No lançamento de seu livro, "Enamorado de Cristo": padre Raniero Cantalamessa descreve o verdadeiro São Francisco
Roma, 17 de Julho de 2014 (Zenit.org) Luca Marcolivio
Quem realmente foi São Francisco de Assis? Até que ponto o
santo padroeiro da Itália mudou a história da Igreja? É verdade que foi
um revolucionário, ou melhor, um defensor da radicalidade evangélica?
Por que é uma figura ainda tão relevante? Por que Jorge Mario Bergoglio
escolheu o seu nome no momento da eleição como Romano Pontífice?
Estas e outras questões são respondidas pelo Pe. Raniero
Cantalamessa em seu último livro “Enamorado de Cristo. O segredo de
Francisco", editado por Zenit Books e já à venda.
Em uma entrevista com ZENIT, o Pregador da Casa Pontifícia antecipou em
exclusiva o conteúdo da sua obra, que promete ser uma das mais
profundas sobre o santo mais amado do mundo.
***
ZENIT: Pe. Raniero, qual é o "segredo" de São Francisco?
Pe. Raniero: O segredo de Francisco de Assis não é uma ideia, mas uma
pessoa com um nome específico: "Jesus Cristo e, este, crucificado". Em
outras palavras, o seu segredo é um amor louco por Cristo. Acrescentar
outras explicações pode diluir a força deste núcleo incandescente da sua
personalidade.
ZENIT: Francisco não era nem um intelectual, nem um milagreiro: de onde nascem, portanto, seu carisma e sua popularidade?
Pe. Raniero: Sim, é incrível. Seu jovem seguidor, António de Pádua,
supera-o em milagres e curas e, em certo sentido, também em
popularidade. A popularidade de Francisco tem motivações mais complexas.
Toda a sua pessoa e o seu agir fazem dele uma das realizações humanas
mais talentosas e fascinantes, de acordo com os próprios psicólogos.
Quando perguntado pelo seu companheiro Frei Masseo: "Porque o mundo
inteiro está correndo atrás de você?", disse Francisco, um dia: "Porque
Deus não encontrou na terra um pecador mais vil do que eu." Ele era
sincero, mas não falava a verdade! Na verdade todo o mundo, a uma
distância de mais de oito séculos, ainda corre atrás de Francisco porque
vê nele aqueles valores que todos, crentes e não-crentes, secretamente,
aspiram: alegria, paz e fraternidade.
ZENIT: O que o levou a viver o Evangelho de forma tão radical?
Pe. Raniero: Voltamos ao tema do "segredo" de Francisco. O que o
levou a um discipulado radical do Evangelho era um amor radical pelo
autor do Evangelho. A radicalidade é a marca dos santos. Eles dão tudo,
não permitem nem sequer uma parada intermédia. Em Francisco, a
radicalidade tem também uma razão histórica: a constatação de como era
fácil diluir o Evangelho com o que ele chamava de "glosas", ou seja,
interpretações legalistas. Daí o seu clamor, por vezes violento: "Sem
glosa! Sem glosa!, ou seja, sem nenhum “distingo”.
ZENIT: De onde nasceu a sua capacidade de amar o sofrimento e de abraçar os pecadores?
Pe. Raniero: Em seu testamento, Francisco diz claramente: "O próprio
Senhor me conduziu entre eles". Era o amor por Jesus que o levava a ir
até os membros mais feridos do seu corpo. Há alguns que, do amor aos
pobres chegaram ao amor por Cristo (por exemplo, Simone Weil); há outros
que do amor por Jesus chegaram ao amor aos pobres. Francisco pertence a
este último.
ZENIT: Nos últimos tempos, alguns têm rotulado Francisco como
o "primeiro ecologista da história": não se trata, no entanto, de uma
definição anacrónica?
Pe. Raniero: Na verdade, Francisco fez e pregou o que hoje passa sob o
nome do ecologismo, mas o motivo do seu ambientalismo é diferente do de
hoje. Francisco via na criação a obra e o reflexo de Deus. A sua
relação com a criação era doxológica, não sociológica, ou seja, de
contemplação e glorificação, não utilitária. Os céus e a terra estavam
cheios, para ele como para a Bíblia, da glória de Deus, e ele sentia a
necessidade de cantar este louvor. Recuperar algo dessa atitude
religiosa beneficiaria imensamente o ambientalismo moderno, que, de
outro modo, perde uma das motivações mais fortes para que se respeite a
natureza. Ninguém tem desfrutado das criaturas - irmão Sol, irmã Lua,
mãe Terra, irmã água – mais do que ele que não queria possuir nenhuma
delas.
ZENIT: Quais foram as relações entre Francisco e o Islã, particularmente no contexto das Cruzadas? Essa mensagem ainda é atual?
Pe. Raniero: É bastante conhecido este episódio, narrado nas Fontes
Franciscanas e atestado por fontes contemporâneas (Tiago de Vitry) do
seu encontro pacífico com o sultão do Egipto durante a cruzada que
participou. Também deste ponto de vista Francisco permanece solitário na
história. Homem de paz, nunca criou polémica com ninguém, nem com os
hereges, nem com os sarracenos. Só queria mostrar a verdadeira face do
Evangelho e de Cristo. O fato de que São João Paulo II tenha escolhido
Assis como lugar do encontro das várias religiões foi um reconhecimento
desse papel pioneiro do Poverello (Pobrezinho n.d.t).
ZENIT: Por que o papa Bergoglio escolheu o nome do Santo de Assis?
Pe. Raniero: Sabemos a explicação que ele mesmo deu. No momento da
sua eleição um cardeal amigo, o brasileiro Cláudio Hummes, sussurrou em
seu ouvido: "Não se esqueça dos pobres", e ele, diz, imediatamente
pensou em Francisco de Assis. Estou convencido, porém, que aquele nome
lhe foi sugerido por Alguém ainda mais acima do cardeal. Em todo o caso,
é certo que não podia cair sobre ombros mais dignos para levá-lo. Os
fatos estão provando.
ZENIT: Que semelhanças existem entre a pobreza pregada pelo papa Francisco e a do santo padroeiro da Itália?
Pe. Raniero: É uma forma diferente de pobreza nos dois casos (como é
inevitável, vivendo em contextos e épocas diferentes), idêntico, porém, o
espírito de pobreza que se expressa em simplicidade e sobriedade de
vida pessoal e no amor para com os pobres. Acredito que Francisco de
Assis esteja bastante feliz no céu por estar tão bem representada na
terra, e, justo por aquele ao qual ele, em vida, se dirigia com infinito
respeito e devoção, chamando-o de "o sr. Papa". (Trad.T.S.)
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(17 de Julho de 2014) © Innovative Media Inc.
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