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terça-feira, 3 de fevereiro de 2015

Mudança e actualização

1. Interpelações da mudança
De 26 a 29 de Janeiro, em Albufeira, o clero das dioceses de Évora, Beja e Algarve realizou as oitavas Jornadas de Actualização, promovidas pelo Instituto Superior de Teologia de Évora, subordinadas ao Tema - Que pastores para a Igreja no mundo actual? Há cinquenta anos atrás o concílio Vaticano II, convocado pelo bom Papa João XXIII, agora proclamado santo, reflectiu sobre quase todos os aspectos da doutrina e vida da Igreja sob o prisma do seu significado para o mundo, fenómeno que ficou conhecido pela palavra italiana aggiornamento, que podemos traduzir por por-se em dia, actualizar-se.

Para uns isso foi um escândalo e para outros um sinal de primavera, de rejuvenescimento. Como pode Deus e a revelação da sua vontade actualizar-se? Não será antes a humanidade que tem de adaptar-se? Por outro lado, como tornar significante hoje o que foi expresso numa cultura do passado? Afinal, quem tem de adaptar-se?

Estas interrogações mereceriam grandes reflexões. Mas, na brevidade desta nota, focarei apenas um aspecto, referente aos agentes principais que são chamados a viver e testemunhar a revelação de Deus nos tempos actuais. Foi esse o objectivo destas jornadas, sempre a ter em conta em todas as actualizações.

A terra move-se, as gerações e transformações dos ambientes e das culturas sucedem-se, hoje de modo mais veloz, devido ao mundo global em que vivemos e aos meios de que dispomos. Precisamos de alguns pontos de referência para ler e descobrir o sentido de toda esta mudança. Como dizia Santa Teresa, cujo V centenário do nascimento estamos a celebrar: nada te perturbe, nada te espante, tudo passa, Deus não muda, a paciência tudo alcança; quem a Deus tem, nada lhe falta: só Deus basta.

Deus é realmente o ponto de referência, que tem como ponto alto da sua revelação histórica a vida e mensagem de Jesus Cristo. É na sua referência a Jesus Cristo que a Igreja de todos os tempos encontra o sentido da sua natureza e missão. As testemunhas desse ponto de referência só significam alguma coisa nessa relação com Jesus Cristo e com o mundo do seu tempo, em constante mutação. Por isso precisam de um processo de actualização contínua, para serem significantes. Daí o tema destas jornadas: que pastores para o nosso tempo?

Foi num ambiente de convivência fraterna, entre bispos, presbíteros, diáconos e conferencistas de diversos meios, formação e profissões, em palestras, trabalhos de grupo, oração e convívio, que fomos sendo interpelados sobre as nossas relações primordiais. De salientar o contributo de D. Carlos Patron Wong, secretário da Congregação do Clero. Todos ficamos mais conscientes de que a nossa vida e acção tem de ser sempre numa perspectiva de filiação, fraternidade e paternidade, à semelhança de Jesus, que viveu a sua condição de Filho de Deus, irmão nosso e sempre em relação com o Pai, cuja vontade veio para cumprir.

2. Mudanças pessoais e estruturais
As mudanças são de ordem pessoal e estrutural. Quem recebeu a vocação para o serviço ao povo de Deus nunca pode esquecer essa atitude fundamental de relação com aqueles que deve servir: humilde e fraterna, procurando centrá-los naqu’Ele que enviou, pois só Ele é Mestre e Senhor. Mas isto não se consegue, se o enviado não cultivar em relação a Ele também uma atitude filial contínua e fiel, de escuta e diálogo, como quem procura saber a vontade de quem o envia e as necessidades daqueles a quem é enviado. Além da atitude fraterna e filial, o servidor deve assumir também a missão paterna, ajudando a nascer e a crescer os filhos de Deus até à maturidade das relações fundamentais e características do povo de Deus. Isto implica uma conversão contínua dos pastores pela oração, abertura aos dons de Deus, formação, actualização, e, muito especialmente, pela caridade pastoral, como se exprime um documento do concílio.

A partir daqui surge a necessidade de adequar os meios e instrumentos comunitários da missão dos pastores em relação às pessoas, comunidades e povos de cada tempo. A caridade pastoral é criativa e descobre os melhores meios para melhor servir. É na relação fraterna entre os pastores e o povo de Deus que se descobrem esses meios mais adequados, para atingir a finalidade da vida e mensagem de Jesus Cristo, que tem de ser também a da Igreja e dos pastores. À luz deste princípio muitas rotinas e estruturas pastorais se revelam obsoletas e precisam de ser mudadas. Mas isto não pode fazer cada um por si. É preciso deixar-nos envolver, numa comunhão profunda, que nos faz participar na vida e no bem do todo, que é o Povo de Deus de cada tempo, região e cultura.

Para descobrir as melhores estruturas de comunhão e participação convocámos um Sínodo, que pretende envolver a todos na descoberta da vontade de Deus e das necessidades deste povo no Alentejo. Direi mesmo que a estrutura sinodal da Igreja é a mais adequada e perfeita de todas, em ordem a atingir aquele ideal de vida cristã, relatado no livro dos Actos dos Apóstolos: todos os que abraçaram a fé eram assíduos e perseverantes em ouvir o ensinamento dos Apóstolos, na comunhão fraterna, no partir do pão e nas orações (2, 42)..., de modo que entre eles ninguém passava necessidade (4, 34).

Nesta súmula temos um programa de vida pessoal e comunitário, que, posto em prática, dará hoje novo vigor à pastoral da Igreja.

† António Vitalino, Bispo de Beja

Nota semanal em áudio:




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