller III. Em 1990 ter-se-ia iniciado a segunda estratégia, quando a Fundação Ford criou a política mundial dos direitos sexuais e reprodutivos. Na terceira estratégia, o governo dos EUA foi convencido a colocar a questão populacional como assunto de segurança nacional e novos atores entraram em cena, como o Instituto Bill e Melinda Gates de População e Saúde Reprodutiva, em cooperação com a Universidade John Hopkins.

Os países cooptados comportam-se como patos abeirados do precipício moral. E têm caído, um a um. É cínica a técnica para convencimento, com eufemismos que  mutam  morte em “saúde da mulher”. O documento da CNBB indica farta documentação e reproduz trecho de carta enviada pelo International Consortium for Medical Abortion aos seus associados em 2012: “Há um consenso de que necessitamos um movimento internacional para desafiar a ameaça crescente que estamos presenciando por parte das forças conservadoras políticas e religiosas, que estão buscando atrasar o relógio, bloquear os esforços para implementar leis e disponibilizar serviços e excluir o aborto das iniciativas de redução da mortalidade materna e planejamento familiar”. A ousadia desta gente não tem limite: defender a vida é atrasar o relógio?

Segundo George Kennan, analista norte-americano do drama tcheco após a invasão nazista, em 1938, “um dos dilemas mais antigos e recalcitrantes da humanidade” consiste em escolher entre “uma colaboração limitada com o mal, visando a sua atenuação derradeira” e uma “resistência inflexível e heroica, mas suicida” (Inverno de Praga, de Madeleine Albright). Quem poderá exercer esta resistência inflexível e heroica sem morrer? Ora, a Igreja, porque é perpétua.

O pequenino nascido em Belém cumprirá seu tempo e nos levará à Páscoa. Terá cumprido sua missão e vencido a morte, mas alguns Herodes, travestidos de cientistas, por certo nos acompanharão até o fim dos tempos.

J. B. Teixeira

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