Texto na íntegra e traduzido ao português
Roma, 06 de Fevereiro de 2014 (Zenit.org)
Acompanhe a seguir o comunicado que a Congregação dos
Legionários de Cristo fez público hoje a respeito do caminho de
irenovação que estão percorrendo.
***
Comunicado do Capítulo Geral Extraordinário dos Legionários de Cristo sobre o caminho de renovação que estamos percorrendo
1. O Capítulo Geral Extraordinário, reunido em Roma sob a presidência
do Delegado Pontifício, Card. Velasio De Paolis, emite este comunicado
sobre o caminho de renovação que estamos percorrendo. Dirigimo-nos a
todas as pessoas que seguiram com atenção os recentes acontecimentos em
nossa congregação religiosa e especialmente aos nossos irmãos
legionários de Cristo, leigos consagrados, as consagradas e aos demais
membros e amigos do Movimento Regnum Christi.
2. Esta é a primeira reunião do Capítulo Geral desde 2005. Sendo o
Capítulo a mais alta autoridade interna que representa toda a
congregação, vimos a necessidade de pronunciar-nos sobre os
acontecimentos significativos dos últimos nove anos. Com isso, queremos
definir de maneira conclusiva a postura da nossa congregação sobre os
comportamentos do Pe. Marcial Maciel e seu papel de fundador em
continuidade com as disposições da Santa Sé e com a anterior declaração
de todos os superiores maiores da Legião de Cristo[1].
Além disso, oferecemos algumas reflexões iniciais sobre os pontos mais
importantes do processo de renovação da nossa congregação. Durante as
próximas semanas, nós, padres capitulares, continuaremos a análise dos
diversos temas que devemos atender e daremos orientações ao novo governo
da Legião para o caminho futuro.
3. Ao ponderar a gravidade do mal e o escândalo causado, nos vemos
sob o olhar misericordioso de Deus que com a sua providência continua
guiando nossos passos. Unindo-nos a Jesus Cristo, esperamos poder
redimir nossa dolorosa história e vencer com o bem as consequências do
mal. Só assim podemos encontrar sentido evangélico aos acontecimentos, e
construir nosso futuro sobre os sólidos fundamentos da confiança em
Deus, da fidelidade à Igreja e à verdade.
4. Desta perspectiva consideramos os comportamentos gravíssimos e objectivamente imorais do Pe. Maciel que mereceram as sanções que no seu
momento a Congregação para a Doutrina da Fé justamente lhe impôs[2].
O nosso Fundador faleceu em 2008 e suplicamos para ele a misericórdia
de Deus. Ao mesmo tempo queremos expressar nosso profundo pesar pelo
abuso de seminaristas menores de idade, os actos imorais com homens e
mulheres adultos, o uso arbitrário da sua autoridade e bens, consumo
desmedido de medicamentos aditivos e o fato de apresentar escritos de
terceiros como próprios. É incompreensível a incoerência de continuar se
apresentado durante décadas como sacerdote e testemunha de fé enquanto
ocultava essas condutas imorais. Reprovamos tudo isso firmemente. Dá-nos
muita pena que muitas vítimas e pessoas afectadas esperaram em vão uma
petição de perdão e reconciliação por parte do Pe. Maciel e hoje
queremos fazê-la nós mesmos, expressando nossa solidariedade a todas
elas.
5. Os padres capitulares escutamos como os superiores maiores da
congregação foram conhecendo esses aspectos escondidos da vida do nosso
fundador, como tentaram discernir a resposta que deveriam dar, tendo em
conta as exigências éticas e morais, e como realizaram o processo de
comunicação. Junto a eles, hoje reconhecemos com tristeza a incapacidade
inicial de acreditar nos testemunhos das pessoas que foram vítimas do
Pe. Maciel, o longo silêncio institucional e, mais adiante, as
indecisões e erros de juízo na hora de informar os membros da
congregação e as outras pessoas. Pedimos perdão por essas deficiências
que aumentaram a dor e o desconcerto de muitos.
6. Devido a esses fatos e situações, nossa congregação religiosa
poderia ter desaparecido se não tivesse nos acompanhado a misericórdia
de Deus e o amparo maternal da Igreja, expressada através das decididas
intervenções de Sua Santidade, o Papa Bento XVI. O Papa considerou que a
Legião de Cristo, em termos gerais, era uma comunidade sã, mas que
deveria fazer correcções[3].
A ajuda da Santa Sé foi imprescindível para descobrir como a
personalidade e o modo de actuar do Pe. Maciel estava afectando a nossa
congregação religiosa. De fato, a visita apostólica – realizada por
mandato do Papa entre 2009 e 2010 – comprovou que “a conduta do Pe.
Marcial Maciel, causou serias consequências na vida e estrutura da
Legião, até o ponto de ser necessário um caminho de profunda revisão”[4]. Os visitadores destacaram sobre tudo três campos: a redefinição do carisma, o exercício da autoridade e a adequada formação[5].
O Papa quis “acompanhar, sustentar e orientar esse caminho” por meio de
um delegado, “confiando-lhe o cargo de governar no meu [seu] nome tal
instituto religioso durante o tempo que fosse necessário para completar o
caminho de renovação e conduzi-lo à celebração de um Capítulo Geral
Extraordinário que terá como principal fim realizar a revisão das
Constituições”[6].
7. Os padres capitulares escutamos os informes do Delegado Pontifício
e do nosso pró-Director Geral sobre o trabalho realizado nesses três
anos e meio. Queremos compartilhar sinteticamente a análise de alguns
aspectos relativos ao que a visita apostólica detectou e recomendou.
Sabemos que este é o início do caminho e que ainda há muito por fazer.
Estamos comprometidos a continuar com humildade esse processo de
renovação e conversão.
a. No campo da revisão do nosso carisma[7],
o delegado pontifício nos guiou em primeiro lugar a uma compreensão
adequada do papel do Pe. Maciel e sua relação com a Legião. A
congregação esclareceu no passado que não pode propor o Pe. Maciel como
modelo, nem seus escritos pessoais como guia de vida espiritual[8].
Reconhecemos sua condição de fundador. Contudo, uma congregação
religiosa e suas características essenciais não tem origem na pessoa do
fundador; são um dom de Deus que a Igreja acolhe e aprova e que depois
vive no instituto e nos seus membros.
Uma compreensão inadequada do conceito de Fundador, a exaltação
excessiva e a visão acrítica da pessoa do Pe. Maciel, nos levou muitas
vezes a dar um valor universal às suas indicações e a basear-nos
exageradamente nelas. Por isso, na revisão das actuais constituições, uma
das tarefas principais foi separar o que realmente expressa o património carismático da nossa Congregação de outros elementos
acidentais. Além disso, asseguramos a conformidade de todo o nosso
direito próprio com as normais universais da Igreja. Os três anos de
processo de revisão foram semelhantes a um prolongado exame de
consciência comunitário para descobrir e purificar o que em nosso
comportamento pessoal e institucional, não era próprio da vida
religiosa. Constatamos algumas tendências que ofuscaram a compreensão do
nosso carisma, entre outras coisas, a falta de uma maior inserção na
Igreja local e uma insistência desmedida no próprio esforço, na eficácia
humana, no prestígio externo e no comprimento minucioso das normas.
Tudo isso exige não só uma mudança de textos legislativos, senão uma
conversão contínua da mente e coração.
Nesses anos chegamos a uma compreensão mais adequada da nossa inserção no Movimento Regnum Christi, a
valorizar e a respeitar a vocação e a autonomia dos outros membros,
especialmente dos homens e mulheres consagrados. Junto com eles
começamos uma reflexão conjunta sobre o papel de cada ramo do Movimento,
sobre o nosso carisma comum e sobre o modo de levar adiante o nosso
apostolado. Os numerosos leigos do Regnum Christi são uma parte
belíssima de nossa realidade eclesial e queremos fomentar ainda mais a
comunhão e sustenta-la através do nosso ministério sacerdotal.
b. No exercício da autoridade, o acompanhamento do
delegado pontifício foi uma lição contínua e eficaz para colocar em
prática tudo o que a Igreja indica sobre o governo dos institutos de
vida religiosa. Buscamos introduzir uma clara separação entre o âmbito
da consciência (direcção espiritual e confissão), o fórum interno e o
fórum externo (a guia do superior e a disciplina religiosa) para
garantir melhor a liberdade e a intimidade de cada religioso. Com uma
maior rotação de pessoas que ocupam diferentes postos de governo e com o
acompanhamento no exercício da sua autoridade por parte de um conselho
que se reúne periodicamente e analisa os assuntos mais importantes,
tratamos de prevenir possíveis arbitrariedades e abusos. O Delegado
Pontifício e alguns dos seus conselheiros pessoais participaram quase
semanalmente nas reuniões do conselho geral e contribuíram com seus
conhecimentos e experiência. Também se eliminou a fragmentação da
autoridade, dada pela multiplicação exagerada de assistentes e
auxiliares dos superiores e as competências que tinham designadas. Além
disso, se instituíram consultas formais aos membros da congregação antes
de realizar as nomeações de superiores e, frente a uma mudança de
comunidade ou missão apostólica, se procura envolver o interessado para
discernir melhor a vontade de Deus. Finalmente, graças à supressão de um
dos votos particulares e às numerosas reuniões comunitárias para a
revisão do texto constitucional, estamos aprendendo como compartilhar e
debater livremente com os nossos irmãos, reflexões e sugestões sobre
qualquer tema que abarque a vida e a missão da congregação.
c. Na formação dos nossos religiosos, se verificou
sobre tudo a necessidade de melhorar o acompanhamento vocacional para
que os noviços e religiosos amadureçam sua decisão pessoal diante de
Deus antes de emitir sua profissão religiosa. Os informes mostraram que
nesses últimos quatro anos não poucos sacerdotes e um grande número dos
nossos irmãos deixaram a congregação. Em alguns casos, a causa foi o
impacto negativo relacionado com as notícias sobre o fundador e o modo
informa-las, mas também comprovamos carências no programa formativo e no
nosso estilo de vida. Entre outras, devemos fomentar uma vivência mais
profunda dos conselhos evangélicos, e o discernimento espiritual e a
vida fraterna. A formação e a vida religiosa continuam sendo objeto de
reflexão desse Capítulo e será uma das prioridades do próximo governo
geral.
8. Nos primeiros dias do Capítulo escutamos também o informe das duas comissões que o delegado pontifício instituiu:
a. A “comissão de aproximação” atendeu as pessoas que solicitaram
alguma acção por parte da Legião de Cristo por causa dos fatos que directa
ou indirectamente estão relacionados com o Pe. Marcial Maciel. O
presidente da comissão, Mons. Mario Marchesi, informou-nos sobre os 12
casos que se apresentaram. A comissão terminou o seu trabalho e nenhum
caso da sua competência fica aberto. A congregação actuou em cada caso
segundo a proposta da comissão. A escuta e a ajuda material às vítimas
contribuiu – no humanamente possível – a aliviar suas feriadas e a
fomentar a reconciliação.
Agradecemos a todos os legionários pelo seu esforço de se aproximar a
outras pessoas também afectadas e por se encontrar pessoalmente com
elas. Pedimos ao novo governo que mantenham esse compromisso de
continuar procurando a reconciliação.
b. A “Comissão para o estudo e revisão da situação económica da
Congregação dos Legionários de Cristo” tinha a finalidade de analisar a
gestão económica e a situação financeira da congregação. O informe
apresentado ao Capítulo por Mons. Mario Marchesi, membro da comissão,
destaca que não se encontrou apropriação indevida de dinheiro ou outras
irregularidades nos exercícios fiscais revisados.
O primeiro aspecto urgente a atender nesse campo é a redução da
dívida bancária, resultada de vários factores: a expansão muito rápida
das obras da congregação, a crise imobiliária mundial e a diminuição de
doações. Em alguns países a dívida equivale a uma soma elevada, mas
continua sendo manejável com as entradas e bens da congregação.
Por outro lado, a comissão destacou a necessidade (e isso será
tarefa do próximo governo geral) de ajustar e simplificar a estrutura
administrativa para fomentar a responsabilidade própria dos superiores
territoriais e locais, ambos os ramos consagrados do Regnum Christi e os directores das obras de apostolado.
O Capítulo Geral, como autoridade suprema da congregação, também teve
à sua disposição uma ampla e detalhada documentação preparada pelo
administrador geral e o informe das auditorias internas e externas das
operações financeiras da congregação no mundo todo.
9. As considerações de todos esses temas nos levaram a concluir que o
caminho de uma “renovação autêntica e profunda”, confirmada pelo Papa
Francisco[9],
progrediu, mas ainda não terminou. Os acontecimentos desses anos
marcarão a identidade e a vida da nossa congregação. À luz da
providência divina, podemos acolhê-los, afrontá-los e transformá-los em
um elo para uma nova etapa da nossa história. Nas próximas semanas das
reuniões capitulares concluiremos a revisão das nossas constituições
para submetê-las à aprovação da Santa Sé e estabeleceremos prioridades e
orientações para seguir com uma esperança renovada o caminho que a
Igreja nos marcou, sob o cuidado atento das autoridades competentes.
10. Concluímos essa mensagem com um agradecimento a Deus pelo seu
amor misericordioso, à Igreja que nos guiou na pessoa do Sucessor de
Pedro, à Sua Eminência o Cardeal Velasio De Paolis e aos seus quatro
conselheiros pessoais, Sua Excelência Dom Brian Farrell LC, Pe.
Gianfranco Ghirlanda SJ, Mons. Mario Marchesi e o Pe. Agostino Montan
CSI, sua presença firme e respeitosa entre nós.
Ao mesmo tempo agradecemos a todos os Legionários de Cristo por seu
testemunho de fé, de entrega e de caridade fraterna que nos une apesar
das nossas diferenças. De modo especial, pensamos naqueles sacerdotes
mais velhos que durante tantos anos nos ofereceram um exemplo de
autenticidade e de entrega à missão. Não podemos “perder de vista que
sua [nossa] vocação, nascida do chamado de Cristo e animada pelo ideal
de dar testemunho do seu amor no mundo, é um autêntico dom de Deus, uma
riqueza para a Igreja e o fundamento indestrutível sobre o qual
construir seu futuro pessoal e da Legião”[10].
Finalmente agradecemos aos membros do Regnum Christi e a tantas pessoas que nos acompanharam durante esses anos com sua oração e caridade.
A todos aqueles nossos irmãos, religiosos e sacerdotes, que durante
este período abandonaram a congregação, queremos expressar nosso pesar
por já não tê-los entre nós. Pedimos-lhes sinceramente desculpa se não
lhes escutamos e acompanhamos evangelicamente, e gostaríamos manter a
amizade e o diálogo fraterno.
Queremos pedir perdão e reafirmar nosso esforço de reconciliação com
todos os que de um modo ou de outro foram feridos pelos tristes eventos
desses anos e por nossas deficiências.
Maria, Nossa Senhora das Dores, foi testemunha do poder redentor de
Cristo que vence o mal e o pecado. Confiamos o nosso futuro a Ela, nossa
Mãe, com muita esperança.
[tradução do original em espanhol]
(Este texto foi aprovado na reunião plenária do Capítulo Geral do dia 20 de Janeiro de 2014.)
[1] SUPERIORES MAIORES DA LEGIÃO DE CRISTO, Comunicado sobre as presentes circunstâncias da Legião de Cristo e do Movimento Regnum Christi, 25 de Março de 2010.
[2] SALA DE IMPRESSA DA SANTA SÉ, Comunicado 19 de Maio de 2006.
[3] CF. BENTO XVI, Luz del Mundo, Barcelona, 2010, pag. 51 (Edição espanhola).
[4] SALA DE IMPRESSA DA SANTA SÉ, Comunicado 01 de Maio de 2010.
[5] Cf. Ibid.
[6] BENTO XVI, Carta de nomeação do Delegado Pontifício, 16 de Junho de 2010.
[7] Cf. Ibid.
[8] CF. SUPERIORES MAIORES DA LEGIÃO DE CRISTO, Comunicado sobre as presentes circunstâncias da Legião de Cristo e do Movimento Regnum Christi, 25 de março de 2010 e DIRETOR GERAL DA LEGIÃO DE CRISTO, decreto sobre critérios e disposições relacionados com a pessoa do Pe. Marcial Maciel, L.C., 06 de Dezembro de 2010.
[9] FRANCISCO, Carta ao Cardeal Velasio De Paolis, 19 de Junho de 2013.
[10] Exortação do Papa Bento XVI, cf. SALA DE IMPRENSA DA SANTA SÉ, Comunicado de 01 de Maio de 2010.
(06 de Fevereiro de 2014) © Innovative Media Inc.
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