Última pregação do advento: pe. Cantalamessa analisa a humildade da encarnação a partir do ponto de vista do Pobrezinho de Assis e nos convida a "amar, socorrer e evangelizar" os pobres
Roma, 20 de Dezembro de 2013
Terceira e última pregação do advento, feita pelo pe. Raniero Cantalamessa.
Depois de abordar a figura de São Francisco e de explicar como a
Igreja inteira foi reformada graças àquele humilde frade, o pregador da
Casa Pontifícia agora analisa o mistério do Natal, daquele "pobre Rei
recém-nascido" encarnado na pequena cidade de Belém.
O capuchinho lembrou ainda a tradição do presépio, criado pelo Santo
de Assis na cidade de Greccio, e salientou que ele "nos ajuda a integrar
a visão ontológica da encarnação com a visão mais existencial e
religiosa".
"Não importa apenas saber que Deus se fez homem", disse Cantalamessa,
mas também "saber que tipo de homem ele se fez". Entre São João e São
Paulo já se percebem perspectivas diferentes, embora complementares, do
evento da encarnação. Para João, "o Verbo se fez carne"; para Paulo,
"Cristo, sendo rico, se fez pobre". São Francisco "se alinha com São
Paulo", porque, “mais do que na realidade ontológica da humanidade de
Cristo, ele insiste, até a comoção, na humildade e na pobreza dela”.
Segundo as fontes, "a humildade da encarnação e a caridade da paixão"
tinham o poder de levar o santo de Assis até as lágrimas. Uma vez, um
frade lhe recordou, durante almoço, da pobreza e da indigência da Virgem
Maria e do seu Filho. São Francisco imediatamente se levantou da mesa,
explodiu em soluços de dor e, com as lágrimas lhe escorrendo pelo rosto,
comeu o resto do pão sobre a terra nua. "O santo padroeiro da Itália
devolveu ‘carne e sangue’ aos mistérios do cristianismo, tantas vezes
‘desencarnados’ e reduzidos a conceitos e silogismos". A sua distinção
"entre o fato da encarnação e o modo da encarnação", disse o pregador da
Casa Pontifícia, "lança luz sobre o problema actual da pobreza e da
postura dos cristãos perante ela".
Em sua encarnação, Cristo "assumiu, de forma muito especial, o pobre,
o humilde, o sofredor, a ponto de se identificar com eles". No pobre há
uma presença "real" de Cristo, não, é claro, como na Eucaristia, mas do
jeito que Jesus disse: "Aquele certo alguém necessitado de um pouco de
pão, aquele idoso que morria enrijecido de frio na calçada, era eu".
Cantalamessa prosseguiu: "Não acolhe plenamente a Cristo quem não está
disposto a acolher o pobre com quem Cristo se identificou". O pobre é um
"vigário passivo de Cristo", no seguinte sentido: "aquilo que se faz ao
pobre é como se fosse feito a Cristo".
É por isso que João XXIII, no concílio, cunhou a expressão "Igreja
dos pobres", indicando que "todos os pobres do mundo, baptizados ou não,
fazem parte da Igreja". Segue-se que o papa é o "pai dos pobres" e é
"uma alegria ver como este papel tem sido levado a sério pelos últimos
papas", em particular pelo papa actual.
No entanto, constatou o pregador, "nós temos a tendência de colocar
paredes de vidro duplo entre nós e os pobres. Vemos os pobres andando,
se agitando, gritando por trás da tela da televisão, nas páginas dos
jornais e nas revistas missionárias, mas o seu clamor nos chega como de
muito longe. Não penetra o nosso coração". As palavras "pobre",
“imigrante”, provocam, nos países ricos, “o mesmo efeito que provocava
nos antigos romanos o grito de "bárbaros": o desconcerto, o pânico".
"Nós lamentamos e protestamos pelas crianças impedidas de nascer, mas
não deveríamos fazer o mesmo pelos milhões de crianças que nascem e são
condenado à morte pela fome, pela doença, forçadas a ir para a guerra e
a matar umas as outras em nome de interesses que não são alheios a nós,
dos países ricos?".
Devemos protestar não só "pelos idosos, pelos doentes, pelos
deformados que a eutanásia ajuda a matar", mas também "pelos idosos que
morrem de frio ou que são abandonados à própria sorte".
O primeiro passo, portanto, é "superar a indiferença e a
insensibilidade, é perceber os pobres”. Três palavras são essenciais:
"amá-los, socorrê-los, evangelizá-los". Amá-los no sentido de "respeitar
e reconhecer a sua dignidade", a exemplo de santos como São Francisco,
São Vicente de Paulo e Santa Teresa de Calcutá, “cujo amor pelos pobres
foi o caminho da sua santidade”. Os pobres “não merecem só a nossa
simpatia, mas também a nossa admiração”, porque “eles são os verdadeiros
campeões da humanidade”. Nós distribuímos tantos troféus e medalhas de
ouro para quem simplesmente pulou um centímetro a mais do que o outro,
mas não levamos em nenhuma consideração "os saltos mortais, as provas de
força, os slalom de que os pobres são capazes tantas vezes" para sobreviver.
Ao dever de amar os pobres, segue o de socorrê-los. "De que adianta
ter pena de um irmão ou de uma irmã carente de roupa e de alimento e só
dizer ‘Coitado, como você sofre! Vá, se aqueça, coma!’, sem lhe dar nada
para se aquecer e para comer?", perguntou o padre Cantalamessa, ecoando
as palavras de São Tiago: "a compaixão, assim como a fé, sem obras é
morta". E acrescentou que, "no dia do juízo, Jesus não dirá: ‘Eu estava
nu e tivestes pena de mim’, mas ‘Eu estava nu e me vestistes’. Não
devemos culpar a Deus pela miséria do mundo, mas a nós mesmos"..
Hoje não basta "a simples esmola": podem ser feitas muitas coisas
"para socorrer" os pobres e "promover a sua ascensão". Entre elas,
evangelizar: "Não podemos permitir que a nossa má consciência nos leve a
cometer a enorme injustiça de privar da boa notícia aqueles que são os
primeiros e mais naturais destinatários dela", afirmou Cantalamessa. "A
acção social deve acompanhar a evangelização, nunca substituí-la". Os
pobres "têm o direito sacrossanto de ouvir o evangelho na sua
totalidade, e não numa edição resumida ou controversa".
Para finalizar, o pe. Raniero voltou a reflectir sobre Francisco de
Assis e explicou que, para ele, o Natal não era "apenas uma oportunidade
de chorar a pobreza de Cristo", mas uma festa que "fazia explodir toda a
capacidade de exultação que havia em seu coração. No Natal, ele fazia
loucuras literalmente, se tornava uma daquelas crianças que ficam sempre
com os olhos cheios de maravilhamento diante do presépio, e, toda vez
que dizia ‘Jesus’ ou ‘Menino de Belém’, passava a língua pelos lábios
como a saborear e reter toda a doçura daquelas palavras". Nós também,
convidou Cantalamessa, podemos saborear os sentimentos de São Francisco.
O capuchinho encerrou suas palavras recitando os versos de um popular
canto natalício italiano, “Tu scendi dalle stelle” [Tu desces das
estrelas], musicado por Santo Afonso Maria de Ligório, e propondo:
"Deixemo-nos comover pela mensagem simples, mas essencial" deste canto.
in
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