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quinta-feira, 5 de novembro de 2015

Philippe Ariño: “O nosso maior inimigo é a heterossexualidade. A Igreja católica nunca a defendeu”

ZENIT entrevista o famoso "homossexual católico", como o definiram várias mídias católicas no passado. Trata-se de Philippe Ariño, francês, intelectual de 35 anos, cantor e ensaísta.

Paris, 05 de Novembro de 2015 (ZENIT.org) Thácio Siqueira

Um rosto alegre, sorridente, um cara simpático e com bastante espiritualidade. Trata-se de Philippe Ariño, a quem rebatizei de Felipe, para nós brasileiros e portugueses. Francês, ele é um intelectual católico de 35 anos, cantor (veja aqui) e ensaísta -(ver seu blog a aranha do deserto e também o seu blog CUCH - católicos unidos contra a heterossexualidade) -."De forma quase acessória, também homossexual", segundo ele mesmo diz.

Mora em Paris. Escolheu viver a sua atração sexual na continência (abstinência por Cristo) e se opõe tanto às uniões civis quanto ao “matrimónio homo”. Escreveu vários livros sobre a homossexualidade, a homofobia, um Dicionário dos símbolos homossexuais. E agora, prepara um terceiro livro sobre os frikis bohemios e o Fim dos tempos.

Após uma longa conversa por Skype resolvi entrevista-lo e trazer para os nossos leitores não só um testemunho, mas também a vida de uma pessoa que encontrou a sua vocação na Igreja. Acompanhe essa conversa abaixo.

***

ZENIT: Felipe, nos últimos anos você concedeu várias entrevistas para a mídia, até mesmo mídias católicas, como a própria Radio Vaticana. Na sua opinião, por que, em um primeiro momento, o seu testemunho chamou a atenção do mundo, especialmente do mundo católico?
Felipe: Porque as pessoas sentem que existe um desafio de santidade e de salvação por trás da homossexualidade, mas são saberiam dizer o motivo. Sentem que as pessoas homossexuais são, às vezes, pessoas adoráveis, que não escolheram a sua atração pelas pessoas do mesmo sexo... e, assim sendo, eles não entendem porque essa falta de liberdade estaria marcada pelo pecado e as privaria da Salvação, ou simplesmente do “amor”.

Os católicos, também, estão muito desorientados por causa dos mitos sociais da identidade homossexual (a “saída do armário”) e por causa da crença social no “amor” homossexual (do “casal” homossexual), cada vez mais idealizados e banalizados pelos meios de comunicação e os políticos, já que sabem que , na prática, estes dois mitos escondem muito sofrimento, insatisfação e violências.

Então, eles têm vontade de entender este misterioso abismo que existe entre intenção e prática, entre desejo e realidade, entre amizade com as pessoas homossexuais e vida normal íntima e amorosa delas.

Existe uma fascinação social em torno da homossexualidade, dado que as pessoas intuem uma violência (meus livros tratam também dos nexos não causais entre o desejo homossexual e o estupro), porém, essa violência é maquilhada de amor.

O outro dilema interior que os católicos têm e que causa fascinação, é o fato de ver juntos, em uma pessoa viva de carne e osso, como eu, dois aspectos (a fé e a homossexualidade) que a sua razão e a sociedade, no geral, normalmente, opõem. E dizem: tal milagre de unidade alegre só é possível por causa da santidade.

ZENIT: E agora? O que aconteceu? Você sente que continua sendo compreendido entre os católicos? Por quê?
Felipe: Meu discurso sobre a homossexualidade nunca foi melhor recebido do que pelos católicos. Por isso, não tenho do que reclamar. As pessoas da Igreja, embora demonstrem pouco conhecimento e análise da homossexualidade, todavia, porém, demonstram menos do que os ateus gay friendly.

Dito isso, percebo que três quartos dos católicos acreditam na existência do “amor” homossexual. E a quarta parte que sobra, e que se opõe a ele, não sabe o motivo, e não se opõe a esse “amor” pelas razões certas, nem com a caridade-verdade apropriada. Normalmente eles desprezam as palavras “homossexualidade”, “heterossexualidade” e “homofobia”, considerando-as como irrealidades das quais é importante não falar. Como entenderão, não ajudam nem os pro-gays, nem os anti-gays, nem os indiferentes. E estas três categorias, no geral, formam só uma. Depende dos momentos, das modas e da direção do vento.

ZENIT: O seu primeiro livro teve mais de 10 mil cópias vendidas na França. E seu segundo livro sobre a homofobia? Na sua opinião, por que não teve o mesmo interesse?
Felipe: Os católicos gostam da pessoa homossexual (incluída a católica) enquanto podem usá-la como cortina de fumaça contra a acusação de homofobia. Mas, não gostam que essa pessoa entre em detalhes ou fale de homofobia e de heterossexualidade.

Para a maioria deles se torna “muito complicado”. Enquanto o seu testemunho continua sendo pessoal, emocional, exemplar, e não se universaliza muito, tudo está bem. Uma vez que colocam em causa a relação dolorosa que eles têm com a diferença de sexos e com a Igreja, então, a testemunha homossexual se torna mais tediosa e menos "divertida".

A homossexualidade é o sinal social de que os homens e as mulheres já não se encontram, e que os católicos já não obedecem a Igreja. Ao descobrir esta problemática escondida da homossexualidade, este espelho de si mesmos, os católicos não exaltam por muito tempo a sua testemunha incómoda. Nós, as pessoas homossexuais, somos espelhos vivos da fragilidade do seu matrimónio, da sua família, da sua fé.

ZENIT: Terminou recentemente, em Roma, o Sínodo sobre a família. Com relação à homossexualidade, você vê que os padres sinodais discutiram o essencial?
Felipe: Não. Nada foi dito. A homossexualidade transformou-se num problema inexistente. Tudo isso - que é o pior! – em nome de um sadio humanismo espiritual (“Não sois só isso. Sois homem ou mulher, e Filhos de Deus”) e do foco sobre a Caridade (Nós não os julgamos, os acolhemos e oferecemos-lhes um acompanhamento específico”).

Na verdade, com este Sínodo, tivemos direito à mensagem da Caridade sem a Verdade, do Pão sem a Taça, do chamado à Castidade sem a forma concreta do celibato continente e da Cruz, do acompanhamento sem a vocação e sem o contexto do dom total da sua pessoa ao mundo e a Deus. Ou a homossexualidade foi varrida em nome da sua caricatura militante.

Até alguns bispos africanos ocidentalizaram a homossexualidade e a transformaram em símbolo da prostituição eclesial do liberalismo e do progressismo contemporâneo. O que as pessoas permanentemente homossexuais precisavam não era de um ACOMPANHAMENTO (psicológico, espiritual, fraterno, “casto”, “amistoso”, “santo”, o que você quiser), mas de uma VOCAÇÃO (que se enquadra tanto com o matrimónio de amor homem-mulher quanto com o celibato consagrado e a evangelização em escala universal)...

Este silêncio sinodal é muito preocupante, já que não conheço um tema mais conflitivo na Igreja e mais explosivo socialmente como a homossexualidade quando esta não é tratada. Porém é um tema santificador, na Igreja, quando a homossexualidade é generosa e vivida na verdade. Eu iria ainda mais longe. A homofobia (= o medo ao igual, e então, o medo à homossexualidade) eclesial esconde um medo ainda mais preocupante: o do celibato continente. O celibato deveria ser o coração do clero. Se até aqueles que, supõe-se que o vivem, temem oferece-lo, então, significa que a casa está realmente pegando fogo!

ZENIT: Sabemos que o documento final do Sínodo é apenas sugestões para o Papa, que já anunciou que vai escrever uma exortação apostólica. O que você gostaria que o Papa colocasse nessa exortação, se lhe fosse possível enviar uma contribuição também?
Felipe: Idealmente, eu gostaria que o Papa defendesse estas três grandes verdades sobre a homossexualidade:

a) Colocar a homossexualidade no primeiro plano (do Sínodo, da política internacional, da Igreja, do mundo).

Como? Dizendo que não é nem uma identidade, nem amor, mas que, apesar de tudo, continua sendo um tema crucial porque é o principal álibi mundial a favor da eliminação da diferença sexual e a favor da banalização/destruição da família/do matrimónio/do celibato consagrado/ da Igreja.

Por que essa primeira verdade corre o risco de ser silenciada? Porque os cardeais normalmente colocam a homossexualidade em último lugar. Este já foi o caso durante as conferências pré-sinodais de outubro de 2014. Eles se centram no não-julgamento das pessoas homossexuais, na acolhida benévola, na desvalorização da homossexualidade, em nome de um humanismo anti-comunitarista e anti-essencialista, em nome de uma recusa de conformar-se à ideologia libertária, sentimentalista e relativista do Ocidente, em nome de uma sacralização cómoda do matrimónio/da família/ da diferença de sexos (as estátuas dos esposos Martin, banhadas a ouro!).

b) Denunciar pública e explicitamente a heterossexualidade como o diabo disfarçado de diferença sexual.

Como? Dizendo que a heterossexualidade é uma diferença de sexos forçada e bissexual/assexual/libertina, que não respeita em nada às diferenças de sexos amantes. Explicando e dando sua génese, em vez de transformá-la em uma “falsa questão” ou um “tema marginal”.

Por que esta segunda verdade corre o risco de ser silenciada? Porque a análise da heterossexualidade é tão desprezada e banalizada quanto o da homossexualidade, em nome de um universalismo espiritual/antropológico e da ideologia do humanismo integral (humanismo que defende, nesse caso, um desprezo da sexualidade, confundida e reduzida à genitalidade).

c) Colocar as pessoas homossexuais continentes no primeiro plano, atrevendo-se a anunciar-lhes concretamente a cor da sua Cruz e, especialmente, da sua Missão/Vocação específica e universal de Igreja.

Como? Em vez de propor às pessoas permanentemente homossexuais um simples acompanhamento ou uma restauração de si mesmas, oferecer-lhes algo GRANDE: um lugar inteiro na Igreja, uma vocação, um diácono, (uma consagração oblativa especial, uma ordem religiosa?), uma oferta delas mesmas à santidade, ao mundo, através do celibato continente e da obediência à Igreja.

Por que essa terceira verdade corre o risco de ser ignorada? Porque no melhor dos casos, é oferecido aos homossexuais a castidade (sem a forma concreta da continência ... por medo de nomear a sua Cruz específica, para direcionar as pessoas para o caminho estreito do celibato sacerdotal... além do mais, sem o sacramento da ordem), na pior das hipóteses deixa-se os homossexuais de lado, oferecendo-lhes um acompanhamento discreto, uma pastoral tímida (Courage), um conceito obscuro de “amor de amizade” (tradução ambígua do philia grego).

ZENIT: Com frequência você fala que os católicos de hoje se escondem por trás de certas palavras, mas que não enfrentam o problema principal. Fale um pouco disso.
Felipe: Sim. Para assustar ou assustar-se e mobilizar o mundo em torno de si, escondem-se atrás de conceitos teóricos que até mesmo aqueles que os aplicam os desprezam ou não sabem o que são: o Género, o lobby LGBT (ouvido como o lobby homossexual), a Procriação com Ajuda Médica (PMA), as barrigas de aluguel. Eles estão acostumados a demonizar as consequências, e valorizam as causas.

Por exemplo, nunca se deram conta de que os pro-Gender eram anti-Gender, de que o Gender era a heterossexualidade, e de que a União Civil era o “matrimónio para todos”. Portanto, são capazes de estar a favor da União Civil e ao mesmo tempo de opor-se ao “matrimónio gay”, ou de definir-se a si mesmos como heterossexuais, enquanto que demonizam o “lobby LGBT” e o Gender. Até argumentam que a “sexualidade não é só sexual”! Para eles, não existe nenhuma contradição!

ZENIT: E o "amor homossexual", existe?
Não. O amor é a aceitação da diferença. Vemo-lo em cada momento da nossa vida. Cada vez que não queremos é quando rejeitamos a diferença, e, especialmente a diferença que nos fundamenta, aquela que nos permite existir e entregar-nos plenamente, ou seja, a diferença de sexos.

O amor é a aceitação da diferença sexual. Isso também é válido tanto para os solteiros e amigos quanto para os casais. Ao dizer isso, de nenhuma maneira faço a apologia do matrimónio e da procriação. Muito menos idealizo todos os casais homem-mulher. Não basta com integrar a diferença de sexo no seu casal para que aquela seja acolhida e honorificada.

A diferença sexual, por si só, não é uma garantia de amor. Mas, quando ela é realmente respeitada e coroada pelo amor, transforma-se no melhor para existir e para amar. Isso se vê tanto no matrimónio quanto no celibato consagrado.

ZENIT: Você é um homossexual ou se sente um homossexual?
Felipe: Nem uma coisa nem outra. Sou um homem e um Filho de Deus. Sinto em mim uma atração homossexual profundamente arraigada, que não me define, mas que condiciona seriamente a minha existência. Como um medo persistente, uma menos-valia objetivamente... incapacitante, uma realidade duradoura da minha vida e que (por agora) nem a oração, nem os sacramentos conseguiram erradicar. Mas, se Deus permite a minha homossexualidade, será por uma missão maior, senão Ele teria retirado de mim.

ZENIT: Por que você vive em continência? Qual é a diferença entre a continência, castidade e celibato?
Felipe: Vivo a continência, pois ela me permite entregar-me a mim mesmo por completo, em todas as dimensões do meu ser, à Igreja e ao mundo. Até mesmo me permite dar a minha homossexualidade sem a vergonha que traria a sua prática. Assim, com a continência, tenho todos os benefícios do desejo homossexual sem os inconvenientes (embora não tenho que servir-me da continência para instalar-me na homossexualidade, nem utilizá-la para escapar das duas únicas vocações propostas pela Igreja: o matrimónio de amor homem-mulher ou o celibato consagrado.

A diferença entre a continência, a castidade e o celibato/a abstinência, qual é? É muito simples: 1) a castidade é a virtude universal à qual todos estão chamados nas suas relações, qualquer que seja o seu estado de vida (solteiro ou casado). É a distância justa que permite a relação e escapar da fusão mortal (incesto). 2) a abstinência é algo neutro (como a tolerância). Tudo depende do que se abstém e por quê. A abstinência nem sempre está ligada a uma escolha, portanto, não é um caminho de vida e de dom total da sua pessoa. O celibato em si não tem sentido: recupera sentido uma vez que se integra em um processo de dom completo da sua pessoa ao Amor único que é Cristo. 3) a continência é uma abstinência escolhida e vivida unicamente pelos célibes consagrados, é uma abstinência não-frustrante porque é oferecida a Deus e aos demais. Os casais homem-mulher não são chamados à continência: as formas da sua castidade não lhes faz renunciar à sua afetividade, ao sentimento, à genitalidade, à procriação... diferentemente da continência dos solteiros consagrados (no sacerdócio ou por votos não sacramentais). Fica claro, não?

ZENIT: Há dor na prática da homossexualidade?
Felipe: Sim. Porque quando se exclui a diferença sexual, tanto na amizade quanto no amor, se exclui o outro e você se exclui a si mesmo... embora, no começo, a prática homossexual proporcione algum prazer e as satisfações da amizade, na verdade, a homossexualidade praticada é um massacre da amizade – já que se vive uma amizade amorosa complicada – e um massacre do amor – porque se vive uma sexualidade sem sexualidade, sem a diferença de sexo. Uma realidade impossível, em parte. Até mesmo quando se está bem, não é o melhor. A união homossexual, às vezes, pode satisfazer, mas não preenche.

ZENIT: Como dialogar com a ideologia? É possível?
Felipe: Sim. É possível. Porque, muitas vezes, as pessoas se fazem gay friendly por ignorância e por causa de uma má experiência de sexualidade ou de Igreja que as feriu. Portanto, temos muito a fazer. Mas podemos alcança-las pelo nosso testemunho pessoal, muito mais eloquente do que todos os discursos teóricos.

E em quanto ao conteúdo e as condições de um diálogo sobre a homossexualidade, eu tenho experimentado que a escuta, o humor e a alegria são os melhores argumentos. Dado que os nossos detratores não se importam se estamos certos ou não: só querem comprovar se somos capazes de amá-los antes de buscarmos ter razão. Também acredito que só derrotaremos a ideologia dominante se reconhecermos a sua sinceridade e as suas boas ações.

Sem rejeitar o seu jargão - que se limita ao uso de três palavras "heterossexualidade/homossexualidade/ homofobia" – mas, pelo contrário, usá-lo e falar das realidades às quais se referem. E quando confrontados com as realidades dolorosas e violentas que se escondem por trás destas palavras, as pessoas que as usam não serão tentadas a usá-las novamente! É particularmente urgente combater o conceito de heterossexualidade, o pilar inconsciente da ideologia libertina e sentimental que rege nosso mundo.

A heterossexualidade é a mestra: cada lei pro-gays passa em seu nome. Reconhecendo a ideologia LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transsexual) como heterossexualidade, ou seja, todas as alteridades a nível da sexualidade (a heterossexualidade é o verdadeiro nome do Género, na cabeça e no coração das pessoas) sairemos dos nossos argumentos de natalidade muito focados na criança, na família e no matrimónio, e falaremos com todos. E, além do mais, obedecemos realmente a Igreja que nunca defendeu a heterossexualidade.

(05 de Novembro de 2015) © Innovative Media Inc.
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