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sexta-feira, 18 de julho de 2014

O Cardeal Tarcisio Bertone fala da diplomacia da Santa Sé e rejeita as acusações

Entrevista exclusiva com o Camerlengo da Santa Romana Igreja


Roma, 18 de Julho de 2014 (Zenit.org) Antonio Gaspari


Em 19 de Julho, o cardeal Tarcisio Bertone, secretário de Estado durante o pontificado de Bento XVI, vai visitar o Centro "Papa Luciani" de Santa Giustina, na província de Belluno.

Na ocasião, juntamente com o organizador professor Vincenzo Buonomo, dará uma conferência de apresentação do seu livro "A diplomacia pontifícia em um mundo globalizado" (publicado na LEV - Libreria Editrice Vaticana).

O cardeal Bertone, Camerlengo da Santa Igreja Romana, se reunirá com Mons. Giuseppe Andrich, Bispo de Belluno/Feltre e presidirá a Solene Missa Pontifical na Catedral de San Martino.

ZENIT entrevistou-o para saber um pouco mais das suas actividades e também das críticas que apareceram em parte da imprensa nos últimos tempos, sobre o seu trabalho e sua pessoa.

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ZENIT: Eminência, o senhor publicou um livro intitulado "A diplomacia papal em um mundo globalizado", publicado pela Libreria Editrice Vaticana, com o prefácio do Papa Francisco. O que caracteriza a ação diplomática da Santa Sé? 

Card. Tarcisio Bertone: Especialmente na história moderna a Santa Sé tem realizado um papel intensivo e contínuo para evitar guerras, promover a paz, alimentar o desenvolvimento, promover o respeito pelos direitos humanos e a fraternidade entre os povos. Se pensamos nos dois últimos conflitos mundiais, a Santa Sé procurou de todas as maneiras impedi-los, e, uma vez começados, realizou um trabalho grande para ajudar as vítimas e curar as feridas da guerra. No ano passado ficou mais que evidente o intenso trabalho da Santa Sé e do Papa Francisco para tentar trazer a paz na Síria e na Terra Santa.

O que caracteriza a diplomacia papal pode ser visto até mesmo dando uma olhada no índice do meu livro. Recordando alguns momentos da minha experiência pessoal e algumas viagens que eu fiz, posso destacar a importância das questões que eu tive a oportunidade de apresentar nos vários fóruns internacionais. Por exemplo, a protecção dos direitos humanos, a dignidade humana como fundamento dos direitos, a necessidade de uma garantia internacional da liberdade religiosa, hoje ameaçada em tantos lugares, o desenvolvimento dos povos, que se baseia na solidariedade compartilhada.

Lembro-me, em particular, das reuniões que tive com o presidente da Argentina e o Presidente do Chile, no 25º aniversário da paz do Baegle, ou mesmo a participação na Cúpula de Chefes de Estado e de Governo da Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE) realizada na Astana, no Cazaquistão.

ZENIT: Estamos nos preparando para celebrar o 200º aniversário do nascimento de Dom Bosco. O senhor é filho espiritual deste grande santo. Como o fato de ser salesiano tem influenciado no desempenho da sua missão na Igreja? 
Card. Tarcisio Bertone: Desde a juventude fui marcado pelo carisma vocacional de Dom Bosco: o diálogo e o encontro, a alegria e a esperança, a educação, a humildade e a caridade. E o seu lema "Façamos o bem a todos, o mal a ninguém!" sempre me inspiraram. Estas foram as lições que fortaleceram a minha fé, iluminaram toda a minha vida sacerdotal e episcopal e apoiaram o meu compromisso nesses sete anos como secretário de Estado.

É bem conhecido que um dos dons que a Igreja oferece a nível universal é a acção educativa e a promoção humana em todos os sentidos, bem como a proclamação do Evangelho. E este é o ponto focal do carisma de Dom Bosco. Conhecendo a minha origem Salesiana, alguns chefes de Estado, espontaneamente, se referiam à acção educativa da Igreja nos seus países, até mesmo lembrando os estudos realizados em institutos religiosos e a formação recebida, que os tinham preparado para assumir também cargos de responsabilidade nos vários governos ou na sociedade. Era natural falar sobre questões da juventude, da educação, dos projectos e também receber pedidos de ajuda na área da educação por parte dos responsáveis dos diferentes países, não somente aqueles de religião cristão, mas também muçulmana, budista ou outra crença.

ZENIT: Mas, Eminência, alguns criticaram o modo como o senhor governou a Cúria e o Vaticano. O que você responde a essas acusações?
Card. Tarcisio Bertone: Eu li nos jornais a crítica que me fizeram e tive a impressão de que, às vezes, mais que desejar conhecer a verdade, preferem o estilo da zombaria ou do “copy-paste" de pedaços publicados sem muito discernimento. Um exemplo é a construção da notícia do meu apartamento com a falsa área de 700 metros quadrados, que continua a ser repetida, apesar da negação, para descrever a minha pessoa de modo distorcida, bem distante da realidade.

Me utilizo aqui das palavras do Papa Francisco no prefácio do meu livro: “A medida da vida dos Servos da Igreja não é ditada por aquela “impressão de uma notícia em letras grandes, para que as pessoas pensem que seja uma verdade inquestionável" (J.L. Borges), ao contrário, é tecida, dentro dos limites inerentes à condição e possibilidade de cada um, pela dedicação silenciosa e abnegada ao verdadeiro bem do Corpo de Cristo e ao serviço duradouro pela causa do homem”.

Sobre o governo, deve-se notar, em primeiro lugar, que o Secretário de Estado institucionalmente não governa de forma autoritária e independente, mas cumpre as directrizes e disposições específicas da Autoridade Suprema da Igreja e, portanto, colabora de perto com o Sumo Pontífice em sua missão. Em tudo isto é apoiado por colaboradores capazes e pelos departamentos das suas Secções da Secretaria de Estado, competentes nas várias matérias, estabelecidos pelos diversos documentos pontifícios, como, por exemplo, a Constituição Pastor Bonus especifica que a Secretaria de Estado deve respeitar as diferentes competências e responsabilidades dos Discastérios, como as Congregações, os Tribunais, os Conselhos, a Administração, a Prefeitura dos Assuntos Económicos da Santa Sé, etc. A tarefa da Secretaria de Estado é a de favorecer as relações com os diferentes dicastérios sem prejuízo da sua autonomia e de coordenar o seu trabalho.

ZENIT: Uma dessas críticas, ultimamente, envolveu um investimento em Lux Vide, penhorado pelo senhor. Este investimento também aparece no relatório apresentado pelo IOR no dia 9 de Julho. O senhor poderia comentar?
Card. Tarcisio Bertone: Foi um longo processo de estudo e de discernimento que começou em 2009 e que chegou ao fim em Dezembro de 2013, quando, durante a reunião conjunta da Comissão cardinalícia de Supervisão com a assistência do Prelado e o Conselho de Superintendência (portanto, diante dos órgãos de gestão do IOR) com parecer favorável, apresentei a proposta de colaborar com a Lux Vide para as suas produções de ficção e de verdadeiros filmes com inspiração bíblica e cristã, com fundo educacional e de acordo com os projectos eclesiais de evangelização. A aprovação desta proposta, obtida com unanimidade, foi registada na acta. O problema de estudar os detalhes técnicos desta operação financeira não dependia de mim, mas dos órgãos de direcção do IOR, que teriam mantido as finalidades do Instituto expressas de várias maneiras em favor da Igreja universal. A Lux Vide é uma sociedade relevante no cenário das comunicações na indústria do cinema e da televisão com as características que eu disse. Lembro-me de que o mesmo fundador do IOR, Pio XII, tinha financiado o instituto Luce com a produção do filme "Pastor Angelicus".

ZENIT: Agora que é Secretário de Estado emérito, como são as suas relações com o papa Francisco e com o Papa Bento XVI? Vocês se encontram de vez em quando?
Card. Tarcisio Bertone: As relações são boas e cordiais. A última vez que tive um encontro pessoal com o Papa Francisco, no final de maio, comentamos exactamente este fato do filme "Pastor Angelicus", e ele lembrou de tê-lo visto quando criança em Buenos Aires.

Com o Papa Bento XVI continua uma relação afectuosa e amigável. Ele teve a gentileza de me convidar para o almoço no dia do aniversário do meu sacerdócio, 1 de Julho. Lembramos os "bons velhos tempos" passados juntos no trabalho e na partilha das preocupações, tanto na Congregação para a Doutrina da Fé, quanto durante o meu mandato como secretário de Estado.

ZENIT: Uma última pergunta: como é que você passa o seu tempo?
Card. Tarcisio Bertone: Estou convencido de que um bispo não "abandona” jamais o seu dever pastoral e, enquanto Deus me dá forças, o meu compromisso com a Igreja permanece inalterado, mesmo após a conclusão do serviço da Secretaria de Estado. Por agora, participo na vida e no trabalho de alguns Dicastérios vaticanos na qualidade de Membro, aceito de bom grado ir às paróquias ou comunidades, para as celebrações eucarísticas ou eventos com conferências, etc. (Por exemplo, me preparo para ir à Belluno, no Centro Papa Luciani para a apresentação do meu livro sobre a diplomacia do Vaticano, que depois farei em Pordenone no mês de Setembro), recebo pessoas e grupos que precisam de ajuda e conselhos, recebo correspondência de várias partes e tento responder todas. Estou trabalhando em uma série de publicações. Além disso, me dedico a uma vida de oração, em comunhão com as pessoas que o Senhor me coloca ao lado. (Trad.T.S.)

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