1 - Entre, quem é?
Lembro-me de que assim dizia a minha mãe, a quem batia à nossa
porta. De facto, para nós cristãos, acolher quem se aproxima é quase o mesmo
que receber Cristo, é quase a mesma coisa que receber Deus. Esta mesma atitude
podemos vê-la, na primeira leitura da missa do próximo domingo, em Abraão,
sentado diante da sua tenda, à sombra do carvalho de Mambré. Ele vê aqueles três
homens desconhecidos, caminhando no meio do calor do dia, e pede-lhes que parem
um pouco e que descansem, pois não é por acaso que estão passando hoje diante
dele. Abraão viu três, mas apenas falou com um, e os padres da Igreja veem,
neste pormenor da narrativa, a revelação do mistério de Deus, Uno e Trino que
vem anunciar a Abraão o nascimento de seu filho Isaac.
Um filho, nesta altura em que nem ele nem Sara sua mulher
estão em idade de procriar? Abraão, diz S. Paulo na carta aos Romanos, esperando
contra toda a esperança, acreditou e tornou-se pai de muitos povos (…). E foi
sem vacilar na fé que considerou o seu corpo já morto- ele tinha perto de cem
anos- e o seio de Sara também já amortecido. Perante a promessa de Deus
fortaleceu-se na fé, dando glória a Deus, e, de facto, Sara concebeu e deu
à luz Isaac, o filho da promessa ( Cf. Rm 4, 18-20 ).
Quantas vezes se continua a repetir, na história da
humanidade, este mesmo gesto de hospitalidade em pessoas até ali fechadas em si
mesmas e estéreis que se abrem á fé e se tornam extraordinariamente fecundas
por terem acolhido Deus em suas vidas! Pelo contrário, vemos também que o
fechamento de tantos países aos refugiados e o atual inverno demográfico da
nossa sociedade portuguesa são consequência da ausência de Deus e deste viver
egoísta, sem abertura à vida, praticado por tanta gente que deixou de confiar
em Deus para confiar apenas nas suas contas e programas.
2 – Na leitura do Evangelho vemos a hospitalidade de Marta
que recebe em sua casa o Senhor Jesus. Atarefada com muito trabalho e vendo a
sua irmã Maria sentada aos pés de Cristo, escutando-O atentamente, Marta pede ao
Senhor que mande Maria levantar-se para a vir ajudar. Esta lógica de Marta foi
contrariada e reorientada pela resposta que Jesus lhe deu: andas inquieta e
preocupada com muitas coisas, quando uma só é necessária. Maria escolheu a
melhor parte, que não lhe será tirada (Lc
10, 41-42).
Como é normal, caros irmãos e irmãs, são várias as
interpretações desta palavra do Senhor. Penso que, para nós hoje, será bastante
compreender que a hospitalidade física de Marta é boa, mas deve levar-nos à
hospitalidade espiritual de Maria que escuta o Senhor e guarda a sua palavra. A
hospitalidade de Marta dá muito trabalho, a de Maria enche de paz. A de Marta, que
recebeu Jesus em sua casa, é necessária, mas incompleta, porque, tomada pelo
muito serviço, fica impedida de acolher o Senhor, escutando e guardando
em seu coração a sua Palavra. Na hospitalidade de Marta a presença do Senhor é
passageira, mas na de Maria, o Senhor permanece. Na hospitalidade de Marta tudo
gira em torno dela, mas na de Maria é o Senhor que está e permanece no centro.
Por isso, porque nos descentra de nós mesmos e nos ajuda a viver do Pai e para
o Pai, Cristo é, para nós, a melhor parte. Porque Ele nos leva ao centro da
nossa existência, à única coisa necessária que é amar a Deus sobre todas as
coisas e ao próximo como a nós mesmos, é bom que Ele sempre permaneça em nós, é
bom que não nos seja tirado ( Lc 10,42)!
3 – No meio de vós, Cristo, esperança da glória! E nós O
anunciamos, advertindo todos os homens e instruindo-os com toda a sabedoria, a
fim de os apresentarmos todos perfeitos em Cristo ( Cl 1,27-28 ). No meio
de vós, Cristo. Entronizado no meio de vós, em vossos corações, não em outro
lugar qualquer, afirma S. Paulo na segunda leitura, da Carta aos Colossenses. O
centro da nossa vida é Cristo crucificado, morto e ressuscitado por nós, em
nosso favor, no seu Mistério Pascal. Acolher Jesus leva-nos a viver
crucificados com Ele, com Ele mortos e ressuscitados, e com Ele já glorificados.
A vida cristã, caros irmãos e irmãs, leva-nos à união com o
Senhor Jesus, centro da nossa existência, leva-nos a viver d’Ele e para Ele,
tal como S. Paulo se expressa, falando da sua própria experiência: agora
alegro-me com os sofrimentos que suporto por vós, e completo na minha carne, o
que falta à paixão de Cristo, em benefício do seu Corpo que é a Igreja.
Temos um longo caminho a percorrer. Mas, imitando
Abraão, Maria e Paulo, pratiquemos desde já uma verdadeira hospitalidade para
com o Senhor escutando como dirigida a nós a sua palavra proclamada nas
celebrações e guardando-a no nosso coração. E recebamo-l’O conscientemente
quando comungamos o seu Corpo na Santa Eucaristia.
+ J. Marcos, bispo de Beja
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