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sábado, 7 de novembro de 2015

Síria: A guerra é por causa do gás. Os nativos lutam, mas os interesses são externos

Entrevista ao padre trinitário, Antonio Aurelio Fernandez. Conta particulares da guerra. Os jovens e a população local são as vítimas, e o ISIS faz a colheita

Roma, 06 de Novembro de 2015 (ZENIT.org) Sergio Mora

Em Aleppo está acontecendo uma guerra por causa do gás. Quem lutam são as pessoas locais, mas por trás estão potências ocidentais. Urge acabar com a guerra, os jovens são aqueles que mais sofrem e o ISIS faz a colheita. Não é justo fazer com que essas pessoas emigrem, obrigando-as a deixar as suas raízes e a sua terra.

Os Trinitários, seguindo seu carisma e vocação, estão apoiando a população local. O Pe. Antonio Aurélio Fernández, presidente de Solidariedade Internacional Trinitária e membro do Observatório do Cativeiro, Línha de Trabalho “Cristãos Perseguidos”, explica a ZENIT alguns detalhes pouco conhecidos da guerra na Síria.

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ZENIT: Qual é o seu trabalho no Oriente Médio e a relação com a vocação dos Trinitários?
- Padre Antonio Aurelio: Os trinitários nascemos em 1198 com uma missão e carisma específico: Dar glória à Trindade e libertar os cativos. Neste contexto histórico, as guerras e as invasões muçulmanas eram constantes no sul da Europa. São João da Mata, fundou a Ordem para libertar os cristãos que estavam nas masmorras muçulmanas e que corriam o risco de perder a sua fé em Cristo por causa da situação que estavam vivendo.

Hoje em dia, a Família Trinitária está presente não só no Oriente Médio, mas também em outros países onde existe perseguição pela fé em Cristo e a fidelidade à sua mensagem. Atuamos no Oriente Médio, Índia e China. Também desenvolvemos projeto para ajudar os cristãos perseguidos em países como Sudão, Egipto, Paquistão, etc.

Nosso trabalho nestes locais é fundamental acompanhar as comunidades em situações de perseguição. Fazemos isso por meio dos sacramentos e auxiliares em recursos básicos para todas as famílias que não possuem os meios e são excluídos por causa de sua fé.

ZENIT: O que está acontecendo na cidade de Aleppo?
- Padre Antonio Aurelio: Aleppo entre várias frentes. Por um lado o governo de Bashar al-Assad, por outro o chefe dos rebeldes e por outro a frente do Daesh ou auto-proclamado Estado Islâmico. A Síria tem um terço das reservas mundiais de petróleo. Mas também é um grande produtor de gás que pode ser exportado para a Europa e outros lugares. Atualmente não é possível tirar estes recursos pela Síria e estão saindo pelo canal de Suez, ou seja, aumentando os quilómetros de transporte e os impostos colocados pelos países por onde passa o petróleo e o gás. Ou seja, a Síria tem fácil acesso ao mar para exportar esses produtos. Não esqueçamos que a Rússia, até pouco tempo atrás, entrou em disputa com a Europa por causa do gás que exporta e obrigou os países europeus a aceitas as condições impostas pelo Kremlin. Rússia tem a chave para abrir e fechar o gás na Europa.

A condução desse gás poderia ser feita através da Síria, mas de quem seria o direito de distribuí-lo, ou seja, de abrir e fechar o registo? A este ponto compreendemos que a guerra na Síria é realmente uma guerra entre a Rússia e os EUA-Europa (uma “atualização” da guerra fria). A Rússia é apoiada pela Síria, Irão e China. Por outro lado a oposição do Al Asad é apoiada pelos Estados Unidos, França, Inglaterra, Israel e Arábia Saudita. Daí a contínua suspeita dos habitantes do Oriente Médio de que realmente o que está acontecendo são invasões ocidentais, porque, apesar de serem guerras em seus próprios países, são os outros que estão programando.

Aleppo está no lugar estratégico de tudo isso e, portanto, no centro de toda luta e de toda invasão.

ZENIT: E o que acontece com os jovens e crianças?
- Padre Antonio Aurelio: O bombardeio contínuo a esta cidade, provocado pelas três facções que lutam nela, faz com que os edifícios estejam cada vez mais deteriorados e destruídos. As escolas são parte desse bombardeio. É muito difícil dar aula, estão sem espaços. Além do mais, a falta de dinheiro para pagar os professores, faz com que estes tenham que ir procurar a sua própria subsistência em outros lugares ou em outros negócios, fazendo que, na prática, não existam escolas e nem instrução para as crianças. Elas se dedicam durante todo o dia a perambular e mendigar, sem lutar por um futuro. Aí entram os grupos terroristas islâmicos, que se apresentam aos jovens como os seus salvadores e como os únicos que podem oferecer um futuro. Os jovens, diante do dinheiro fácil e o cumprimento dos seus desejos, são captados pelos grupos islâmicos, especialmente pelo Daesh. Nosso projeto é financiar todas as escolas cristãs de Alepo para que os jovens se convençam de que são eles que devem trabalhar pelo futuro do seu país, e fazê-lo através da formação e da educação. Além do mais, não estarão mendigando nem oferecendo a sua vida ao terrorismo e à guerra, mas se formarão para poder ajudar no desenvolvimento do seu país.

ZENIT: É possível ter uma vida normal nesta situação?
- Padre Antonio Aurelio: Não. Na situação atual da Síria, não é possível falar de vida normal. O normal lá é sobreviver. Não tem água corrente, não tem eletricidade. Os alimentos estão em falta e o resta subiu consideravelmente o preço. Os hospitais são bombardeados e não há medicamentos. Os jovens são recrutados pelo terrorismo. As igrejas são demolidas e os cristãos são perseguidos. A mortalidade infantil dobrou. Efetivamente, não é possível ter uma vida normal lá.

ZENIT: Qual a esperança que resta para as pessoas de lá?
- Padre Antonio Aurelio: A única esperança que resta, por agora, é que a guerra acabe. Se esta situação não terminar, não será possível fazer nada. Não poderão construir os prédios, não poderão trabalhar (porque não existe trabalho), não poderão ter uma vida familiar. Não existe esperança enquanto haja guerra. Não há esperança enquanto haja terror. A única esperança é que desapareça o terror das suas vidas.

ZENIT: Emigrar é a solução?
- Padre Antonio Aurelio: Emigrar não é uma solução em nenhum dos casos. Todos nós nascemos em um determinado país, com uma cultura particular. Temos o direito de viver nesse país e nesse ambiente. Ninguém quer deixar o seu país ou sua família ou sua vida. Ninguém quer ir para o desconhecido, para o diferente. Mas também é verdade que ninguém quer morrer de fome. Ninguém quer morrer por bombas ou tiros. Ninguém quer viver entre as ruínas e o desespero. Em suma, ninguém quer viver em guerra. Portanto, eles se sentem obrigados a emigrar. A verdadeira solução é parar a guerra e que todos os refugiados possam regressar às suas casas, suas famílias, sua cultura, sua vida. À vida que eles fizeram crescer e desenvolver no seu país. Para a guerra e que possam encontrar-se com os seus amigos, com os seus núcleos religiosos. Para a guerra e que descubram de novo a esperança de viver.

ZENIT: Como dar-lhes esperança?
- Padre Antonio Aurelio: Sem esquecer aqueles que permaneceram lá. Não somente temos que acolher os refugiados, que precisam de nós. Mas, não temos que nos esquecer daqueles que ficaram nestes países de guerra. Eles continuam sob as bombas. Eles continuam sofrendo a carência de água. Continuam passando fome, sem poder encontrar alimentos. Eles são os mais pobres, porque não têm dinheiro para pagar as máfias e sair dos seus países em guerra. Eles continuam morrendo por causa das bombas e dos tiros. Estes são aqueles que realmente temos que ajudar. Mas também existem pessoas na Síria e Iraque que não quiseram deixar o seu país. Jovens cristãos que querem ser protagonistas da construção das suas nações e que no meio da guerra decidiram, livremente, ficar para ajudar e reconstruir o seu país. Eles também merecem nossa ajuda e nossa oração. Eles merecem nosso apoio e nossa admiração. Porque eles serão os construtores de esperança em meio à desesperança.

(06 de Novembro de 2015) © Innovative Media Inc.
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