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quinta-feira, 17 de julho de 2014

Cardeal Parolín: os imigrantes são os rostos sofredores de Cristo

Secretário de Estado da Santa Sé celebra missa na Basílica de Guadalupe após encontro sobre migração de menores desacompanhados para os Estados Unidos


Roma, 16 de Julho de 2014 (Zenit.org)


O secretário de Estado da Cidade do Vaticano, cardeal Pietro Parolín, chegou neste domingo à Cidade do México para participar da abertura do “Colóquio México-Santa Sé sobre Migração Internacional e Desenvolvimento". O objectivo da reunião é encontrar soluções para o problema dos menores imigrantes que partem desacompanhados para os Estados Unidos. Diversos países centro-americanos participam do encontro.

Parolín expôs a sua experiência, enriquecida por vários anos de estada no México, a serviço da Santa Sé. Ao celebrar a missa na Basílica de Nossa Senhora de Guadalupe, ele recordou que “temos muitas coisas a pedir a Maria: por nós mesmos, pela cura de um familiar, pelos filhos, pelos problemas económicos, sociais... Mas não se esqueçam nunca de pedir aquilo em que Nossa Senhora mais se destaca: a fidelidade a Cristo. Peçamos a ela o seu maior tesouro: o seu Filho Jesus Cristo”.

O cardeal pediu que os fiéis presentes na missa rezassem “à nossa Mãe pelos imigrantes”. Depois de recordar o sofrimento de tantas pessoas vitimadas pelos abusos da migração, ele afirmou: “Os imigrantes, frequentemente, são os rostos sofredores de Cristo em nossos dias, que comovem o coração da sua Mãe”.

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Homilia do cardeal Parolín

Senhores cardeais, senhores arcebispos e bispos, queridos sacerdotes, seminaristas, religiosos e religiosas, irmãos e irmãs:

Para mim é motivo de profunda alegria celebrar esta eucaristia no Santuário da Virgem de Guadalupe. Não podia faltar, na minha visita a este querido país, um momento em que a mãe me permitisse estar, como numa só família, junto com todos vocês em torno ao seu Filho. E me sentindo parte deste povo que recorre filialmente ao seu amparo celestial, venho eu também prestar homenagem a ela, como tantos peregrinos, mas, acima de tudo, venho pedir insistentemente o que ela sempre nos oferece: o seu Filho Jesus Cristo.

Escutamos o evangelho da Virgem peregrina que, prestimosa, foi até às montanhas da Judeia para acompanhar a sua prima Isabel, que, em idade avançada, estava esperando um filho. Também São João Diego correu com sua “tilma” repleta de rosas de Castela até a presença do bispo frei Juan de Zumárraga. Rosas que a “Virgencita morena” tinha feito florescer na colina do Tepeyac, em plena inclemência do inverno. A preciosa imagem que apareceu milagrosamente impressa na “tilma” [manto típico indígena, ndr] era a prova e o sinal definitivo da vontade do Senhor.

E entre essas duas santas mulheres, Maria e Isabel, estabelece-se um diálogo de oração, do qual brotam duas das orações marianas mais conhecidas: uma com que nos dirigimos a nossa Senhora (“Bendita sois vós entre as mulheres e bendito é o fruto do vosso ventre”) e a outra com que Ela se dirige a Deus (“A minha alma proclama a grandeza do Senhor”). São dois tipos de bênção. A primeira vem de Deus: nosso Senhor abençoou Maria, encheu-a da sua graça para que ela fosse a mãe do Filho de Deus; a outra sobe da terra ao céu: Maria, que experimentou a bondade divina, louva a Deus agradecendo e reconhecendo a sua grandeza.

As palavras de Isabel, junto com a saudação do arcanjo Gabriel, formam a ave-maria, certamente a oração mais repetida dentro dos muros desta insigne basílica. “Bendita sois vós entre as mulheres” é a saudação da mãe de São João Baptista, de quem Jesus dirá, mais tarde, que é o maior dentre os nascidos de mulher e que, no entanto, o menor no Reino dos céus é maior que ele (cf. Mt 11,11). Maria é “bendita” porque se fez “escrava” do Senhor, pequena a serviço do Reino dos céus, onde os primeiros são os últimos e os últimos são os primeiros.

E agora ela continua colaborando, como mãe, com o desígnio amoroso de Deus, com o seu plano de redenção. Disto é prova este belo santuário, lugar onde se derrama abundantemente a ternura divina, lugar onde Maria continua levando muitos até o seu Filho. Assim ela prometeu a São João Diego ao lhe pedir uma casinha onde “mostrá-lo a vocês, engrandecê-lo, entregá-lo, Ele que é todo o meu amor, Ele que é o meu olhar compassivo, Ele que é o meu auxílio, Ele que é a minha salvação”.

Vir a rezar a Maria, dizendo-lhe “bem-aventurada”, como Isabel, implica reconhecê-la como modelo de quem crê (“Bem-aventurada és tu porque acreditaste”) e aprender a dizer como ela: “Faça-se em mim segundo a tua palavra” (Lc 1,38). A autêntica oração cristã inclui sempre as palavras do Senhor: “Não se faça a minha vontade, mas a tua” (Lc 22, 42), com que expressamos a confiança de que tudo o que acontece em nossa vida faz parte do amoroso desígnio do Pai. Como crente, Maria é a primeira discípula, que percorreu com Jesus o caminho da vida, desde que, como jovem feliz, ela segurou nos braços o seu menino recém-nascido até que, como mãe dolorosa, chorou abraçada ao corpo sem vida do Filho crucificado.

Aprendamos com Maria a seguir Jesus tanto nos momentos serenos como no meio das provações. Como ela, que nunca abandonou o seu divino Filho, aceitemos em nosso coração a vontade de Deus, sejam quais forem as circunstâncias que temos que atravessar. Se estivermos unidos a Ele no sofrimento, Ele nos fará chegar à glória da ressurreição.

Temos muitas coisas a pedir a Maria: por nós mesmos, pela cura de um familiar, pelos filhos, pelos problemas económicos, sociais... Mas não se esqueçam nunca de pedir aquilo em que Nossa Senhora mais se destaca: a fidelidade a Cristo. Peçamos a ela o seu maior tesouro: o seu Filho Jesus Cristo. Ele é o único Salvador, o médico dos corpos e das almas, a fonte da saúde, aquele que nos reconcilia com Deus, que nos envia o Espírito Santo com todos os seus dons. Supliquemos que Maria nos presenteie Cristo e, com Cristo em nosso coração, enfrentemos a vida diária com as suas alegrias e pesares. Peçamos a nossa Senhora que o seu Filho seja a luz da nossa vida, a paz da nossa alma, a razão que nos leve a servir aos mais relegados, a força que nos encoraje a não pagar mal com mal, a não mentir jamais. E, apresentando a ela os nossos anseios, preocupações, sofrimentos e esperanças, ela, como mãe, saberá compreendê-los e levá-los até o seu Filho, e nos dirá: “Façam o que ele disser” (Jo 2,5), para que a sua vontade seja feita em nossa vida.

Por outro lado, não só vimos rezar a Maria, mas rezar com Maria. E o evangelho nos apresenta a oração com que ela, e nós com ela, nos dirigimos a Deus: “A minha alma proclama a grandeza do Senhor e o meu espírito se alegra em Deus, meu Salvador”. Uma oração que consegue abrir as portas da graça, comover o coração misericordioso de Deus e realizar obras grandes através dela. Não é ela a importante, mas Deus que age. Assim como o precursor João Baptista remete a Jesus, também Maria remete ao seu Senhor. Como João dizia: “Convém que ele cresça e eu diminua”, assim “a honra que o servo rende à rainha recai sobre o rei” (Santo Ildefonso, Livro da Perpétua Virgindade de Santa Maria, XII).

A Igreja aprendeu de Maria que a verdadeira evangelização consiste em “proclamar as grandezas do Senhor”, anunciar e descobrir os frutos da redenção de coração renovado com o ardor do evangelho. Nela podemos ver a maneira como a Igreja se faz presente, com a luz do evangelho, na vida dos povos, nas transformações sociais, económicas, políticas. Santa Maria de Guadalupe é o modelo de uma Igreja peregrina, que não busca a si mesma, que caminha com o seu povo e que não quer ficar de fora dos seus desafios e projectos, das suas angústias e esperanças. Por isso, faz parte da nossa história e nós a sentimos no mais profundo do nosso coração.

Hoje, animados pelo exemplo de Maria em seu serviço aos mais desamparados, peço que todos vocês incluam uma intenção particular na sua oração à nossa mãe pelos imigrantes.

Participei ontem da abertura do colóquio sobre mobilidade humana e desenvolvimento, para avançarmos na defesa dos direitos e da dignidade das pessoas que, em sua busca de trabalho e de melhores condições de vida, se vêem forçadas a abandonar os seus lares e, não poucas vezes, são vítimas de um modelo económico excludente, que não coloca a pessoa humana no centro. Por um lado, abrem-se cada vez mais as fronteiras para o comércio, para o dinheiro, para as novas tecnologias; por outro, as pessoas padecem múltiplas restrições, atropelos e abusos, ficando em situações de vulnerabilidade. Os imigrantes, com frequência, são os rostos sofredores de Cristo em nossos dias, que comovem o coração da sua mãe.

O compromisso em favor da unidade e da reconciliação que vocês, queridos irmãos bispos, assumiram para regenerar a convivência nacional, o diálogo com os diversos agentes sociais, chamados a se encontrar e a colaborar, é a ocasião propícia para propor os valores e as raízes cristãs na edificação de uma sociedade mais justa e solidária, uma sociedade baseada na cultura do encontro, no absoluto respeito à vida humana, no favorecimento infatigável daquilo que une a todos e promove o recíproco entendimento.

Irmãos no Senhor, a minha presença entre vocês quer revitalizar também os laços de afecto e de comunhão que vinculam este amado país com a Santa Sé, laços que sempre distinguiram o catolicismo no México. E, diante de Maria Santíssima, Rainha do Céu e da Terra, pedimos em primeiro lugar por Sua Santidade o papa Francisco, de quem me faço portador de saudação e bênção.

O Santo Padre nos pede sempre que nos lembremos dele em nossas orações. Hoje, colocamos aos pés da Virgem Maria a sua pessoa e as suas intenções como Sucessor de São Pedro. Apresentamos igualmente a nossa Senhora a Igreja que peregrina aqui no México, depositando diante do seu Imaculado Coração os ministros do evangelho, os consagrados, os jovens que se preparam para o sacerdócio ou para a vida religiosa, para que sintam a alegria de se entregar por completo a Deus e aos irmãos. E pedimos insistentemente também pela paz entre as nações, para que a concórdia reine no mundo inteiro.

Mãe de Guadalupe, continua sendo advogada e intercessora nossa; continua nos dando Jesus, e com Ele teremos a vida em plenitude. Amém.

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