Padre Hans Zollner, membro da Comissão para a Protecção dos Menores, explica o empenho do organismo querido por Francisco e por que Bento XVI foi um herói na luta contra os abusos
Roma, 14 de Julho de 2014 (Zenit.org) Deborah Castellano Lubov
Um membro da Pontifícia Comissão para a Protecção dos Menores
desmentiu as acusações de alguns grupos de vítimas de abusos de que o
encontro do Papa Francisco, segunda-feira passada, com seis pessoas que
tinham sido abusadas sexualmente por membros do clero, tenha sido só um
“truque de relações públicas”. Trata-se do padre jesuíta Hans Zollner,
presente em dois dos encontros pessoais do Pontífice com as vítimas, que
concedeu a ZENIT a entrevista que publicamos abaixo.
Presidente da Comissão de Coordenação do Centro para a Protecção da
Infância do Instituto de Psicologia da Pontifícia Universidade
Gregoriana, padre Zollner não só compartilha os compromissos do Papa
Francisco no combate aos problemas de abusos, mas também explica que as
suas acções são colocadas em perfeita continuidade com o compromisso do
Papa Bento XVI sobre esta problemática. O Papa emérito era, de fato,
para o jesuíta e para todos aqueles cientes deste grave problema, um
verdadeiro “herói” da luta contra os abusos, que fez tudo o que podia
fazer para impedir que eles continuassem dentro da Igreja.
***
ZENIT: Você poderia descrever o seu papel na Pontifícia
Comissão para a Protecção dos Menores, instituída pelo Santo Padre? Que
tarefa deve desenvolver?
Pe. Zollner: No momento, todos nós, excepto o cardeal O'Malley, temos o
mesmo papel. O arcebispo de Boston é o coordenador do grupo, da
Comissão, dos outros sete membros, e dos trabalhos para a protecção dos
menores. Todos os outros sete são iguais. Estamos no processo para
acrescentar novos membros, como já pedimos ao Santo Padre, provenientes,
talvez, daqueles continentes que, no momento, não temos representantes,
como África, Ásia e Oceania. Trabalhamos bastante no domingo sobre
isso, para identificar uma lista de pessoas que poderiam ser convidadas.
Agora estamos esperando para ver quem vai ser nomeado. Quanto ao resto,
cada membro tem suas próprias habilidades e conhecimentos específicos.
Eu trabalho no Centro para a Protecção à Criança do Instituto de
Psicologia da Universidade Gregoriana: o fundamos para prevenir casos de
abusos nos quatro continentes. Portanto, eu posso oferecer a minha
experiência e os meus contactos de trabalho para o comité na linha da
educação e da prevenção.
ZENIT: Quais são, na sua opinião, os principais objectivos da Comissão?
Pe. Zollner: Há muitos objectivos que identificamos e que consideramos
uma prioridade para todos nós, para a própria Igreja. Um é que, em
linhas gerais, o nosso trabalho, as nossas comunicações e a nossa
presença aqui em Roma possam enviar um sinal para toda a Igreja e para a
sociedade que os abusos às crianças, aos filhos, aos adolescentes são
um problema sério em muitos países do mundo. Queremos sensibilizar a
opinião pública sobre este argumento para poder discuti-lo naqueles
lugares onde, até agora, não existe nenhuma atenção sobre estes temas.
Em muitos países, de facto, a situação é diferente dos EUA ou do Canadá,
onde esta discussão existe há 30 anos, ou na Irlanda há 20 anos.
Portanto, este é o primeiro argumento.
Outro objectivo é assumir uma consciência de como se deveria encontrar
as vítimas, como ajuda-las e dar-lhes uma voz para comunicar a dor, a
raiva, a solidão. O encontro do Santo Padre com as pessoas em Santa
Marta demonstrou como isso é importante. Além disso, é certamente uma
das nossas prioridades que o refrão "Victims First” seja realmente posto
em prática, que tenha efectivamente relevância e influência política,
para as atitudes e os comportamentos dos superiores religiosos e dos
bispos. Todos juntos temos identificado os objectivos que estão
relacionados com o comportamento dos funcionários da Igreja, assim como
todos aqueles objectivos que o cardeal Sean O'Malley expressou na conferência de imprensa no dia 3 de Maio, por exemplo, o que fazer para
esclarecer e definir os critérios de responsabilidade episcopal. Também é
muito importante que se fale da prevenção dos abusos e das perseguições
contra aqueles que abusaram.
ZENIT: Na sua opinião, qual é o principal objectivo da Comissão? E o maior obstáculo?
Pe. Zollner: Penso que a Comissão reúne desde já - e será ainda mais
quando tivermos todo o grupo - pessoas de diferentes áreas com grande
experiência, décadas de pesquisa em terapia, que procuram entender este fenómeno do abuso de menores em muitos aspectos e em muitos níveis.
Viemos de diferentes culturas, línguas, caminhos, diferentes figuras
profissionais e histórias de trabalho. Tudo isso contribui para uma
melhor compreensão da realidade dos abusos na Igreja. É interessante
discutir estas coisas, apesar de nem sempre concordarmos em todos os
pontos. O que eu aprecio é o facto de que todos nos sentimos no mesmo
barco, realmente, e que todos queremos trabalhar para trazer soluções
concretas, agora. Mesmo se uma mudança de atitude real vai levar muitos
anos, devemos começar agora. Vejo que as nossas conversas são francas,
abertas e cheias de esperança. É interessante ver a proveniência dos
outros, e qual passado esteja por trás das suas explicações, os seus
argumentos e as suas interpretações.
Os maiores obstáculos, é claro, serão não somente se e como estaremos
de acordo ou em desacordo, mas também as práticas, as coisas
logísticas: por exemplo, a maneira na qual nos comunicaremos e por que
meios. Isso se tornará um desafio ainda maior quando nos expandirmos
incluindo pessoas provenientes de outros lugares. É claro que vamos nos
conhecer pessoalmente, porque não se pode organizar tudo por e-mail ou
através da comunicação virtual. Além disso, teremos que ter alguns
sub-grupos que vão ser identificados com base em áreas ou situações
particulares. Estes grupos terão alguns objetivos definidos para
trabalhar juntos. Mas tudo será redigido e enviado para a própria
Comissão, que, em seguida, irá analisar e discutir esses argumentos, e
transmitirá as recomendações do Santo Padre.
ZENIT: Como você acha que o Santo Padre respondeu a esta
tragédia? Além disso, é possível comparar os seus esforços com o do Papa
Bento XVI, ou do Papa João Paulo II, pelo menos nos casos que vieram à
luz durante o seu pontificado?
Pe. Zollner: Acho que desde o início de seu pontificado ficou claro
que o Papa Francisco está bem ciente da extensão do problema e,
principalmente, do sofrimento das vítimas. Em sua primeira reunião com a
Congregação para a Doutrina da Fé, cerca de duas semanas depois de ter
sido eleito Papa, disse à congregação para continuar a trabalhar na
mesma linha que o seu antecessor tinha indicado. Depois se dirigiu à
multidão nas audiências públicas: acho que foi no início de maio do ano
de 2013, seis semanas após a sua eleição, quando se encontrou com um
grupo de pessoas que trabalham com as vítimas para evitar abusos aqui na
Itália. O Papa também recebeu a nós, do Centro de Protecção à Criança da
Universidade Gregoriana, e nos encorajou a continuar nossos esforços.
Portanto, houve sinais claros e muitas outras coisas.
Nesses dias, vimos tudo o que Francisco tentou fazer, em termos de
reforma financeira e de organização dos departamentos, da Cúria, e assim
por diante. Muitas vezes, ele falou dos pobres, fracos, refugiados,
denunciou o tráfico de seres humanos e a prostituição e pediu para
trabalhar duramente para curar as injustiças, os sofrimentos e o
desespero de muitos.
O Santo Padre está, sem dúvida, comprometido em enfrentar o problema
dos abusos na Igreja. Demonstrou-o claramente na sua própria homilia em
Santa, que era evidente que ele mesmo a escreveu. Existem afirmações
muito fortes naquela homilia. Já tinha mencionado algo aos jornalistas
no avião, quando voltava da Terra Santa, onde, em conferência de imprensa,
utilizou a mais forte das palavras desde o ponto de vista católico,
confrontando o abuso sexual a um abuso da Santa Eucaristia, ou seja, uma
missa negra, que em termos teológicos é umas das piores coisas que
possa existir. Realmente isso está na linha do que escreveu o Papa Bento
XVI, em particular na sua carta aos católicos na Irlanda do 2010. O
Papa confirmou a linha do seu predecessor também em termos de
implicações canónicas. E confirmou também a direcção da Congregação para a
Doutrina da Fé ao tratar com os autores dos abusos, quando disse na sua
homilia a todos os sacerdotes, incluindo bispos, serão perseguidos na
base de tal quadro canónico sem hesitação alguma. Tivemos evidência nas
últimas semanas, quando um arcebispo foi reduzido ao estado laical, ou
seja, foi demitido do estado clerical, a punição mais pesada que pode
ser aplicada à um membro do clero, especialmente a um arcebispo que foi
núncio.
Isto - repito - está em sintonia com a linha de acção seguida pelo
Papa Bento quando ele era prefeito da Congregação da Fé. Com o apoio do
Papa João Paulo II, o Cardeal Ratzinger, em 2002, por exemplo, convidou
todos os bispos dos Estados Unidos e estabeleceu a posição do Promotor
de Justiça dentro da Congregação para a Doutrina da Fé. O Papa emérito
deu muito poder para aquela posição ao perseguir os infractores na
Igreja. Promulgou leis mais duras e esclareceu de uma vez por todas, que
todos os sacerdotes e bispos devem cooperar com a justiça estatal de
acordo com a lei do estado, o direito penal e civil, em vigor no
respectivo País.
ZENIT: Como o senhor responde àqueles que dizem que Bento XVI
não se preocupava o suficiente por esta luta contra os abusos sexuais
durante o seu pontificado?
Pe. Zollner: É claro que eu não estou de acordo e diria que estas
pessoas realmente não têm ideia do que estava por detrás do que o
cardeal Ratzinger fez como prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé
e, em seguida, como Papa Bento XVI, tudo o que ele mobilizou. Posso
afirmar que foi realmente uma revolução em termos de organização e
tomada de responsabilidade. Ratzinger tirou da Congregação para o Clero a
responsabilidade de lidar com estes casos, e confiou à Congregação para
a Doutrina da Fé. Centralizou tudo, porque ele bem sabia, das coisas
que lia, que nas dioceses a nível local ou nacional, em quase todos os
países do mundo, havia (e ainda há) muito pouca competência em termos de
especialistas canónicos, capazes realmente de acompanhar os casos com
suficiente pessoal instalações e meios. Portanto, Bento XVI foi para mim
e para todos aqueles que conheciam esta questão um verdadeiro "herói"
na luta contra os abusos, que fez todo o possível para impedir que esses
crimes acontecessem ainda dentro da Igreja. (Trad.T.S.)
(14 de Julho de 2014) © Innovative Media Inc.
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