O Cardeal Mauro Piacenza explica os fundamentos e os rituais do tempo litúrgico que está começando
A Quaresma é um tempo que corresponde uma exigência
irreprimível do coração humano: a da mudança e da conversão. Um caminho
que não pode deixar de passar pela “virtude da penitência”, que implica a
participação nos sofrimentos de Nosso Senhor, na Sua Morte e
Ressurreição. Para ilustrar as características do tempo litúrgico que
começamos recentemente, ZENIT entrevistou o cardeal Mauro Piacenza,
Penitenciário-Mor da Santa Romana Igreja.
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ZENIT: Eminência, com a Quaresma, começa um tempo fortemente
penitencial. Ainda faz sentido falar de penitência hoje? E em que
termos?
Card. Mauro Piacenza: Com o rito da imposição das cinzas, toda a
Igreja entra no tempo da Quaresma, com a consciência de entrar em um
“espaço sagrado” que Deus dispôs para os seus filhos, para se
converterem. A penitência é, principalmente, memória da oferta que
Jesus fez de si ao Pai, para nós e para a nossa salvação. Nós, cristãos,
“fazemos penitência", só porque participamos da vida, da morte e da
ressurreição de nosso Senhor.
ZENIT: A Quaresma é um tempo favorável para viver com
sinceridade, a virtude da penitência. O Rito das cinzas não é algo
incompreensível hoje? Espalhar sobre a cabeça um pouco de cinzas
significa o que para o homem de 2015?
Card. Mauro Piacenza: É um rito muito antigo, com um sentido de
penitência já definido no Velho Testamento. A mesma fórmula de imposição
diz: "Lembre-se que és pó e em pó te tornarás" (ou "convertei-vos e
crede no Evangelho”), quase que recorda – e quem mais do que o homem
moderno tem essa urgente necessidade? – que esta existência terrena não é
o único horizonte da vida, da vida verdadeira. Podemos dizer que com o
ritual das cinzas toda a Igreja, cada ano, lança um desafio, sempre
actual, especialmente para esta cultura hedonista ocidental, recordando
ao homem o seu limite, dentro do qual cada homem “grita” uma necessidade
de infinito, de eternidade. Este é o sentido das cinzas: recordar ao
homem que é criatura e não Criador, lembrar para ele que tem sempre
necessidade de Deus, convida-lo à humildade, que é verdade, e a
converter-se a Deus de todo o coração.
Não esqueçamos também que as cinzas, que são utilizadas no ritual,
são obtidas queimando os ramos do domingo de ramos do ano anterior, em
uma continuidade ideal entre a entrada em Jerusalém, com o começo da
“grande semana” da salvação (a Semana Santa), e a entrada dos fieis no
caminho penitencial que levará à Páscoa. Nada na liturgia é por acaso,
nem pode ser improvisado.
ZENIT: As penitências tradicionais ainda significam algo hoje? Existem novas penitências, hoje, a serem propostas?
Card. Mauro Piacenza: Fazer penitência, não para “ganharmos” a
salvação, mas participar da salvação que Cristo nos conseguiu e doou
gratuitamente. Os três modos clássicos de fazer penitência, como Jesus
mesmo indica no Evangelho são: a oração, o jejum e a esmola, que já
estavam presentes na cultura hebraica do tempo do Senhor.
Se na Quaresma fôssemos capazes de maior silêncio, seria uma
grandíssima ajuda para viver melhor este tempo. Por exemplo, quem
impediria de escolher, pelo menos na sexta-feira, de não ligar o rádio,
nem a televisão, nem a internet, dedicando o tempo aos afectos mais
queridos, com os quais, talvez, se pudesse rezar juntos um Santo Terço?
Pensemos nisso!
ZENIT: Como viver melhor este tempo de Quaresma, Eminência?
Card. Mauro Piacenza: Certamente, começando-o com uma boa confissão e
preparando, durante toda a Quaresma, a alegre confissão da Páscoa. Um
tempo de conversão não pode ser um tempo triste, porque é o tempo da
Misericórdia, do abraço benedicente de Deus, da volta à casa do Pai
daquele “filho pródigo” que está em cada um de nós.
(27 de Fevereiro de 2015) © Innovative Media Inc.
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