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segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

Agnóstico e deprimido, uma Sexta-feira Santa dos dogmas católicos (confissão e Encarnação) resgataram-no

Michael foi guiado por Newman, Chesterton e o Aquinatense 

A confissão: via-a para recuperar a graça de Deus,
e uma experiência também humanamente libertadora.
Actualizado 15 de Dezembro de 2013

C.L. / ReL

Michael J. Lichens confessa que todo o convertido se vê forçado com frequência a responder a uma pergunta: "Porque te fizeste católico?". E a ele cada ano que passa lhe dá mais preguiça fazê-lo, porque "as razões que cada um pode ter para a conversão são numerosas e podem ir desde algo tão simples como estar casado com um católico a algo tão radical como uma mudança total do coração depois de um acontecimento determinado". Ou, como ele gostaria de responder quando se cansa de responder: "Bem, e porque não posso eu ser um deles?".

Lichens tem também uma história que contar, por suposto, e resume-a num artigo recente publicado em Catholic Exchange, o periódico que dirige além de editar o blog St Austin Review, onde escreve habitualmente, entre outros, Joseph Pearce.

Chesterton, Newman e duas razões
Como a maior parte dos convertidos anglo-saxões, a sua mudança intelectual teve muito que ver com a leitura de dois potentes autores: o Beato John Henry Newman e o grande Gilbert Keith Chesterton, onde poderiam encontrar-se, disse, os argumentos que o levaram à Igreja melhor que se os escreve ele mesmo.

Mas resume em duas as razões pelas quais se fez católico. Uma, como Chesterton: "Para libertar-me dos meus pecados". A outra, "uma verdade muito mais complicada: a Encarnação".

Agnosticismo e depressão
Lichens explica que foi educado como evangélico no seio de uma família muito comprometida numa "megaigreja", mas que, chegado um momento da sua vida, se via a si mesmo como agnóstico. Não tinha más recordações do templo a que ia na sua infância e adolescência: "A pregação era boa, cheia de citações bíblicas que hoje já não se usam. Diria que, em linhas gerais, foi uma experiência positiva".

Com um ´mas´, que serve a Michael para introduzir uma característica sua: "Eu padecia, e padeço ainda, de um transtorno depressivo profundo, isto é, uma depressão clínica, o que me produzia um humor terrível e um contínuo empastilhamento. E (di-lo-ei sem rodeios) a maior parte das comunidades religiosas nos Estados Unidos não sabem como lidar com isso. Não é culpa sua e o faziam com a melhor das suas intenções, mas a maior parte dos pastores e líderes espirituais diziam-me que rezasse contra isso ou, simplesmente, que me propusesse ser feliz. Durante a maior parte da minha vida, considerei-o um fracasso pessoal que me impedia de ser feliz e me conduziu ao ressentimento e a separar-me da fé".

Um Sexta-feira Santa, adorando a Cruz
A semente dessa fé, sem dúvida, conservava-a apesar do seu agnosticismo, alimentada pela leitura do citado Chesterton e de São Tomás de Aquino. Assim que houve um momento no qual decidiu tentá-lo de novo. E teve a ideia (feliz ideia, pelo que sucederia então) de ir à missa à paróquia de São Tomás de Aquino em Boulder (Colorado, Estados Unidos) ("a primeira a que ia desde o funeral da minha avó") e logo aos ofícios de uma Sexta-feira Santa.

"Sentia-me deslocado, e incomodado de que todo o mundo salvo eu soubesse quando sentar-se, estar de pé ou ajoelhar-se. Mas algo me era familiar, como voltar ao lar da infância. E foi também a primeira vez que conheci os sentimentos de culpa e de vergonha, mas não na forma caricaturesca com a qual se os retrata hoje em dia", explica: "E foi naquele momento no qual a Cruz foi adorada quando descobri o que eu tinha sido, quando descobri que Deus sabia o que eu tinha sido, quando descobri que eu sabia que Ele o sabia. Senti-me como alguém que ofendeu um bom amigo e quer corrigir".

No confessionário
E aqui entrou em jogo a confissão. Enquanto deu os seus primeiros passos como catecúmeno (pois depois desse momento da Sexta-feira Santa decidiu iniciar a sua formação na paróquia para converter-se em membro da Igreja), soube que tinha que confessar-se. Era um mais dos "obstáculos" que tinha que superar, "desde a ideia da Eucaristia a minha relação sentimental com uma ateia, passando pelo meu excesso de vaidade".

Foi aí onde interveio um padre dominicano, Frei Reginald Martin, um homem alegre e jovial ante quem devia confessar os seus pecados. Lichens reconhece a sua "ansiedade" ante essa primeira comparência perante o sacramento da Penitência e a reconciliação, quem lhe pediu que anotasse todos os que tivesse cometido desde que foi baptizado, aos 11 anos, com o objectivo de facilitar o exame de consciência.

A Michael custou-lhe ter que confeccionar a lista, mas hoje reconhece que foi um acerto: "Quando o padre disse as palavras da absolvição e traçou perante mim o sinal da cruz, dei-lhe a mão, mostrei-lhe a minha gratidão e voltei ao meu carro. O sentimento de alívio era impressionante, sentia-me quase eufórico. Ainda que não sejas católico, imagina o que é desculpar-te com uma pessoa e saber não só que te perdoou, mas sim que te dá a segurança de que tudo está organizado... E assim poderás compreender esse sentimento de alívio".

...E habitou entre nós
Mas além desse feliz contacto com o sacramento da confissão, Lichens recorda o impacto que lhe produziu a ideia da Encarnação ("do latim incarno", recorda, "feito carne"): "Esta ideia era nova para mim, ainda que tenha ouvido falar dela. A ideia de que Deus tinha nascido de uma virgem, se tinha feito homem, e continuava sendo plenamente Deus ao tempo que plenamente humano não era precisamente atractiva para mim, era inclusive escandalosa quando parava a pensar nela".

Mas (quem se não?) Chesterton veio em sua ajuda num comentário seu a este paradoxo sobre o Menino Deus: "Toda a nossa fé, e a literatura em torno da nossa fé, baseia-se no paradoxo, quase diríamos na brincadeira, de que as mãos de quem tinha criado o sol e as estrelas fossem tão pequenas que não chegavam a acariciar as bestas que davam calor à sua manjedoura".

De repente, esta ideia "escandalosa" para Michael converteu-se no seu porto seguro: "Sejam quais sejam os períodos obscuros da minha mente, seja qual seja o combate ao qual me enfrente, este sempre me devolveu aos fundamentos. Isto foi o que me fez querer ser católico e o que me mantém na Igreja: saber que Deus se fez homem e habitou entre nós, que o seu amor é tão poderoso que assumiu a nossa natureza para redimir-nos".

"A minha depressão está longe de estar curada", admite Lichens, mas agora possui algo do que antes da sua conversão carecia: "A Igreja oferece-me a possibilidade de ser santo apesar da minha propensão à autodestruição e à dúvida".

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