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terça-feira, 3 de novembro de 2015

Santos e Defuntos

1. Quem são os santos?
Um bispo, numa celebração de crismas, em que falou da vocação dos cristãos à santidade, perguntou a um acólito, se queria ser santo. Este respondeu espantado: isso não, sr. Bispo. Afinal o que significa ser chamados à santidade, para assustar este jovem?

O evangelho de S. Mateus termina o capítulo sobre as bem-aventuranças com o desafio: sede perfeitos como vosso Pai celeste é perfeito (Mt 5, 48). Afinal será a perfeição o mesmo que santidade? S. Lucas no capítulo sobre as bem-aventuranças usa uma palavra diferente: sede misericordiosos como também vosso Pai é misericordioso (Lc 6, 36). Será santidade, perfeição e misericórdia a mesma coisa?

As palavras expressam as nossas ideias, mas também os nossos sentimentos, a nossa relação afetiva com o que significam e também o meio e ambiente sociais do tempo em que são usadas. Por isso temos de escolher as palavras mais adequadas para exprimir não apenas as nossas ideias, mas também os nossos sentimentos e os das pessoas com quem nos relacionamos. Neste caso inclino-me para a palavra misericórdia como expressão mais adequada da santidade cristã, pois a caridade é o ápice da perfeição. Amar, servir, perdoar, reconciliar-se, rezar pelos inimigos, dar a vida por eles, foi o que fez Jesus e nos convida a fazer o mesmo. Nisto consiste a santidade e a perfeição cristã. É um caminho, um comportamento, um objetivo e a finalidade da vocação cristã e dos dons sacramentais que recebemos, pois sem eles não será possível ser santo a partir do nosso esforço pessoal. Por isso S. Paulo (1 Co 13) fala da caridade como a única virtude que permanece depois da morte, pois Deus é amor. E o místico carmelita S. João da Cruz diz que no ocaso da vida seremos julgados pelo amor. Nele consiste a santidade.

Na visão do Apocalipse, último livro da Bíblia, lemos uma bela passagem usada na liturgia da Festa de Todos os Santos, quando fala da visão da multidão imensa daqueles que estão diante do trono na presença do Cordeiro (Jesus Cristo ressuscitado): esses são os que vieram da grande tribulação, os que lavaram as túnicas e as branquearam no sangue do Cordeiro (Ap.7, 14). Estes são os santos daquela dimensão chamada Igreja triunfante. São os que acreditaram em Jesus Cristo e se deixaram salvar pelo dom da sua vida na Cruz, de onde brotaram os sacramentos, os canais da graça de Deus. Por isso todos somos chamados a ser santos, acolhendo o dom da vida de Jesus e reconhecendo-O presente nos pobres, nos despojados da sua dignidade de filhos de Deus e irmãos nossos. A santidade é o amor de Deus derramado nos nossos corações pelo seu Espírito e a projetar-se nos outros, dando muito fruto.

2. Rezar pelos defuntos?
O mês de novembro começa com a festa de Todos os Santos, mas popularmente é conhecido como o mês dos defuntos. Este é o aspeto que nos toca a todos de perto, mais que a vocação à santidade. A natureza morre e regenera-se, do outono à primavera passando pela letargia e repouso do inverno. Mas para muitos não há regeneração. Ficam-se pelo luto, pelo tabu do sofrimento e da morte. Desenvolvem-se psicologias e terapias para o trauma da morte. São mais um treino do esquecimento que uma cura interior, uma regeneração da confiança na vida em todos os seus estádios.

Para o cristão há a fé na vida eterna, pois Jesus ressuscitou. Rezar pelos nossos entes queridos falecidos é uma afirmação da fé, confiando-os à misericórdia de Deus, que os pode fazer participantes da sua vida para sempre, purificando-os de outros apegos ou amores que não o desejo de contemplar para sempre a face do Senhor. Este ato de fé vai transformando o luto, a solidão, a morte em consolação, conforto e vontade de continuar a viver na esperança dum encontro feliz para sempre. Por isso faz sentido rezar pelos defuntos que marcaram as nossas vidas. Isso é uma terapia, uma cura para quem está de luto e um aprofundamento da comunhão de vida entre nós e os defuntos em Deus. A comunhão dos santos torna-se uma realidade e cura os nossos traumas. 

A ajuda e o conforto espiritual é muito importante nestas situações. Dá pena ver o sofrimento de quem não tem fé e vive situações de luto, de separação de entes queridos. Também na Igreja há movimentos de entreajuda para as diversas situações de luto, como o movimento esperança e vida, mas pouco presente na nossa ação pastoral. Confrange o nosso coração ver como pessoas e seitas aproveitam esses momentos de luto e sofrimento para aprisionar no seu gueto e nos seus interesses quem sofre na solidão. 

Um cristão não pode ficar indiferente perante estas situações. Mas como proceder? Há formações para tudo e investigação académica sobre o assunto, mas o mais importante é aproximar-se das pessoas e, com poucas palavras, fazer-lhes sentir que estamos ali, para acompanhar e ajudar no que for preciso. As exéquias cristãs são uma expressão disso mesmo. São uma oração em momento de tribulação, mas animada pela crença na ressurreição, na vida eterna, na comunhão dos santos. Para quem já passou por morte de pessoas próximas e queridas e teve de presidir a exéquias, sabe bem o que isso significa na própria vida e na daqueles que compartilham a mesma dor. Aqui deixo este apelo para não deixarmos apenas aos psicólogos o acompanhamento na dor, mas aprendamos deles e do tesouro da fé cristã.

† António Vitalino, bispo de Beja


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