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sexta-feira, 15 de fevereiro de 2019

As Voltas que a Vida Dá

Há uns dias atrás tinha um encontro agendado para tomar café com alguém por quem não nutria uma grande empatia, face a pontos de vista muito diferentes, sobre determinado assunto. Senti que não constituía de todo uma tarefa fácil. Contudo, desejava tornar o mais ambiente leve, sem saber bem como agir. Na véspera tinha ouvido uma frase que muito me agradou, tendo-me concedido as forças necessárias: “Que nunca se azede o nosso coração”. De manhã quando saí de casa, vi esvoaçar uma linda pomba branca, que interpretei como um sinal de paz e de tranquilidade. Chegada ao café, procurei ser positiva e agradável, o que não constituía tarefa fácil. O ambiente foi melhorando. Quando saímos, a pessoa em questão pagou o seu café ao balcão. Quando fui pagar o meu, o funcionário, com um sorriso muito amável, referiu que não era necessário, que já estava tudo bem, não era necessário proceder ao pagamento, era uma oferta. Na verdade, quando me trouxe o café, olhei para o seu rosto, para agradecer, tendo-me parecido familiar, mas não quis ser indiscreta e questionar de onde o conhecia. Contudo, este gesto, teve um efeito positivo, reconfortou-me o coração, aumentou-me a autoestima. De onde quer que fosse que o conhecia, tinha sido benéfico, agora queria retribuir. A pessoa que me acompanhava também ficou surpreendida. Esta atitude de reconhecimento do funcionário ajudaria a quebrar o gelo. Foi mesmo muito bom este reforço positivo, uma ajuda do céu. Interiormente, referi: “Obrigada, perdão, ajuda mais”. Não sei se algum dia saberei em que circunstâncias, o terei conhecido, nem mesmo se os nossos caminhos se cruzarão novamente. Também não interessa. Importa sim, que contribuiu para harmonizar o ambiente.

Bem mais leve, regressei a casa. Ao abrir o email, fiquei surpreendida com uma notícia positiva, na qual me incentivavam a dar continuidade a um projeto há algum tempo iniciado, que se encontrava a “meio gás”, face a inúmeras dúvidas sobre a sua utilidade. É impressionante como uma palavra de estímulo, no momento certo, pode contribuir para ajudar a dissipar um estado de ânimo menos positivo.

Há algum tempo atrás tinha combinado encontrar-me com uma das minhas irmãs numa esplanada. Quando me encontrava a estacionar o carro, fui abordada por um senhor já de idade avançada que me chamou a atenção para a necessidade de encher um pneu. Disse que se encontrava ligado à indústria automóvel, tendo acrescentado que era “mecânico de ouvido”. Tinha a faculdade de através do barulho do carro identificar os problemas sentidos. Neste caso era visível. Agradeci reconhecidamente a observação, referindo que posteriormente iria tratar do assunto. Entretanto dirigi-me para a esplanada. A minha irmã ainda não tinha chegado. Sentei-me, pedi um café, e comecei a escrever. Alguém veio sentar-se na mesa ao lado. Quando levantei os olhos deparei-me com a minha irmã a chegar e que a pessoa da mesa ao lado era o “mecânico de ouvido”. Tinha trazido um livro a pedido da minha irmã. Entretanto o senhor perguntou-me se escrevia. Respondi afirmativamente, tendo ele respondido admirado: “Nunca conheci alguém que escrevesse!” Ficámos um pouco constrangidas, tendo resolvido oferecer-lhe o livro. O “mecânico de ouvido” aceitou reconhecido, contudo fez questão de pagar. Senti que queria falar, contar algo. O melhor mesmo era dedicar-lhe alguma atenção. E continuou: “Sabe, eu fui guardador de porcos”. Perante a nossa surpresa continuou: “Vivia no campo. Éramos muitos irmãos, e eu fui o único, que o meu pai mandou frequentar a escola primária, por ser mais velho. Concluí a quarta-classe (ensino obrigatório de então). A professora dizia que fazia umas redações muito bonitas e guardava-as. O meu pai, mandou-me então, guardar os porcos”. Nesta altura confesso que já estava interessada. E continuou: “Sentia que não era esse o meu projeto de vida. Apanhava todos os jornais que na estrada as pessoas deitavam fora. E lia as notícias, em particular as de Lisboa e sobretudo, as do ramo automóvel ligado à vertente agrícola. Aos 14 anos disse ao meu pai que ia para Lisboa. Anuiu, tendo referido: “que fosse uma pessoa honesta, fiel e cumpridora”. Cheguei a Lisboa para partilhar um quarto com uma tia. À terceira tentativa encontrei emprego num café. Comecei a estudar à noite. Mais tarde, arranjei colocação na área que tanto apreciava, ligada aos tratores agrícolas. Comecei como moço de recados, estafeta. Fui progredindo, já que reconheceram o meu trabalho e empenho. Daí vem o ser reconhecido enquanto “Mecânico de ouvido”. Anos mais tarde viria a ser o proprietário. Hoje, depois de muitas lutas e canseiras, encontro-me reformado. Tomo conta do património e da família. Ajudo ainda as pessoas que necessitam. Acabo de vir do hospital onde fui levar uma senhora sem família. Agradeço a Deus, todos os dias, pelo apoio que me concedeu ao longo da vida. Agradeci sensibilizada, tendo ficado reconhecida pela história que quis partilhar, talvez na esperança de que um dia a escrevesse. Enquanto exemplo de persistência, de trabalho, de fé, de honestidade, como o seu pai referiu e de quem tanto se orgulha pelos valores que lhe transmitiu. Termino assim, com este belo exemplo, este artigo denominado “As voltas que a vida dá”.  

Maria Helena Paes



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