Há uns dias atrás tinha um encontro
agendado para tomar café com alguém por quem não nutria uma grande empatia,
face a pontos de vista muito diferentes, sobre determinado assunto. Senti que
não constituía de todo uma tarefa fácil. Contudo, desejava tornar o mais ambiente
leve, sem saber bem como agir. Na véspera tinha ouvido uma frase que muito me
agradou, tendo-me concedido as forças necessárias: “Que nunca se azede o nosso
coração”. De manhã quando saí de casa, vi esvoaçar uma linda pomba branca, que
interpretei como um sinal de paz e de tranquilidade. Chegada ao café, procurei
ser positiva e agradável, o que não constituía tarefa fácil. O ambiente foi
melhorando. Quando saímos, a pessoa em questão pagou o seu café ao balcão.
Quando fui pagar o meu, o funcionário, com um sorriso muito amável, referiu que
não era necessário, que já estava tudo bem, não era necessário proceder ao
pagamento, era uma oferta. Na verdade, quando me trouxe o café, olhei para o
seu rosto, para agradecer, tendo-me parecido familiar, mas não quis ser
indiscreta e questionar de onde o conhecia. Contudo, este gesto, teve um efeito
positivo, reconfortou-me o coração, aumentou-me a autoestima. De onde quer que
fosse que o conhecia, tinha sido benéfico, agora queria retribuir. A pessoa que
me acompanhava também ficou surpreendida. Esta atitude de reconhecimento do
funcionário ajudaria a quebrar o gelo. Foi mesmo muito bom este reforço
positivo, uma ajuda do céu. Interiormente, referi: “Obrigada, perdão, ajuda
mais”. Não sei se algum dia saberei em que circunstâncias, o terei conhecido,
nem mesmo se os nossos caminhos se cruzarão novamente. Também não interessa.
Importa sim, que contribuiu para harmonizar o ambiente.
Bem mais leve, regressei a casa.
Ao abrir o email, fiquei surpreendida
com uma notícia positiva, na qual me incentivavam a dar continuidade a um
projeto há algum tempo iniciado, que se encontrava a “meio gás”, face a
inúmeras dúvidas sobre a sua utilidade. É impressionante como uma palavra de
estímulo, no momento certo, pode contribuir para ajudar a dissipar um estado de
ânimo menos positivo.
Há algum tempo atrás tinha combinado
encontrar-me com uma das minhas irmãs numa esplanada. Quando me encontrava a
estacionar o carro, fui abordada por um senhor já de idade avançada que me
chamou a atenção para a necessidade de encher um pneu. Disse que se encontrava
ligado à indústria automóvel, tendo acrescentado que era “mecânico de ouvido”.
Tinha a faculdade de através do barulho do carro identificar os problemas
sentidos. Neste caso era visível. Agradeci reconhecidamente a observação,
referindo que posteriormente iria tratar do assunto. Entretanto dirigi-me para
a esplanada. A minha irmã ainda não tinha chegado. Sentei-me, pedi um café, e
comecei a escrever. Alguém veio sentar-se na mesa ao lado. Quando levantei os
olhos deparei-me com a minha irmã a chegar e que a pessoa da mesa ao lado era o
“mecânico de ouvido”. Tinha trazido um livro a pedido da minha irmã. Entretanto
o senhor perguntou-me se escrevia. Respondi afirmativamente, tendo ele
respondido admirado: “Nunca conheci alguém que escrevesse!” Ficámos um pouco
constrangidas, tendo resolvido oferecer-lhe o livro. O “mecânico de ouvido”
aceitou reconhecido, contudo fez questão de pagar. Senti que queria falar,
contar algo. O melhor mesmo era dedicar-lhe alguma atenção. E continuou: “Sabe,
eu fui guardador de porcos”. Perante a nossa surpresa continuou: “Vivia no
campo. Éramos muitos irmãos, e eu fui o único, que o meu pai mandou frequentar
a escola primária, por ser mais velho. Concluí a quarta-classe (ensino
obrigatório de então). A professora dizia que fazia umas redações muito bonitas
e guardava-as. O meu pai, mandou-me então, guardar os porcos”. Nesta altura
confesso que já estava interessada. E continuou: “Sentia que não era esse o meu
projeto de vida. Apanhava todos os jornais que na estrada as pessoas deitavam
fora. E lia as notícias, em particular as de Lisboa e sobretudo, as do ramo
automóvel ligado à vertente agrícola. Aos 14 anos disse ao meu pai que ia para
Lisboa. Anuiu, tendo referido: “que fosse uma pessoa honesta, fiel e
cumpridora”. Cheguei a Lisboa para partilhar um quarto com uma tia. À terceira
tentativa encontrei emprego num café. Comecei a estudar à noite. Mais tarde,
arranjei colocação na área que tanto apreciava, ligada aos tratores agrícolas.
Comecei como moço de recados, estafeta. Fui progredindo, já que reconheceram o
meu trabalho e empenho. Daí vem o ser reconhecido enquanto “Mecânico de
ouvido”. Anos mais tarde viria a ser o proprietário. Hoje, depois de muitas
lutas e canseiras, encontro-me reformado. Tomo conta do património e da família.
Ajudo ainda as pessoas que necessitam. Acabo de vir do hospital onde fui levar
uma senhora sem família. Agradeço a Deus, todos os dias, pelo apoio que me
concedeu ao longo da vida. Agradeci sensibilizada, tendo ficado reconhecida
pela história que quis partilhar, talvez na esperança de que um dia a
escrevesse. Enquanto exemplo de persistência, de trabalho, de fé, de
honestidade, como o seu pai referiu e de quem tanto se orgulha pelos valores
que lhe transmitiu. Termino assim, com este belo exemplo, este artigo denominado
“As voltas que a vida dá”.
| Maria Helena Paes |

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