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sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

Comunicado do Capítulo Geral Extraordinário dos Legionários de Cristo sobre o caminho de renovação que estão percorrendo

Texto na íntegra e traduzido ao português


Roma, 06 de Fevereiro de 2014 (Zenit.org)


Acompanhe a seguir o comunicado que a Congregação dos Legionários de Cristo fez público hoje a respeito do caminho de irenovação que estão percorrendo.

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Comunicado do Capítulo Geral Extraordinário dos Legionários de Cristo sobre o caminho de renovação que estamos percorrendo

1. O Capítulo Geral Extraordinário, reunido em Roma sob a presidência do Delegado Pontifício, Card. Velasio De Paolis, emite este comunicado sobre o caminho de renovação que estamos percorrendo. Dirigimo-nos a todas as pessoas que seguiram com atenção os recentes acontecimentos em nossa congregação religiosa e especialmente aos nossos irmãos legionários de Cristo, leigos consagrados, as consagradas e aos demais membros e amigos do Movimento Regnum Christi. 

2. Esta é a primeira reunião do Capítulo Geral desde 2005. Sendo o Capítulo a mais alta autoridade interna que representa toda a congregação, vimos a necessidade de pronunciar-nos sobre os acontecimentos significativos dos últimos nove anos. Com isso, queremos definir de maneira conclusiva a postura da nossa congregação sobre os comportamentos do Pe. Marcial Maciel e seu papel de fundador em continuidade com as disposições da Santa Sé e com a anterior declaração de todos os superiores maiores da Legião de Cristo[1]. Além disso, oferecemos algumas reflexões iniciais sobre os pontos mais importantes do processo de renovação da nossa congregação. Durante as próximas semanas, nós, padres capitulares, continuaremos a análise dos diversos temas que devemos atender e daremos orientações ao novo governo da Legião para o caminho futuro.

3. Ao ponderar a gravidade do mal e o escândalo causado, nos vemos sob o olhar misericordioso de Deus que com a sua providência continua guiando nossos passos. Unindo-nos a Jesus Cristo, esperamos poder redimir nossa dolorosa história e vencer com o bem as consequências do mal. Só assim podemos encontrar sentido evangélico aos acontecimentos, e construir nosso futuro sobre os sólidos fundamentos da confiança em Deus, da fidelidade à Igreja e à verdade.

4. Desta perspectiva consideramos os comportamentos gravíssimos e objectivamente imorais do Pe. Maciel que mereceram as sanções que no seu momento a Congregação para a Doutrina da Fé justamente lhe impôs[2]. O nosso Fundador faleceu em 2008 e suplicamos para ele a misericórdia de Deus. Ao mesmo tempo queremos expressar nosso profundo pesar pelo abuso de seminaristas menores de idade, os actos imorais com homens e mulheres adultos, o uso arbitrário da sua autoridade e bens, consumo desmedido de medicamentos aditivos e o fato de apresentar escritos de terceiros como próprios. É incompreensível a incoerência de continuar se apresentado durante décadas como sacerdote e testemunha de fé enquanto ocultava essas condutas imorais. Reprovamos tudo isso firmemente. Dá-nos muita pena que muitas vítimas e pessoas afectadas esperaram em vão uma petição de perdão e reconciliação por parte do Pe. Maciel e hoje queremos fazê-la nós mesmos, expressando nossa solidariedade a todas elas.

5. Os padres capitulares escutamos como os superiores maiores da congregação foram conhecendo esses aspectos escondidos da vida do nosso fundador, como tentaram discernir a resposta que deveriam dar, tendo em conta as exigências éticas e morais, e como realizaram o processo de comunicação. Junto a eles, hoje reconhecemos com tristeza a incapacidade inicial de acreditar nos testemunhos das pessoas que foram vítimas do Pe. Maciel, o longo silêncio institucional e, mais adiante, as indecisões e erros de juízo na hora de informar os membros da congregação e as outras pessoas. Pedimos perdão por essas deficiências que aumentaram a dor e o desconcerto de muitos.

6. Devido a esses fatos e situações, nossa congregação religiosa poderia ter desaparecido se não tivesse nos acompanhado a misericórdia de Deus e o amparo maternal da Igreja, expressada através das decididas intervenções de Sua Santidade, o Papa Bento XVI. O Papa considerou que a Legião de Cristo, em termos gerais, era uma comunidade sã, mas que deveria fazer correcções[3]. A ajuda da Santa Sé foi imprescindível para descobrir como a personalidade e o modo de actuar do Pe. Maciel estava afectando a nossa congregação religiosa. De fato, a visita apostólica – realizada por mandato do Papa entre 2009 e 2010 – comprovou que “a conduta do Pe. Marcial Maciel, causou serias consequências na vida e estrutura da Legião, até o ponto de ser necessário um caminho de profunda revisão”[4]. Os visitadores destacaram sobre tudo três campos: a redefinição do carisma, o exercício da autoridade e a adequada formação[5]. O Papa quis “acompanhar, sustentar e orientar esse caminho” por meio de um delegado, “confiando-lhe o cargo de governar no meu [seu] nome tal instituto religioso durante o tempo que fosse necessário para completar o caminho de renovação e conduzi-lo à celebração de um Capítulo Geral Extraordinário que terá como principal fim realizar a revisão das Constituições”[6].

7. Os padres capitulares escutamos os informes do Delegado Pontifício e do nosso pró-Director Geral sobre o trabalho realizado nesses três anos e meio. Queremos compartilhar sinteticamente a análise de alguns aspectos relativos ao que a visita apostólica detectou e recomendou. Sabemos que este é o início do caminho e que ainda há muito por fazer. Estamos comprometidos a continuar com humildade esse processo de renovação e conversão.

a. No campo da revisão do nosso carisma[7], o delegado pontifício nos guiou em primeiro lugar a uma compreensão adequada do papel do Pe. Maciel e sua relação com a Legião. A congregação esclareceu no passado que não pode propor o Pe. Maciel como modelo, nem seus escritos pessoais como guia de vida espiritual[8]. Reconhecemos sua condição de fundador. Contudo, uma congregação religiosa e suas características essenciais não tem origem na pessoa do fundador; são um dom de Deus que a Igreja acolhe e aprova e que depois vive no instituto e nos seus membros.

Uma compreensão inadequada do conceito de Fundador, a exaltação excessiva e a visão acrítica da pessoa do Pe. Maciel, nos levou muitas vezes a dar um valor universal às suas indicações e a basear-nos exageradamente nelas. Por isso, na revisão das actuais constituições, uma das tarefas principais foi separar o que realmente expressa o património carismático da nossa Congregação de outros elementos acidentais. Além disso, asseguramos a conformidade de todo o nosso direito próprio com as normais universais da Igreja. Os três anos de processo de revisão foram semelhantes a um prolongado exame de consciência comunitário para descobrir e purificar o que em nosso comportamento pessoal e institucional, não era próprio da vida religiosa. Constatamos algumas tendências que ofuscaram a compreensão do nosso carisma, entre outras coisas, a falta de uma maior inserção na Igreja local e uma insistência desmedida no próprio esforço, na eficácia humana, no prestígio externo e no comprimento minucioso das normas. Tudo isso exige não só uma mudança de textos legislativos, senão uma conversão contínua da mente e coração.

Nesses anos chegamos a uma compreensão mais adequada da nossa inserção no Movimento Regnum Christi, a valorizar e a respeitar a vocação e a autonomia dos outros membros, especialmente dos homens e mulheres consagrados. Junto com eles começamos uma reflexão conjunta sobre o papel de cada ramo do Movimento, sobre o nosso carisma comum e sobre o modo de levar adiante o nosso apostolado. Os numerosos leigos do Regnum Christi são uma parte belíssima de nossa realidade eclesial e queremos fomentar ainda mais a comunhão e sustenta-la através do nosso ministério sacerdotal.

b. No exercício da autoridade, o acompanhamento do delegado pontifício foi uma lição contínua e eficaz para colocar em prática tudo o que a Igreja indica sobre o governo dos institutos de vida religiosa. Buscamos introduzir uma clara separação entre o âmbito da consciência (direcção espiritual e confissão), o fórum interno e o fórum externo (a guia do superior e a disciplina religiosa) para garantir melhor a liberdade e a intimidade de cada religioso. Com uma maior rotação de pessoas que ocupam diferentes postos de governo e com o acompanhamento no exercício da sua autoridade por parte de um conselho que se reúne periodicamente e analisa os assuntos mais importantes, tratamos de prevenir possíveis arbitrariedades e abusos. O Delegado Pontifício e alguns dos seus conselheiros pessoais participaram quase semanalmente nas reuniões do conselho geral e contribuíram com seus conhecimentos e experiência. Também se eliminou a fragmentação da autoridade, dada pela multiplicação exagerada de assistentes e auxiliares dos superiores e as competências que tinham designadas. Além disso, se instituíram consultas formais aos membros da congregação antes de realizar as nomeações de superiores e, frente a uma mudança de comunidade ou missão apostólica, se procura envolver o interessado para discernir melhor a vontade de Deus. Finalmente, graças à supressão de um dos votos particulares e às numerosas reuniões comunitárias para a revisão do texto constitucional, estamos aprendendo como compartilhar e debater livremente com os nossos irmãos, reflexões e sugestões sobre qualquer tema que abarque a vida e a missão da congregação.

c. Na formação dos nossos religiosos, se verificou sobre tudo a necessidade de melhorar o acompanhamento vocacional para que os noviços e religiosos amadureçam sua decisão pessoal diante de Deus antes de emitir sua profissão religiosa. Os informes mostraram que nesses últimos quatro anos não poucos sacerdotes e um grande número dos nossos irmãos deixaram a congregação. Em alguns casos, a causa foi o impacto negativo relacionado com as notícias sobre o fundador e o modo informa-las, mas também comprovamos carências no programa formativo e no nosso estilo de vida. Entre outras, devemos fomentar uma vivência mais profunda dos conselhos evangélicos, e o discernimento espiritual e a vida fraterna. A formação e a vida religiosa continuam sendo objeto de reflexão desse Capítulo e será uma das prioridades do próximo governo geral.

8. Nos primeiros dias do Capítulo escutamos também o informe das duas comissões que o delegado pontifício instituiu:

a. A “comissão de aproximação” atendeu as pessoas que solicitaram alguma acção por parte da Legião de Cristo por causa dos fatos que directa ou indirectamente estão relacionados com o Pe. Marcial Maciel. O presidente da comissão, Mons. Mario Marchesi, informou-nos sobre os 12 casos que se apresentaram. A comissão terminou o seu trabalho e nenhum caso da sua competência fica aberto. A congregação actuou em cada caso segundo a proposta da comissão. A escuta e a ajuda material às vítimas contribuiu – no humanamente possível – a aliviar suas feriadas e a fomentar a reconciliação.

Agradecemos a todos os legionários pelo seu esforço de se aproximar a outras pessoas também afectadas e por se encontrar pessoalmente com elas. Pedimos ao novo governo que mantenham esse compromisso de continuar procurando a reconciliação.

b. A “Comissão para o estudo e revisão da situação económica da Congregação dos Legionários de Cristo” tinha a finalidade de analisar a gestão económica e a situação financeira da congregação. O informe apresentado ao Capítulo por Mons. Mario Marchesi, membro da comissão, destaca que não se encontrou apropriação indevida de dinheiro ou outras irregularidades nos exercícios fiscais revisados.

O primeiro aspecto urgente a atender nesse campo é a redução da dívida bancária, resultada de vários factores: a expansão muito rápida das obras da congregação, a crise imobiliária mundial e a diminuição de doações. Em alguns países a dívida equivale a uma soma elevada, mas continua sendo manejável com as entradas e bens da congregação.

Por outro lado, a comissão destacou a necessidade (e isso será tarefa do próximo governo geral) de ajustar e simplificar a estrutura administrativa para fomentar a responsabilidade própria dos superiores territoriais e locais, ambos os ramos consagrados do Regnum Christi e os directores das obras de apostolado.

O Capítulo Geral, como autoridade suprema da congregação, também teve à sua disposição uma ampla e detalhada documentação preparada pelo administrador geral e o informe das auditorias internas e externas das operações financeiras da congregação no mundo todo.

9. As considerações de todos esses temas nos levaram a concluir que o caminho de uma “renovação autêntica e profunda”, confirmada pelo Papa Francisco[9], progrediu, mas ainda não terminou. Os acontecimentos desses anos marcarão a identidade e a vida da nossa congregação. À luz da providência divina, podemos acolhê-los, afrontá-los e transformá-los em um elo para uma nova etapa da nossa história. Nas próximas semanas das reuniões capitulares concluiremos a revisão das nossas constituições para submetê-las à aprovação da Santa Sé e estabeleceremos prioridades e orientações para seguir com uma esperança renovada o caminho que a Igreja nos marcou, sob o cuidado atento das autoridades competentes.

10. Concluímos essa mensagem com um agradecimento a Deus pelo seu amor misericordioso, à Igreja que nos guiou na pessoa do Sucessor de Pedro, à Sua Eminência o Cardeal Velasio De Paolis e aos seus quatro conselheiros pessoais, Sua Excelência Dom Brian Farrell LC, Pe. Gianfranco Ghirlanda SJ, Mons. Mario Marchesi e o Pe. Agostino Montan CSI, sua presença firme e respeitosa entre nós.

Ao mesmo tempo agradecemos a todos os Legionários de Cristo por seu testemunho de fé, de entrega e de caridade fraterna que nos une apesar das nossas diferenças. De modo especial, pensamos naqueles sacerdotes mais velhos que durante tantos anos nos ofereceram um exemplo de autenticidade e de entrega à missão. Não podemos “perder de vista que sua [nossa] vocação, nascida do chamado de Cristo e animada pelo ideal de dar testemunho do seu amor no mundo, é um autêntico dom de Deus, uma riqueza para a Igreja e o fundamento indestrutível sobre o qual construir seu futuro pessoal e da Legião”[10].

Finalmente agradecemos aos membros do Regnum Christi e a tantas pessoas que nos acompanharam durante esses anos com sua oração e caridade.

A todos aqueles nossos irmãos, religiosos e sacerdotes, que durante este período abandonaram a congregação, queremos expressar nosso pesar por já não tê-los entre nós. Pedimos-lhes sinceramente desculpa se não lhes escutamos e acompanhamos evangelicamente, e gostaríamos manter a amizade e o diálogo fraterno.

Queremos pedir perdão e reafirmar nosso esforço de reconciliação com todos os que de um modo ou de outro foram feridos pelos tristes eventos desses anos e por nossas deficiências.

Maria, Nossa Senhora das Dores, foi testemunha do poder redentor de Cristo que vence o mal e o pecado. Confiamos o nosso futuro a Ela, nossa Mãe, com muita esperança.

[tradução do original em espanhol]

(Este texto foi aprovado na reunião plenária do Capítulo Geral do dia 20 de Janeiro de 2014.)

[1] SUPERIORES MAIORES DA LEGIÃO DE CRISTO, Comunicado sobre as presentes circunstâncias da Legião de Cristo e do Movimento Regnum Christi, 25 de Março de 2010.  
[2] SALA DE IMPRESSA DA SANTA SÉ, Comunicado 19 de Maio de 2006.  
[3] CF. BENTO XVI, Luz del Mundo, Barcelona, 2010, pag. 51 (Edição espanhola).  
[4] SALA DE IMPRESSA DA SANTA SÉ, Comunicado 01 de Maio de 2010.  
[5] Cf. Ibid.  
[6] BENTO XVI, Carta de nomeação do Delegado Pontifício, 16 de Junho de 2010.  
[7] Cf. Ibid.  
[8] CF. SUPERIORES MAIORES DA LEGIÃO DE CRISTO, Comunicado sobre as presentes circunstâncias da Legião de Cristo e do Movimento Regnum Christi, 25 de março de 2010 e DIRETOR GERAL DA LEGIÃO DE CRISTO, decreto sobre critérios e disposições relacionados com a pessoa do Pe. Marcial Maciel, L.C., 06 de Dezembro de 2010.  
[9] FRANCISCO, Carta ao Cardeal Velasio De Paolis, 19 de Junho de 2013.  
[10] Exortação do Papa Bento XVI, cf. SALA DE IMPRENSA DA SANTA SÉ, Comunicado de 01 de Maio de 2010.

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