Mons. William Shomali, bispo auxiliar de Jerusalém, fala sobre o drama vivido na Terra Santa, sobretudo pelos jovens, primeiras vítimas do conflito, e pelos cristãos, forçados a fugir
Roma, 14 de Julho de 2014 (Zenit.org) Salvatore Cernuzio
Massacre e tragédia. É difícil definir de outra forma a
situação na Terra Santa. Na Faixa de Gaza continuam a morrer todos os
dias, e, entre os ataques com foguetes e bombardeiros, a população vive
em estado de sítio e com constante medo.
A diplomacia internacional exige um cessar-fogo entre Israel e
Palestina, e as Nações Unidas condenou os ataques com foguetes contra o
território israelita. Enquanto isso, homens, mulheres, crianças,
famílias inteiras de Beit Lahya, no norte de Gaza, foram forçadas,
ontem, a sair correndo de suas casas e fugir, sem bagagem e em jejum,
para não sucumbir ao enésimo ataque do exército israelita.
Uma situação insustentável diante da qual o Papa Francisco expressou
seu pesar, exortando, ontem, depois do Angelus, “as partes em causa e
todos aqueles que têm responsabilidades políticas a nível local e
internacional para não pouparem a oração e qualquer esforço para pôr fim
a todas as hostilidades e alcançar a paz desejada para o bem de todos".
No dia seguinte do apelo do Papa, ZENIT recolheu o testemunho de Mons.
Shomali, bispo auxiliar de Jerusalém e vigário patriarcal para a
Palestina. Acompanhe a entrevista.
***
ZENIT: Excelência, o que está acontecendo na Terra Santa?
Mons. Shomali: O que está acontecendo é uma reacção ao sequestro e
assassinato dos três jovens hebreus, perto de Hebron. O governo de
Netanyahu atribuiu esse crime ao partido Hamas e respondeu com uma busca
frenética dos criminosos, com várias prisões até de ex-reclusos.
Enquanto isso, um jovem palestino de Shufat, bairro de Jerusalém, foi
sequestrado e queimado vivo por alguns colonos israelitas. Esses factos
começaram um ciclo vicioso de violência. O Exército de Israel atingiu as
bases de Hamas e do Jihad Islâmico na Faixa de Gaza. Estes, por sua
vez, responderam com o lançamento de mísseis, chegando a atingir os
assentamentos próximos, bem como a cidade de Haifa, Tel Aviv e
Jerusalém. Estes mísseis, conhecidos por sua imprecisão, fazem mais
barulho e medo do que destruição. Para os palestinianos, no entanto, a
lista é grande: 170 mortos, 1000 feridos e muitas casas destruídas em
Gaza e nos territórios palestinianos.
ZENIT: Qual é a origem do conflito atual?
Mons. Shomali: A principal razão é o fracasso do processo de paz no
passado mês de abril. O ministro americano Kerry, após nove meses de
trabalho intenso, não conseguiu elaborar um quadro político para as
futuras negociações. Esta derrota criou nos corações dos palestinianos
desespero, mais tarde aumentado pela construção contínua de novos
assentamentos israelitas. Estes edifícios são vistos como um casus belli
contínuo. A isso acrescenta-se a tensão entre os dois povos com relação
ao Monte do Templo - Al Aksa. Aqui a religião faz parte do problema e é
uma causa agravante.
ZENIT: Como explica esse aumento gradual da violência em
Gaza, a poucas semanas da visita do Papa Francisco e dos seus fortes
apelos para a paz e reconciliação? Além disso, não podemos esquecer do
encontro de oração no Vaticano com Abbas e Peres...
Mons. Shomali: A visita do Papa suscitou muitas esperanças, seguidas,
no entanto, de muita desilusão. Uma coisa semelhante aconteceu depois
da peregrinação de São João Paulo II, em Março de 2000: apenas seis
meses depois de sua visita eclodiu a segunda Intifada (28 de Setembro de
2000 n.d.a.). Em ambos os casos, a violência foi desencadeada por causa
do fracasso das negociações, precedido pelas visitas papais, na
primeira, após o colapso do Camp David; na segunda, depois da mediação
Americana.
Sobre a reunião de oração nos Jardins Vaticanos, reitero o que foi
dito ontem pelo Santo Padre no seu apelo: a oração sempre traz frutos,
embora a longo prazo. Como no caso da oliveira plantada ao final do
encontro, cujo florescimento deve ser esperado por muitos anos. Também é
necessário reiterar que as palavras do Papa durante a "Invocação pela
Paz" permanecem válidas como o único caminho certo para a paz. Fiquei
muito impressionado quando o Santo Padre, diante de Peres, Abbas e
Bartolomeu, disse: "Para fazer a paz, é preciso coragem, muito mais do
que para fazer a guerra. É preciso coragem para dizer sim ao encontro e
não ao confronto; sim às negociações e não às hostilidades; sim ao
cumprimento dos pactos e não às provocações; sim à sinceridade e não à
duplicidade...”.
O Papa deixou claro que só as negociações não são suficientes, como a
história nos ensina, e que temos de avançar em direcção a um outro
horizonte que é a oração. "É por isso que estamos aqui, porque sabemos e
acreditamos que precisamos da ajuda de Deus", lembrava, de fato,
Francisco, “não renunciamos às nossas responsabilidades, mas invocamos a
Deus como ato de suprema responsabilidade, diante das nossas
consciências e diante dos nossos povos”.
ZENIT: Nestes conflitos as principais vítimas são os jovens.
De acordo com o senhor, na origem de tudo, há um problema de educação?
Mons. Shomali: Claro, os jovens são vítimas deste conflito sem
esquecer as crianças, frágeis e traumatizadas pelos bombardeiros e pelo
medo. As consequências se deixam ver no futuro. Agora cultivam o ódio e o
desejo de vingança. O ódio foi alimentado por uma longa história de
violência, onde cada um coloca a culpa no outro. Esta falsa retórica não
ajuda. O ódio só pode ser eliminado através da educação aos valores da
justiça, da paz e da reconciliação. Mas a educação deve coincidir com
medidas concretas, dando a cada parte os seus próprios direitos: aos
palestinianos dignidade com um Estado viável, e aos israelitas uma
segurança e um reconhecimento por parte do mundo árabe e islâmico. Eu
estava lá na semana passada em uma reunião no grande Rabinato com os
grandes expoentes de todas as religiões presentes em Israel; Fiquei
muito impressionado com a declaração final, que reafirmava que a vida
humana é um dom de Deus e que o sangue judeu e o sangue palestino são
sagrados e desfrutam de uma igual dignidade.
ZENIT: E como reagem os adultos diante desses horrores que
envolvem as novas gerações? Muitas vezes são eles mesmos que incentivam
os jovens a lutar...
É um paradoxo dizer que são os jovens que vão de forma espontânea às
ruas e desafiam os soldados israelitas nos check-point, enquanto o
governo palestino não deseja um tal confronto com o exército israelita.
Os jovens estão em um círculo vicioso. É urgente que a comunidade
internacional encontre uma solução e a imponha a ambas as partes. Todos
vivem em um círculo infernal, no qual, sejam os adultos que os jovens são
arrastados e não sabem como sair.
ZENIT: O resto da população, especialmente a cristã, como está reagindo diante de tudo isso?
Mons. Shomali: Os cristãos, tanto palestinianos quanto israelitas,
sofrem e padecem como todos os outros habitantes desta terra. Temem o
agravamento da situação e as consequências sociais e económicas. Rezam
pela paz e na grande maioria rejeitam a violência. É muito raro vê-los
ir às ruas e recorrer à violência. São também os mais frágeis e fracos
perante a tentação de emigrar. Durante a última intifada muitos jovens e
muitas famílias cristãs deixaram a Terra Santa, a fim de buscar uma
vida mais segura e digna. É difícil para eles resistir a essa tentação. É
difícil para nós convencê-los a não abandonar esses lugares e fazê-los
entender que viver aqui é um privilégio e uma vocação.
ZENIT: Vocês, como Patriarcado Latino de Jerusalém, de que
maneira estão tentando aproximar-se dos que vivem sob o medo e os
bombardeamentos?
Mons. Shomali: Estamos próximos com a oração e com a ajuda
humanitária que organizamos de acordo com nossas possibilidades. No
momento não podemos fazer nada para o povo de Gaza. Quando acabarem as
hostilidades iremos visita-los e ver como ajudar. Por agora nos
limitamos a telefonar a cada dia ao nosso pároco de Gaza para pedir as
últimas notícias.
ZENIT: O senhor acha que há esperança de que esta tempestade
de violência e morte possa parar, ou como muitos temem, seja iminente
uma terceira intifada?
É certo que nem o governo palestino e nem o governo israelita querem
uma terceira intifada. Ninguém sairia vitorioso. As consequências são
duras para todos. Um exemplo: os peregrinos começaram a cancelar
reservas. Sabemos, por experiência, a dificuldade que existe para
retomar o fluxo de turistas após um conflito. Rezemos ao Senhor para que
esses confrontos acabem rapidamente. (Trad.T.S.)
(14 de Julho de 2014) © Innovative Media Inc.
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