Entrevista
ao padre trinitário, Antonio Aurelio Fernandez. Conta particulares da
guerra. Os jovens e a população local são as vítimas, e o ISIS faz a
colheita
Roma,
06 de Novembro de 2015
(ZENIT.org)
Sergio Mora
Em Aleppo está acontecendo uma guerra por causa do gás. Quem lutam
são as pessoas locais, mas por trás estão potências ocidentais. Urge
acabar com a guerra, os jovens são aqueles que mais sofrem e o ISIS faz a
colheita. Não é justo fazer com que essas pessoas emigrem, obrigando-as
a deixar as suas raízes e a sua terra.
Os Trinitários, seguindo seu carisma e vocação, estão apoiando a
população local. O Pe. Antonio Aurélio Fernández, presidente de
Solidariedade Internacional Trinitária e membro do Observatório do
Cativeiro, Línha de Trabalho “Cristãos Perseguidos”, explica a ZENIT
alguns detalhes pouco conhecidos da guerra na Síria.
***
ZENIT: Qual é o seu trabalho no Oriente Médio e a relação com a vocação dos Trinitários?
- Padre Antonio Aurelio: Os trinitários nascemos em 1198 com uma
missão e carisma específico: Dar glória à Trindade e libertar os
cativos. Neste contexto histórico, as guerras e as invasões muçulmanas
eram constantes no sul da Europa. São João da Mata, fundou a Ordem para
libertar os cristãos que estavam nas masmorras muçulmanas e que corriam o
risco de perder a sua fé em Cristo por causa da situação que estavam
vivendo.
Hoje em dia, a Família Trinitária está presente não só no Oriente
Médio, mas também em outros países onde existe perseguição pela fé em
Cristo e a fidelidade à sua mensagem. Atuamos no Oriente Médio, Índia e
China. Também desenvolvemos projeto para ajudar os cristãos perseguidos
em países como Sudão, Egipto, Paquistão, etc.
Nosso trabalho nestes locais é fundamental acompanhar as comunidades
em situações de perseguição. Fazemos isso por meio dos sacramentos e
auxiliares em recursos básicos para todas as famílias que não possuem os
meios e são excluídos por causa de sua fé.
ZENIT: O que está acontecendo na cidade de Aleppo?
- Padre Antonio Aurelio: Aleppo entre várias frentes. Por um lado o
governo de Bashar al-Assad, por outro o chefe dos rebeldes e por outro a
frente do Daesh ou auto-proclamado Estado Islâmico. A Síria tem um terço
das reservas mundiais de petróleo. Mas também é um grande produtor de
gás que pode ser exportado para a Europa e outros lugares. Atualmente
não é possível tirar estes recursos pela Síria e estão saindo pelo canal
de Suez, ou seja, aumentando os quilómetros de transporte e os impostos
colocados pelos países por onde passa o petróleo e o gás. Ou seja, a
Síria tem fácil acesso ao mar para exportar esses produtos. Não
esqueçamos que a Rússia, até pouco tempo atrás, entrou em disputa com a
Europa por causa do gás que exporta e obrigou os países europeus a
aceitas as condições impostas pelo Kremlin. Rússia tem a chave para
abrir e fechar o gás na Europa.
A condução desse gás poderia ser feita através da Síria, mas de quem
seria o direito de distribuí-lo, ou seja, de abrir e fechar o registo? A
este ponto compreendemos que a guerra na Síria é realmente uma guerra
entre a Rússia e os EUA-Europa (uma “atualização” da guerra fria). A
Rússia é apoiada pela Síria, Irão e China. Por outro lado a oposição do
Al Asad é apoiada pelos Estados Unidos, França, Inglaterra, Israel e
Arábia Saudita. Daí a contínua suspeita dos habitantes do Oriente Médio
de que realmente o que está acontecendo são invasões ocidentais, porque,
apesar de serem guerras em seus próprios países, são os outros que
estão programando.
Aleppo está no lugar estratégico de tudo isso e, portanto, no centro de toda luta e de toda invasão.
ZENIT: E o que acontece com os jovens e crianças?
- Padre Antonio Aurelio: O bombardeio contínuo a esta cidade,
provocado pelas três facções que lutam nela, faz com que os edifícios
estejam cada vez mais deteriorados e destruídos. As escolas são parte
desse bombardeio. É muito difícil dar aula, estão sem espaços. Além do
mais, a falta de dinheiro para pagar os professores, faz com que estes
tenham que ir procurar a sua própria subsistência em outros lugares ou
em outros negócios, fazendo que, na prática, não existam escolas e nem
instrução para as crianças. Elas se dedicam durante todo o dia a
perambular e mendigar, sem lutar por um futuro. Aí entram os grupos
terroristas islâmicos, que se apresentam aos jovens como os seus
salvadores e como os únicos que podem oferecer um futuro. Os jovens,
diante do dinheiro fácil e o cumprimento dos seus desejos, são captados
pelos grupos islâmicos, especialmente pelo Daesh. Nosso projeto é
financiar todas as escolas cristãs de Alepo para que os jovens se
convençam de que são eles que devem trabalhar pelo futuro do seu país, e
fazê-lo através da formação e da educação. Além do mais, não estarão
mendigando nem oferecendo a sua vida ao terrorismo e à guerra, mas se
formarão para poder ajudar no desenvolvimento do seu país.
ZENIT: É possível ter uma vida normal nesta situação?
- Padre Antonio Aurelio: Não. Na situação atual da Síria, não é
possível falar de vida normal. O normal lá é sobreviver. Não tem água
corrente, não tem eletricidade. Os alimentos estão em falta e o resta
subiu consideravelmente o preço. Os hospitais são bombardeados e não há
medicamentos. Os jovens são recrutados pelo terrorismo. As igrejas são
demolidas e os cristãos são perseguidos. A mortalidade infantil dobrou.
Efetivamente, não é possível ter uma vida normal lá.
ZENIT: Qual a esperança que resta para as pessoas de lá?
- Padre Antonio Aurelio: A única esperança que resta, por agora, é
que a guerra acabe. Se esta situação não terminar, não será possível
fazer nada. Não poderão construir os prédios, não poderão trabalhar
(porque não existe trabalho), não poderão ter uma vida familiar. Não
existe esperança enquanto haja guerra. Não há esperança enquanto haja
terror. A única esperança é que desapareça o terror das suas vidas.
ZENIT: Emigrar é a solução?
- Padre Antonio Aurelio: Emigrar não é uma solução em nenhum dos
casos. Todos nós nascemos em um determinado país, com uma cultura
particular. Temos o direito de viver nesse país e nesse ambiente.
Ninguém quer deixar o seu país ou sua família ou sua vida. Ninguém quer
ir para o desconhecido, para o diferente. Mas também é verdade que
ninguém quer morrer de fome. Ninguém quer morrer por bombas ou tiros.
Ninguém quer viver entre as ruínas e o desespero. Em suma, ninguém quer
viver em guerra. Portanto, eles se sentem obrigados a emigrar. A
verdadeira solução é parar a guerra e que todos os refugiados possam
regressar às suas casas, suas famílias, sua cultura, sua vida. À vida
que eles fizeram crescer e desenvolver no seu país. Para a guerra e que
possam encontrar-se com os seus amigos, com os seus núcleos religiosos.
Para a guerra e que descubram de novo a esperança de viver.
ZENIT: Como dar-lhes esperança?
- Padre Antonio Aurelio: Sem esquecer aqueles que permaneceram lá.
Não somente temos que acolher os refugiados, que precisam de nós. Mas,
não temos que nos esquecer daqueles que ficaram nestes países de guerra.
Eles continuam sob as bombas. Eles continuam sofrendo a carência de
água. Continuam passando fome, sem poder encontrar alimentos. Eles são
os mais pobres, porque não têm dinheiro para pagar as máfias e sair dos
seus países em guerra. Eles continuam morrendo por causa das bombas e
dos tiros. Estes são aqueles que realmente temos que ajudar. Mas também
existem pessoas na Síria e Iraque que não quiseram deixar o seu país.
Jovens cristãos que querem ser protagonistas da construção das suas
nações e que no meio da guerra decidiram, livremente, ficar para ajudar e
reconstruir o seu país. Eles também merecem nossa ajuda e nossa oração.
Eles merecem nosso apoio e nossa admiração. Porque eles serão os
construtores de esperança em meio à desesperança.
(06 de Novembro de 2015) © Innovative Media Inc.
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