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sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

Órfãos de pai, mas não de mãe

1. Filhos abandonados
Frequentemente encontramos pessoas na rua e em instituições que não conhecem os seus progenitores ou não querem falar deles. Os motivos deste corte efectivo e afectivo são vários. Mas os efeitos no desenvolvimento destas pessoas são perniciosos para os próprios e para a sociedade. Sempre me tocou e questionou uma afirmação atribuída a Deus no livro do profeta Isaías: mesmo que uma mãe esqueça o filho que amamenta, Eu não vos esquecerei. Esta certeza do amor de Deus, mais forte e fiel que o de uma mãe, consola-me, mas gostaria que ela se tornasse a certeza de muita gente e sobretudo das pessoas esquecidas por suas mães. Não é fácil transmitir esta certeza da fé, sobretudo a quem não fez a experiência do amor materno.

Apesar da consolação da fé, não podemos deixar de nos comover e chorar ao ver crianças a sofrer por causa do abandono e da insensibilidade de muitos adultos, que abusam delas, as escravizam e até usam como armadilhas para a guerra e como bombas suicidas. O Papa Francisco, no encontro com os jovens nas Filipinas, ficou comovido com a pergunta de uma criança sobre o sofrimento das crianças e disse que a nossa melhor resposta é chorar com quem sofre. Disse mesmo que precisamos de aprender a chorar, sinal de que temos um coração sensível e compassivo com o sofrimento do próximo.

Alguns pedagogos falam de uma sociedade sem pai, mas para muitos não há pai nem mãe. São órfãos dos dois progenitores. Como superar este abandono? Em vez de procurar respostas demagógicas e de incriminar os pais insensíveis, que não desempenham a sua principal missão humanitária, será mais importante tornarmo-nos todos pais e mães ternos e acolhedores, disponibilizando-nos como pais adoptivos logo nos primeiros meses das crianças abandonadas, em vez de as institucionalizar.

2. Migrantes e refugiados entre os mais pobres
No dia 18 de Janeiro, sempre no domingo a seguir ao Baptismo do Senhor, a Igreja celebrou o Dia Mundial do Migrante e do Refugiado. Em Portugal a Obra Católica das Migrações em conjunto com a Caritas Portuguesa, a Agência Ecclesia e este ano também com o Departamento Nacional da Juventude realizou umas jornadas sociopastorais sobre a mobilidade. Na Casa de Santa Maria Rafaela, em Palmela, juntou uma centena de pessoas vindas das várias dioceses e também alguns agentes pastorais a trabalhar entre os migrantes, a fim de reflectir sobre este sector e ajudar a sociedade a conviver com estes novos concidadãos, considerando-os um enriquecimento em todas as dimensões da vida, e não um problema desestabilizador.

Na sua mensagem para este dia o Papa Francisco diz que os migrantes e refugiados se contam entre os mais pobres da sociedade, apesar de muitos terem grande sucesso nos países de destino. Embora a emigração seja um direito, no entanto a grande maioria dos migrantes deixa a sua terra, amigos e familiares por falta de condições de vida digna no país de origem, esperando ser bem-sucedidos na viagem de transição e no país de destino.

Por isso o Papa apela para sermos uma Igreja sem fronteiras e mãe de todos, com tudo o que isto implica nas igrejas de origem e de destino dos migrantes, atenção uns aos outros, uma cultura de acolhimento, de solidariedade e entre-ajuda, sobretudo nos primeiros tempos, de modo que ninguém se sinta como intruso, indesejável ou descartável, agravando assim o seu sofrimento.

À globalização do fenómeno migratório será desejável corresponder com a globalização da caridade e da solidariedade, ajudando os países menos desenvolvidos a fixar os seus cidadãos, oferecendo-lhes condições de vida e de trabalho digno, para sustentar e educar as suas famílias, de modo a evitar a necessidade de emigrar. Neste apelo do Papa manifesta-se a natureza de uma Igreja sem fronteiras e mãe de todos os povos, preocupada com o bem de todos, sem acepção de pessoas. Oxalá este modo de ser Igreja se torne cada vez mais uma realidade também entre nós.
 

† António Vitalino, Bispo de Beja

Nota semanal em áudio:




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