Mensagem do Papa para o XLIX Dia Mundial das Comunicações Sociais
Cidade do Vaticano, 23 de Janeiro de 2015 (Zenit.org)
Apresentamos a Mensagem do Papa para o XLIX Dia Mundial das Comunicações Sociais.
Comunicar a família:
ambiente privilegiado do encontro na gratuidade do amor
[17 de Maio de 2015]
O tema da família encontra-se no centro duma profunda reflexão eclesial e dum processo sinodal que prevê dois Sínodos, um extraordinário – acabado de celebrar – e outro ordinário,
convocado para o próximo mês de Outubro. Neste contexto, considerei
oportuno que o tema do próximo Dia Mundial das Comunicações Sociais
tivesse como ponto de referência a família. Aliás, a família é o primeiro lugar onde aprendemos a comunicar.
Voltar a este momento originário pode-nos ajudar quer a tornar mais
autêntica e humana a comunicação, quer a ver a família dum novo ponto de
vista.
Podemos deixar-nos inspirar pelo ícone evangélico da visita de Maria a Isabel (Lc 1,
39-56). «Quando Isabel ouviu a saudação de Maria, o menino saltou-lhe
de alegria no seio e Isabel ficou cheia do Espírito Santo. Então,
erguendo a voz, exclamou: “Bendita és tu entre as mulheres e bendito é o
fruto do teu ventre”» (vv. 41-42).
Este episódio mostra-nos, antes de mais nada, a comunicação como um diálogo que tece com a linguagem do corpo.
Com efeito, a primeira resposta à saudação de Maria é dada pelo menino,
que salta de alegria no ventre de Isabel. Exultar pela alegria do
encontro é, em certo sentido, o arquétipo e o símbolo de qualquer outra
comunicação, que aprendemos ainda antes de chegar ao mundo. O ventre que
nos abriga é a primeira «escola» de comunicação, feita de escuta e
contacto corporal, onde começamos a familiarizar-nos com o mundo
exterior num ambiente protegido e ao som tranquilizador do pulsar do
coração da mãe. Este encontro entre dois seres simultaneamente tão
íntimos e ainda tão alheios um ao outro, um encontro cheio de promessas,
é a nossa primeira experiência de comunicação. E é uma experiência que
nos irmana a todos, pois cada um de nós nasceu de uma mãe.
Mesmo depois de termos chegado ao mundo, em certo sentido permanecemos num «ventre», que é a família. Um ventre feito de pessoas diferentes, interrelacionando-se: a família é «o espaço onde se aprende a conviver na diferença» (Exort. ap. Evangelii gaudium, 66).
Diferenças de géneros e de gerações, que comunicam, antes de mais nada,
acolhendo-se mutuamente, porque existe um vínculo entre elas. E quanto
mais amplo for o leque destas relações, tanto mais diversas são as
idades e mais rico é o nosso ambiente de vida. O vínculo está na base da palavra,
e esta, por sua vez, revigora o vínculo. Nós não inventamos as
palavras: podemos usá-las, porque as recebemos. É em família que se
aprende a falar na «língua materna», ou seja, a língua dos nossos antepassados (cf. 2 Mac 7,
21.27). Em família, apercebemo-nos de que outros nos precederam, nos
colocaram em condições de poder existir e, por nossa vez, gerar vida e
fazer algo de bom e belo. Podemos dar, porque recebemos; e este circuito
virtuoso está no coração da capacidade da família de ser comunicada e
de comunicar; e, mais em geral, é o paradigma de toda a comunicação.
A experiência do vínculo que nos «precede» faz com que a família seja também o contexto onde se transmite aquela forma fundamental de comunicação que é a oração.
Muitas vezes, ao adormecerem os filhos recém-nascidos, a mãe e o pai
entregam-nos a Deus, para que vele por eles; e, quando se tornam um
pouco maiores, põem-se a recitar juntamente com eles orações simples,
recordando carinhosamente outras pessoas: os avós, outros parentes, os
doentes e atribulados, todos aqueles que mais precisam da ajuda de Deus.
Assim a maioria de nós aprendeu, em família, a dimensão religiosa da comunicação, que, no cristianismo, é toda impregnada de amor, o amor de Deus que se dá a nós e que nós oferecemos aos outros.
Na família, é sobretudo a capacidade de se abraçar, apoiar,
acompanhar, decifrar olhares e silêncios, rir e chorar juntos, entre
pessoas que não se escolheram e todavia são tão importantes uma para a
outra… é sobretudo esta capacidade que nos faz compreender o que é
verdadeiramente a comunicação enquanto descoberta e construção de proximidade.
Reduzir as distâncias, saindo mutuamente ao encontro e acolhendo-se, é
motivo de gratidão e alegria: da saudação de Maria e do saltar de
alegria do menino deriva a bênção de Isabel, seguindo-se-lhe o belíssimo
cântico do Magnificat, no qual Maria louva o amoroso desígnio
que Deus tem sobre Ela e o seu povo. De um «sim» pronunciado com fé,
derivam consequências que se estendem muito para além de nós mesmos e se
expandem no mundo. «Visitar» supõe abrir as portas, não encerrar-se no
próprio apartamento, sair, ir ter com o outro. A própria família é viva,
se respira abrindo-se para além de si mesma; e as famílias que assim
procedem, podem comunicar a sua mensagem de vida e comunhão, podem dar
conforto e esperança às famílias mais feridas, e fazer crescer a própria
Igreja, que é uma família de famílias.
Mais do que em qualquer outro lugar, é na família que, vivendo juntos no dia-a-dia, se experimentam as limitações próprias
e alheias, os pequenos e grandes problemas da coexistência e do pôr-se
de acordo. Não existe a família perfeita, mas não é preciso ter medo da
imperfeição, da fragilidade, nem mesmo dos conflitos; preciso é aprender
a enfrentá-los de forma construtiva. Por isso, a família onde as
pessoas, apesar das próprias limitações e pecados, se amam, torna-se
uma escola de perdão. O perdão é uma dinâmica de comunicação:
uma comunicação que definha e se quebra, mas, por meio do
arrependimento expresso e acolhido, é possível reatá-la e fazê-la
crescer. Uma criança que aprende, em família, a ouvir os outros, a falar
de modo respeitoso, expressando o seu ponto de vista sem negar o dos
outros, será um construtor de diálogo e reconciliação na sociedade.
Muito têm para nos ensinar, a propósito de limitações e comunicação, as famílias com filhos marcados por uma ou mais deficiências. A deficiência motora,
sensorial ou intelectual sempre constitui uma tentação a fechar-se; mas
pode tornar-se, graças ao amor dos pais, dos irmãos e doutras pessoas
amigas, um estímulo para se abrir, compartilhar, comunicar de modo inclusivo; e pode ajudar a escola, a paróquia, as associações a tornarem-se mais acolhedoras para com todos, a não excluírem ninguém.
Além disso, num mundo onde frequentemente se amaldiçoa, insulta,
semeia discórdia, polui com as murmurações o nosso ambiente humano, a
família pode ser uma escola de comunicação feita de bênção. E
isto, mesmo nos lugares onde parecem prevalecer como inevitáveis o ódio e
a violência, quando as famílias estão separadas entre si por muros de
pedras ou pelos muros mais impenetráveis do preconceito e do
ressentimento, quando parece haver boas razões para dizer «agora basta»;
na realidade, abençoar em vez de amaldiçoar, visitar em vez de repelir,
acolher em vez de combater é a única forma de quebrar a espiral do mal,
para testemunhar que o bem é sempre possível, para educar os filhos na
fraternidade.
Os meios mais modernos de hoje, irrenunciáveis sobretudo para os mais jovens, tanto podem dificultar como ajudar a comunicação em família e entre as famílias. Podem-na dificultar,
se se tornam uma forma de se subtrair à escuta, de se isolar apesar da
presença física, de saturar todo o momento de silêncio e de espera,
ignorando que «o silêncio é parte integrante da comunicação e, sem ele,
não há palavras ricas de conteúdo» (Bento XVI, Mensagem do XLVI Dia Mundial das Comunicações Sociais, 24/1/2012); e podem-na favorecer,
se ajudam a narrar e compartilhar, a permanecer em contacto com os de
longe, a agradecer e pedir perdão, a tornar possível sem cessar o
encontro. Descobrindo diariamente este centro vital que é o encontro,
este «início vivo», saberemos orientar o nosso relacionamento com as
tecnologias, em vez de nos deixarmos arrastar por elas. Também neste
campo, os primeiros educadores são os pais. Mas não devem ser deixados
sozinhos; a comunidade cristã é chamada a colocar-se ao seu lado, para
que saibam ensinar os filhos a viver, no ambiente da comunicação,
segundo os critérios da dignidade da pessoa humana e do bem comum.
Assim o desafio que hoje se nos apresenta, é aprender de novo a narrar,
não nos limitando a produzir e consumir informação, embora esta seja a
direcção para a qual nos impelem os potentes e preciosos meios da
comunicação contemporânea. A informação é importante, mas não é
suficiente, porque muitas vezes simplifica, contrapõe as diferenças e as
visões diversas, solicitando a tomar partido por uma ou pela outra, em
vez de fornecer um olhar de conjunto.
No fim de contas, a própria família não é um objecto acerca do qual
se comunicam opiniões nem um terreno onde se combatem batalhas
ideológicas,mas um ambiente onde se aprende a comunicar na proximidade e um sujeito que comunica, uma «comunidade comunicadora».
Uma comunidade que sabe acompanhar, festejar e frutificar. Neste
sentido, é possível recuperar um olhar capaz de reconhecer que a família
continua a ser um grande recurso, e não apenas um problema ou uma
instituição em crise. Às vezes os meios de comunicação social tendem a
apresentar a família como se fosse um modelo abstracto que se há-de
aceitar ou rejeitar, defender ou atacar, em vez duma realidade concreta
que se há-de viver; ou como se fosse uma ideologia de alguém contra
outro, em vez de ser o lugar onde todos aprendemos o que significa
comunicar no amor recebido e dado. Ao contrário, narrar significa
compreender que as nossas vidas estão entrelaçadas numa trama unitária,
que as vozes são múltiplas e cada uma é insubstituível.
A família mais bela, protagonista e não problema, é aquela que, partindo do testemunho, sabe comunicar a
beleza e a riqueza do relacionamento entre o homem e a mulher, entre
pais e filhos. Não lutemos para defender o passado, mas trabalhemos com
paciência e confiança, em todos os ambientes onde diariamente nos
encontramos, para construir o futuro.
Vaticano, 23 de Janeiro – Vigília da Festa de São Francisco de Sales – de 2015.
Francisco PP.
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(23 de Janeiro de 2015) © Innovative Media Inc.
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