Em entrevista a ZENIT, dom William Shomali fala do drama dos jovens e dos cristãos na Terra Santa
Roma, 17 de Julho de 2014 (Zenit.org) Salvatore Cernuzio
Massacre e tragédia: é difícil definir de outra maneira a
situação na Terra Santa. Na Faixa de Gaza, continuam as mortes diárias.
Entre disparos de mísseis e bombardeios, a população vive sob assédio e
com medo constante. A diplomacia internacional invoca uma trégua entre
Palestina e Israel e as Nações Unidas condenam os lançamentos de mísseis
contra os territórios israelitas.
Enquanto isso, mulheres, crianças e famílias inteiras de Beit
Lahya, ao norte de Gaza, se vêem obrigadas a fugir de casa, sem malas e
em jejum, para não sucumbir ao enésimo ataque do exército israelita.
Uma situação insustentável, diante da qual o papa Francisco expressou o
seu pesar e apelou, no ângelus de domingo passado, pelo fim das
hostilidades.
ZENIT apresenta a seguir o testemunho de dom William Shomali, bispo auxiliar de Jerusalém e vigário patriarcal para a Palestina.
* * *
ZENIT: Excelência, o que está acontecendo na Terra Santa?
Dom Shomali: O que está acontecendo é uma reacção ao sequestro e
assassinato dos três jovens judeus em Hebron. O governo de Netanyahu
atribui esse homicídio ao partido Hamas e reagiu com uma frenética busca
dos criminosos, com muitas prisões, inclusive de ex-detidos. Enquanto
isso, um jovem palestino de Shufat, um bairro de Jerusalém, foi
sequestrado e queimado vivo por alguns extremistas israelitas. Esses
factos deram início a um círculo vicioso de violência. O exército de
Israel atacou as bases do Hamas e da Jihad Islâmica em Gaza. Eles
responderam com o disparo de mísseis, chegando a atingir os
assentamentos próximos e as cidades de Haifa, Tel Aviv e Jerusalém.
Esses mísseis, que são conhecidos pela imprecisão, fazem mais barulho do
que destruição, mas provocam medo. Para os palestinianos, o balanço é bem
pior: 170 mortos, 1000 feridos e muitas casas destruídas em Gaza e nos
territórios palestinianos.
ZENIT: Qual é a origem deste conflito?
Dom Shomali: A razão principal é o fracasso do acordo de paz do mês
de Abril. O ministro americano Kerry, depois de nove meses de trabalho
intenso, não conseguiu elaborar um quadro político para os futuros
negociadores. Essa derrota criou no coração dos palestinianos um desespero
que aumentou por causa da contínua construção de novos assentamentos
israelitas. Estas construções são vistas como um contínuo motivo de
guerra. E acrescente a tensão entre dois povos, com a religião fazendo
parte do problema e sendo uma causa agravante.
ZENIT: Como explicar este aumento de violência em Gaza poucas
semanas depois da visita do papa Francisco e dos seus apelos pela paz e
pela reconciliação?
Dom Shomali: A visita do papa suscitou muitas esperanças, mas logo
depois veio muita desilusão. Foi parecido com o que aconteceu na
peregrinação de São João Paulo II em Março de 2000: seis meses depois da
visita dele, começou a segunda Intifada. Nos dois casos, a violência
foi se desencadeando por causa do fracasso das negociações. No primeiro
caso, depois do fracasso de Camp David. No segundo, depois da mediação
americana. Sobre o encontro de oração nos Jardins Vaticanos, eu reitero o
que o Santo Padre disse no ângelus: a oração sempre dá frutos, mesmo
que seja no longo prazo. Como no caso da oliveira, plantada no fim do
encontro, cujo florescimento demora muitos anos. É necessário reiterar
também que as palavras do pontífice na "Invocação pela Paz" continuam
valendo como o único caminho justo rumo à paz. O papa fez entender que
as negociações por si sós não bastam, como a história nos ensina, e que é
necessário entrar também num outro horizonte, que é o da oração.
ZENIT: Nestes conflitos, as primeiras vítimas são os jovens. Na sua opinião, a origem de tudo isso é um problema de educação?
Dom Shomali: É verdade que os jovens são vítimas deste conflito, sem
esquecer as crianças, frágeis e traumatizadas pelos bombardeamentos e pelo
medo. As consequências nós vamos ver no futuro. Agora eles cultivam o
ódio e o desejo de vingança. O ódio foi nutrido por uma longa história
de violência em que cada lado culpa o outro. Essa falsa retórica não
ajuda. O ódio só pode ser eliminado pela educação nos valores da
justiça, da paz e da reconciliação. Mas a educação tem que coincidir com
passos concretos, reconhecendo os direitos de cada lado: o dos
palestinianos à dignidade, com um país viável, e o dos israelitas à
segurança e ao reconhecimento do mundo árabe e islâmico.
ZENIT: Como os adultos reagem diante desses horrores que afectam as novas gerações? Não são eles mesmos que empurram os jovens
para o combate?
Dom Shomali: É paradoxal dizer que são os jovens que saem às ruas
espontaneamente e vão até os postos de controle desafiar os soldados
israelitas, enquanto o governo palestiniano não deseja esse enfrentamento
com o exército israelita. Os jovens estão imersos num círculo vicioso. É
urgente que a comunidade internacional encontre uma solução e a imponha
a ambas as partes. Todos vivem num círculo infernal, em que tanto os
adultos quanto os jovens estão presos e não sabem como sair.
ZENIT: Como o resto da população, em especial os cristãos, está reagindo a tudo isso?
Dom Shomali: Os cristãos, tanto os palestinianos quanto os israelitas,
sofrem como todos os outros moradores desta terra. Eles temem que a
situação piore e temem as consequências sociais e económicas. Eles rezam
pela paz e, na grande maioria, rejeitam a violência. É raríssimo vê-los
sair às praças e recorrer à violência. Eles também são os mais frágeis
diante da tentação de emigrar. Durante a última Intifada, muitos jovens e
famílias cristãs deixaram a Terra Santa para buscar em outro lugar uma
vida mais segura e digna. Para eles é difícil resistir a essa tentação. E
para nós é difícil convencê-los a não abandonar esses lugares e
fazê-los entender que viver aqui é um privilégio e uma vocação.
ZENIT: Como é que vocês, como Patriarcado Latino de
Jerusalém, tentam se mostrar próximos dessas pessoas que vivem no medo, à
mercê de bombardeamentos?
Dom Shomali: Nós estamos próximos com a oração e com a ajuda
humanitária, que organizamos do jeito que podemos. Neste momento, não
podemos fazer nada pelas pessoas de Gaza. Quando as hostilidades
terminarem, nós vamos visitá-las e ver como ajudar. Por enquanto, temos
que nos limitar a telefonar todos os dias para o nosso pároco de Gaza e
pedir as últimas notícias.
ZENIT: Na sua opinião, existe esperança de que essa
tempestade de violência e morte acabe? Ou, como muitos temem, é iminente
a explosão de uma terceira Intifada?
Dom Shomali: É verdade que nem o governo palestino nem o governo
israelita querem uma terceira Intifada. Ninguém sairia vitorioso. As
consequências são ruins para todos. Um exemplo: os peregrinos começaram a
cancelar reservas. Já sabemos por experiência o quanto é difícil
retomar o fluxo do turismo depois de um conflito. Nós rezamos a Deus
para que esses enfrentamentos acabem rápido.
(17 de Julho de 2014) © Innovative Media Inc.
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