Premiado astrónomo jesuíta Frei Guy Consolmagno diz a ZENIT como e por que a religião e a ciência coexistem
Roma, 23 de Julho de 2014 (Zenit.org) Deborah Castellano Lubov
Os católicos precisam ser mais corajosos para mostrar que a
religião e a ciência coexistem diz o astrónomo papal que acaba de
receber um dos prémios mais prestigiados do mundo da ciência.
O jesuíta Guy Consolmagno, que foi homenageado na semana passada
com a Medalha Carl Sagan por sua "excepcional comunicação de um activo
cientista planetário"pela American Astronomical Society (AAS), conta a
ZENIT que a Igreja não se opõe à ciência e considera o maior equívoco
entre dois reinos.
Consolmagno é conhecido como "porta voz de uma combinação perfeita
entre a ciência planetária e a astronomia de um crente cristão" e uma
"pessoa racional que consegue mostrar aos crentes de modo excepcional
como a religião e a ciência podem coexistir".
Renomado escritor e apresentador do programa de rádio da BBC "A brief
history of the end of everything" ("Uma breve história sobre o fim de
tudo"), Guy Consolmagno é reconhecido ainda pelas numerosas conferências
realizadas na América do Norte e Europa, que ajudam a transmitir o
entusiasmo pelo método científico a um público mais amplo. Este ano, ele
fez uma apresentação na Universidade de Georgetown.
Consolmagno tornou-se jesuíta com quase 40 anos, depois de trabalhar
para o Harvard College Observatory, Instituto de Tecnologia de
Massachusetts, e Peace Corps. Ele credita que sua formação jesuítica lhe
permitiu falar sobre a fé mais abertamente.
O prémio será entregue na reunião anual da 46ª Divisão para as Ciências Planetárias em Tucson, no Arizona, em Novembro.
ZENIT: O senhor poderia falar um pouco sobre a sua vida, o seu
trabalho, e explicar por que foi premiado com a Medalha Carl Sagan?
Consolmagno: Eu sou de Detroit. Eu era um típico garoto baby boom,
comecei o jardim de infância quando o Sputnik subiu, assisti o
desembarque na lua no meu último ano de colégio. Meu amor pela
astronomia vem desde muito cedo, quando fui para a escola jesuíta em
Detroit, eu fiz as honras clássicas e escrevi para o jornal da escola. E
acabei no MIT com o máximo de interesse em ler (e escrever!) ficção
científica como na ciência. No entanto, descobri que fazer ciência era
mais fácil do que escrever sobre isso, e então eu fiz um doutorado em
astronomia planetária no Arizona e pós-doutorado em Harvard e no MIT.
Mas eu continuei me questionando: "Por que ciência, enquanto as
pessoas estão morrendo de fome no mundo?" - aqui a educação jesuíta
entra forte -. Então parei com a ciência e fui para o Peace Corps.
No Quénia as pessoas me mostraram por que estudamos ciência: a
curiosidade deles pela astronomia reacendeu meu amor pela ciência; e a
‘fome’ deles para saber mais sobre o universo me fez lembrar que não
vivemos só de pão.
Voltei para um emprego de professor, no Lafayette College, na
Pensilvânia, e gostei muito, por isso, decidi entrar para os jesuítas,
para ensinar em uma universidade jesuíta. Em vez disso, eles me enviaram
para o Observatório do Vaticano em Roma, onde, junto com a minha
ciência, eu também faço várias apresentações públicas e trabalhos
científicos. Então, meu antigo sonho de ser um escritor voltou depois de
tudo.
ZENIT: De acordo com você, como a Igreja pode mostrar que não se opõe à ciência?
Consolmagno: Não é o que "a Igreja" deve fazer como uma instituição;
apoiando-nos no Observatório, a Igreja já está fazendo sua parte. Agora
cabe a nós, católicos, que somos também cientistas, fazer a nossa parte.
Para começar, temos de ser corajosos o suficiente para falar em nossas
paróquias e em outros ambientes católicos, de dizer aos nossos irmãos
católicos (e cristãos) sobre como a ciência ou a engenharia nos aproxima
do Criador.
Eu descobri que não são os cientistas que precisam ouvir sobre
religião. Na verdade, a maioria dos cientistas está muito familiarizada
com a religião e a proporção de cientistas religiosos praticamente
coincide com a proporção de pessoas religiosas na comunidade onde vivem.
Mas muitas pessoas religiosas só vêem "cientistas de TV", que são uma
representação da ciência como os "pregadores de TV" são para as pessoas
religiosas. Eles precisam ver que a verdadeira ciência não é o reino de
ateus ou quase, tolos egoístas.
ZENIT: Você pode falar sobre como a religião e a ciência podem coexistir?
Consolmagno: O que nos faz, como seres humanos, diferente dos macacos
meramente inteligentes? A nossa capacidade de reflectir sobre nós
mesmos, o nosso ambiente, o nosso universo, e tomar decisões livres para
amar e querer isso ou aquilo. Intelecto e livre arbítrio são actividades
da alma; a ciência é o reino onde se manifestam.
E por que nós, como cientistas, estudamos ciência? Se é por fama e
glória, ou por dinheiro e poder, então, estamos reduzindo nós mesmos.
Mas, se é pelo simples prazer que sentimos quando vemos algo novo e belo
no universo, a alegria da descoberta, o sentimento de admiração ...
então eu afirmo que é o tipo de alegria que nos surpreende na presença
de Deus. Deus se manifesta nas coisas que Ele criou: não sou eu que
estou falando, mas é uma citação de São Paulo. (Carta aos Romanos)
ZENIT: Você incentivou cientistas católicos a não hesitar em
compartilhar o amor pela ciência com suas comunidades. O que exactamente
você quer dizer com isso? Você poderia explicar dando um exemplo
concreto?
Consolmagno: A paróquia é um óptimo lugar para começar. Um cientista
ou um engenheiro poderia trabalhar com programas para jovens ou clubes
como os Cavaleiros de Colombo, ensinando astronomia, criando um
telescópio no estacionamento da igreja; ou um clube de robô, falando
sobre as implicações da inteligência artificial. A paróquia é uma
oportunidade para ensinar; os cientistas devem aprender a compartilhar
sua paixão e alegria. Até mesmo uma pequena nota sobre a flora e fauna
local no boletim paroquial pode lembrar às pessoas que existem
cientistas em sua paróquia.
ZENIT: A sua educação jesuíta ajudou você a se sentir confortável
para discutir publicamente sobre a fé. Certo? Houve certos momentos que
você se sentiu desconfortável para fazer isso?
Consolmagno: Eu sempre tive orgulho de minha educação jesuíta. Além
do mais, acho que a reputação de jesuíta (que como a maioria das
reputações é exagerado!) abriu muitas portas para mim entre os meus
colegas cientistas. Nós somos conhecidos por sermos crentes que não têm
medo do mundo; abraçamos o universo, porque encontramos Deus em todas as
coisas.
ZENIT: Qual é o maior equívoco que contribui para a noção de que a
ciência e a religião não podem coexistir? E isso pode ser esclarecido de
alguma forma?
Consolmagno: A "eterna guerra entre ciência e religião" tornou-se um
daqueles "todo mundo sabe" factoide – como "Cristóvão Colombo provou que
o mundo era redondo" – e nós aprendemos quase por osmose quando
crianças, mas que é obviamente falso. Acho que a única maneira de
combater isso é dar muitos exemplos de cientistas de verdade, para que
as pessoas encontrem por si mesmas, ‘na carne’, argumentos que
contradigam a visão eternamente falsa do mundo que nós encontramos na TV
e na Internet.
(Trad.:MEM)
(23 de Julho de 2014) © Innovative Media Inc.
in
Sem comentários:
Enviar um comentário