“Tal é o sonho de Deus para a sua
dilecta criatura: vê-la realizada na união de amor entre homem e mulher;
feliz no caminho comum, fecunda na doação recíproca”
Cidade do Vaticano,
04 de Outubro de 2015
Papa Francisco |
O Papa Francisco inaugurou neste domingo (4), a XVI Assembleia
Geral Ordinária do Sínodo, cujo tema é a família, com uma missa solene
na Basílica de São Pedro. A partir desta segunda-feira (5), os padres
sinodais vão debater “A vocação e a missão da família na Igreja e no
mundo contemporâneo”.
Apresentamos a seguir a íntegra da homilia pronunciada pelo Papa Francisco.
«Se nos amarmos uns aos outros, Deus permanece em nós e o seu amor chegou à perfeição em nós» (1 Jo 4, 12).
As Leituras bíblicas deste Domingo parecem escolhidas de propósito
para o evento de graça que a Igreja está a viver, ou seja, a Assembleia
Ordinária do Sínodo dos Bispos que tem por tema a família e é inaugurada
com esta celebração eucarística.
Aquelas estão centradas em três argumentos: o drama da solidão, o amor entre homem-mulher e a família.
A solidão
Como lemos na primeira Leitura, Adão vivia no Paraíso, impunha os
nomes às outras criaturas, exercendo um domínio que demonstra a sua
indiscutível e incomparável superioridade, e contudo sentia-se só,
porque «não encontrou auxiliar semelhante a ele» (Gn 2, 20) e sentia a
solidão.
A solidão, o drama que ainda hoje aflige muitos homens e mulheres.
Penso nos idosos abandonados até pelos seus entes queridos e pelos
próprios filhos; nos viúvos e nas viúvas; em tantos homens e mulheres,
deixados pela sua esposa e pelo seu marido; em muitas pessoas que se
sentem realmente sozinhas, não compreendidas nem escutadas; nos
migrantes e prófugos que escapam de guerras e perseguições; e em tantos
jovens vítimas da cultura do consumismo, do «usa e joga fora» e da
cultura do descarte.
Hoje vive-se o paradoxo dum mundo globalizado onde vemos tantas
habitações de luxo e arranha-céus, mas o calor da casa e da família é
cada vez menor; muitos projectos ambiciosos, mas pouco tempo para viver
aquilo que foi realizado; muitos meios sofisticados de diversão, mas há
um vazio cada vez mais profundo no coração; tantos prazeres, mas pouco
amor; tanta liberdade, mas pouca autonomia... Aumenta cada vez mais o
número das pessoas que se sentem sozinhas, e também daquelas que se
fecham no egoísmo, na melancolia, na violência destrutiva e na
escravidão do prazer e do deus-dinheiro.
Em certo sentido, hoje vivemos a mesma experiência de Adão: tanto
poder acompanhado por tanta solidão e vulnerabilidade; e ícone disso
mesmo é a família. Verifica-se cada vez menos seriedade em levar por
diante uma relação sólida e fecunda de amor: na saúde e na doença, na
riqueza e na pobreza, na boa e na má sorte. Cada vez mais o amor
duradouro, fiel, consciencioso, estável, fecundo é objecto de zombaria e
olhado como se fosse uma antiguidade. Parece que as sociedades mais
avançadas sejam precisamente aquelas que têm a taxa mais baixa de
natalidade e a taxa maior de abortos, de divórcios, de suicídios e de
poluição ambiental e social.
O amor entre homem e mulher
Ainda na primeira Leitura, lemos que o coração de Deus, ao ver a
solidão de Adão, ficou como que entristecido e disse: «Não é conveniente
que o homem esteja só; vou dar-lhe uma auxiliar semelhante a ele» (Gn
2, 18). Estas palavras demonstram que nada torna tão feliz o coração do
homem como um coração que lhe seja semelhante, lhe corresponda, o ame e
tire da solidão e de sentir-se só. Demonstram também que Deus não criou o
ser humano para viver na tristeza ou para estar sozinho, mas para a
felicidade, para partilhar o seu caminho com outra pessoa que lhe seja
complementar; para viver a experiência maravilhosa do amor, isto é, amar
e ser amado; e para ver o seu amor fecundo nos filhos, como diz o salmo
que foi proclamado hoje (cf. Sal 128).
Tal é o sonho de Deus para a sua dilecta criatura: vê-la realizada na
união de amor entre homem e mulher; feliz no caminho comum, fecunda na
doação recíproca. É o mesmo desígnio que Jesus, no Evangelho de hoje,
resume com estas palavras: «Desde o princípio da criação, Deus fê-los
homem e mulher. Por isso, o homem deixará seu pai e sua mãe para se unir
à sua mulher, e serão os dois um só. Portanto, já não são dois, mas um
só» (Mc 10, 6-8; cf. Gn 1, 27; 2, 24).
Jesus, perante a pergunta retórica que Lhe puseram (provavelmente
como uma cilada, para fazê-Lo sem mais aparecer odioso à multidão que O
seguia e que praticava o divórcio, como uma realidade consolidada e
intangível), responde de maneira franca e inesperada: leva tudo de volta
à origem, à origem da criação, para nos ensinar que Deus abençoa o amor
humano, é Ele que une os corações de um homem e de uma mulher que se
amam e liga-os na unidade e na indissolubilidade. Isto significa que o
objectivo da vida conjugal não é apenas viver juntos para sempre, mas
amar-se para sempre. Jesus restabelece assim a ordem originária e
originadora.
A família
«Pois bem. O que Deus uniu não o separe o homem» (Mc 10, 9). É uma
exortação aos crentes para superar toda a forma de individualismo e de
legalismo, que se esconde num egoísmo mesquinho e no medo de aderir ao
significado autêntico do casal e da sexualidade humana no projecto de
Deus.
Com efeito, só à luz da loucura da gratuidade do amor pascal de Jesus
é que aparecerá compreensível a loucura da gratuidade dum amor conjugal
único e usque ad mortem.
Para Deus, o matrimónio não é utopia da adolescência, mas um sonho
sem o qual a sua criatura estará condenada à solidão. De facto, o medo
de aderir a este projecto paralisa o coração humano.
Paradoxalmente, também o homem de hoje – que muitas vezes
ridiculariza este desígnio – continua atraído e fascinado por todo o
amor autêntico, por todo o amor sólido, por todo o amor fecundo, por
todo o amor fiel e perpétuo. Vemo-lo ir atrás dos amores temporários,
mas sonha com o amor autêntico; corre atrás dos prazeres carnais, mas
deseja a doação total.
De facto, «agora que provámos plenamente as promessas da liberdade
ilimitada, começamos de novo a compreender a expressão “a tristeza deste
mundo”. Os prazeres proibidos perderam o seu fascínio, logo que
deixaram de ser proibidos. Mesmo quando são levados ao extremo e
repetidos ao infinito, aparecem insípidos, porque são coisas finitas, e
nós, ao contrário, temos sede de infinito» (Joseph Ratzinger, Auf
Christus schauen. Einübung in Glaube, Hoffnung, Liebe, Friburgo 1989, p.
73).
Neste contexto social e matrimonial bastante difícil, a Igreja é
chamada a viver a sua missão na fidelidade, na verdade e na caridade. A
Igreja é chamada a viver a sua missão na fidelidade ao seu Mestre como
voz que grita no deserto, para defender o amor fiel e encorajar as
inúmeras famílias que vivem o seu matrimónio como um espaço onde se
manifesta o amor divino; para defender a sacralidade da vida, de toda a
vida; para defender a unidade e a indissolubilidade do vínculo conjugal
como sinal da graça de Deus e da capacidade que o homem tem de amar
seriamente.
A Igreja é chamada a viver a sua missão na verdade que não se altera
segundo as modas passageiras ou as opiniões dominantes. A verdade que
protege o homem e a humanidade das tentações da auto-referencialidade e
de transformar o amor fecundo em egoísmo estéril, a união fiel em
ligações temporárias. «Sem verdade, a caridade cai no sentimentalismo. O
amor torna-se um invólucro vazio, que se pode encher arbitrariamente. É
o risco fatal do amor numa cultura sem verdade» (Bento XVI, Enc.
Caritas in veritate, 3).
E a Igreja é chamada a viver a sua missão na caridade que não aponta o
dedo para julgar os outros, mas – fiel à sua natureza de mãe – sente-se
no dever de procurar e cuidar dos casais feridos com o óleo da
aceitação e da misericórdia; de ser «hospital de campanha», com as
portas abertas para acolher todo aquele que bate pedindo ajuda e apoio; e
mais, de sair do próprio redil ao encontro dos outros com amor
verdadeiro, para caminhar com a humanidade ferida, para a integrar e
conduzir à fonte de salvação.
Uma Igreja que ensina e defende os valores fundamentais, sem esquecer
que «o sábado foi feito para o homem e não o homem para o sábado» (Mc
2, 27); e sem esquecer que Jesus disse também: «Não são os que têm saúde
que precisam de médico, mas sim os enfermos. Eu não vim chamar os
justos, mas os pecadores» (Mc 2, 17). Uma Igreja que educa para o amor
autêntico, capaz de tirar da solidão, sem esquecer a sua missão de bom
samaritano da humanidade ferida.
Recordo São João Paulo II, quando dizia: «O erro e o mal devem sempre
ser condenados e combatidos; mas o homem que cai ou que erra deve ser
compreendido e amado. (...) Devemos amar o nosso tempo e ajudar o homem
do nosso tempo» [Discurso à Acção Católica Italiana, 30 de Dezembro de
1978: Insegnamenti (1978), 450]. E a Igreja deve procurá-lo, acolhê-lo e
acompanhá-lo, porque uma Igreja com as portas fechadas atraiçoa-se a si
mesma e à sua missão e, em vez de ser ponte, torna-se uma barreira: «De
facto, tanto o que santifica, como os que são santificados, provêm
todos de um só; razão pela qual não se envergonha de lhes chamar irmãos»
(Heb 2, 11).
Com este espírito, peçamos ao Senhor que nos acompanhe no Sínodo e
guie a sua Igreja pela intercessão da Bem-Aventurada Virgem Maria e de
São José, seu castíssimo esposo.
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(04 de Outubro de 2015) © Innovative Media Inc.
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