na celebração dos 249 anos da
restauração da diocese
Sé de Beja
-10 de julho de
2019-
1 -
Cantai salmos ao Senhor, vós os seus fiéis,
e dai graças ao Seu Nome Santo!
A sua ira dura apenas um momento,
e a sua benevolência a Vida inteira.
Ao cair da noite vêm as lágrimas,
mas ao amanhecer volta a alegria!
Sr. Vigário Geral, Excelentíssimos e
Reverendíssimos Senhores Cónegos, Reverendos Padres e Diáconos, Religiosos e Religiosas,
Seminaristas, todos vós, fiéis leigos desta diocese de Beja, aqui presentes.
Cantemos ao Senhor e demos-Lhe
graças! Para isso nos reunimos frequentemente, para isso estamos hoje aqui,
marcando, deste modo, o início das comemorações deste ano de festa em toda a diocese.
Cantemos ao Senhor pela sua grande misericórdia para connosco, manifestada nestes
250 anos ao longo dos quais tantas vezes as lágrimas nos visitaram, mas em que
também as consolações e as alegrias do Senhor chegaram até nós.
Ouvimos há momentos, na belíssima
leitura do profeta Isaías, o Senhor
manifestando o seu amor de Esposo a Jerusalém, sua Esposa da juventude,
que por causa dos seus comportamentos pecaminosos tinha sido levada para o
cativeiro de Babilónia. Cheio de amor, o
Senhor voltou a chamá-la e a edificá-la como sua Esposa querida. São três os
momentos desta história: o tempo do primeiro amor, o tempo do cativeiro, e, por
fim, o tempo do reencontro e do amor fiel.
Não vedes, caros irmãos e irmãs, na história
do povo de Israel, o desenho da história da nossa diocese? Nascida no longínquo
século V, conhecemos os nomes de alguns dos seus bispos que participaram em
concílios e assinaram as suas atas. De Apríngio de Beja, homem notável,
elogiado por Santo Isidoro de Sevilha pela sua erudição e sabedoria, chegou-nos
o seu famoso comentário ao livro do Apocalipse. Foram esses os tempos do
primeiro amor.
Com a conquista muçulmana, no século
VIII, pouco a pouco, a diocese pacense, tão ilustre na Lusitânia romana e nos
tempos visigóticos, deixou de aparecer. No ano de 851, foi martirizado em
Córdoba, pelos muçulmanos, o seu filho Sisenando, diácono e estudante de
teologia. No século X, a recém-criada diocese de Badajoz considerou-se herdeira
da diocese de Beja e assumiu para os seus bispos o título «pacense», até então
atributo dos bispos de Beja. Com a reconquista, a cidade de Évora ganhou
proeminência em relação a Beja e praticamente todo o Alentejo ficou integrado
na sua enormíssima diocese. No século XVI, o Cardeal D. Henrique tentou em vão
restaurar esta diocese, mas tal apenas foi possível em 1770, no reinado de D. José.
A alegria própria deste regresso do
cativeiro tornou-se visível no primeiro bispo da diocese restaurada, D. Frei
Manuel do Cenáculo. Mas ainda seria necessário atravessar praticamente todo o difícil
século XIX para que os bispos de Beja pudessem, de facto, trabalhá-la pastoralmente.
Celebrar os 250 anos da restauração
desta diocese não é possível sem referirmos os Senhores D. António Xavier de
Sousa Monteiro e D. Sebastião Leite de Vasconcelos, e obviamente, o grande
bispo de Beja, D. José do Patrocínio Dias, e os seus sucessores (D. Manuel dos
Santos Rocha, D. Manuel Falcão e D. António Vitalino) e tantos padres,
religiosos, religiosas e leigos que deram a sua vida pelo Evangelho no Baixo
Alentejo! . Quantas vicissitudes sofridas, quantos projetos e trabalhos
empreendidos, quantas perseguições e difamações suportadas, quantos combates
travados dentro e fora da diocese, a todos os níveis, para lhe criar condições
de sobrevivência, para nela fazer crescer e frutificar a vida cristã!
Como se ajustam à realidade histórica
desta Diocese estas palavras da 1ª leitura, proclamadas há momentos: Como à mulher
abandonada e de alma aflita, o Senhor volta a chamar-te. Num acesso de ira,
escondi de ti a minha face, mas na minha misericórdia eterna, tive compaixão de
ti, diz o Senhor, teu Redentor. (…) Ainda que sejam abaladas as montanhas e
vacilem as colinas, a minha misericórdia não te abandonará, a minha aliança de
paz não vacilará, diz o Senhor, compadecido de ti.
2 – Ao iniciarmos hoje a celebração dos 250 anos da
restauração da nossa diocese, talvez não seja descabido perguntarmo-nos: o que
é uma diocese?
Podemos ler, no cânone 369 do Código de Direito Canónico:
Uma diocese é a porção do povo de
Deus que é confiada ao bispo para ser apascentada com a cooperação do
presbitério, de tal modo que, aderindo ao seu pastor e por este congregada no
Espírito Santo, mediante o Evangelho e a Eucaristia, constitua a Igreja
particular, onde verdadeiramente se encontra e atua a Igreja de Cristo una,
santa, católica e apostólica (can. 369).
Estas palavras, apresentam a diocese,
antes de mais, como uma porção do povo de Deus confiada a um pastor, o bispo
diocesano, que a apascenta com a cooperação do presbitério. Esta porção do povo
santo de Deus constitui-se como Igreja particular onde se encontra e atua
verdadeiramente a Igreja de Cristo.
Como facilmente podemos ver, a
diocese é uma realidade que supõe o bom relacionamento entre o bispo e os fiéis
que ele apascenta, e também entre os presbíteros e o bispo de quem são
extensão, e, ainda, entre os presbíteros e os fiéis que eles pastoreiam, unidos
ao bispo. Estes bons relacionamentos que têm a sua origem no Espírito Santo que
nos congrega e é oferecido pela pregação do Evangelho e pela celebração da
Eucaristia, são manifestação da comunhão fraterna dos filhos adotivos de Deus
Pai. Assim, a tarefa primordial do bispo da Diocese tem de ser,
necessariamente, o cultivar desta comunhão de todos, no Senhor, de modo a
podermos anunciar as maravilhas que ele realizou em nosso favor, e de que somos
testemunhas. Esta comunhão é fruto da vida cristã, fruto daquela fé que nos
justifica, daquela esperança sobrenatural que não engana, e do
amor que Deus derramou em nossos corações, pelo Espírito Santo (Cf. Rm 5,
1-4). É uma realidade sobrenatural, teologal, não atingível pelas forças
humanas, mas indispensável à vida do homem sobre a terra, e que, por isso
mesmo, devemos pedir e suplicar insistentemente ao Espírito Santo. Mais do que
fruto do nosso trabalho, é obra do Espírito Santo em nós, para o mundo. E, no
entanto, o Espírito não tem braços nem pernas, além dos nossos, para realizar
as suas obras.
3 - O Evangelho que escutámos, a parábola do Semeador, mostra-nos
Jesus Cristo, Ele mesmo Palavra eterna do Pai, que por amor de nós homens, e
para nossa salvação desceu dos Céus e se fez homem para semear a Palavra do
Reino dos Céus nos mais diversos terrenos do mundo, que somos nós.
Aquela terra boa que o Senhor compara
a um coração nobre e generoso onde é possível recolhermos cem por um, é vista
na Igreja Católica como sendo imagem do Coração Imaculado da Virgem Santa Maria
que escutou a Palavra do Anjo Gabriel e deu ao mundo Cristo Jesus, nosso
Senhor.
Que terreno és tu, querido irmão, querida
irmã? Não sejamos o caminho calcado pelos homens e incapaz de acolher a semente
do Evangelho, embora nesta diocese não faltem, infelizmente, muitos exemplos
desse terreno. Penso efetivamente, caros fiéis aqui reunidos, que a maior parte
de nós nos encontramos representados no segundo e no terceiro terrenos desta
parábola.
Os do segundo terreno são os superficiais,
são aqueles que escutam com alegria, mas em quem a palavra não pode aprofundar,
porque há rochas escondidas que a impedem. Essas rochas, só o Senhor pode
quebrá-las. E os do terceiro terreno, como o próprio Senhor explicou no
Evangelho, são terra boa onde crescem, juntamente com a palavra escutada,
silvas e cardos que a abafam e impedem de dar o fruto esperado. Como ensina o
Evangelho, todos serão ensinados por Deus, mas uma vida cristã de
prática habitual pode ir mondando essas ervas daninhas que impedem a boa
semente de frutificar.
4 – Se, por sermos cristãos, podemos e devemos ver-nos
representados nos terrenos sobre os quais a semente é lançada e vai crescendo,
nós os pastores e todos vós que tendes a missão de anunciar o Evangelho,
escutemos também aquilo que Jesus diz acerca do Semeador. Diz que ele saiu a
semear a sua semente. Sublinho, caros irmãos, o sair para semear, e
também que semeia a sua semente com muita generosidade, também em
terras humanamente pouco ou nada preparadas para produzirem bom fruto.
Como afirma sabiamente o Padre
António Vieira, um é o que tem o nome de lavrador e outro o que lavra; um é o
que tem o nome de semeador e outro o que semeia. O que lavra não fica em casa,
sai. E semeia, não a semente dos outros, mas a sua própria semente, os frutos
que a Palavra de Deus produziu na sua vida. Ele é testemunha de que aquela
semente que lança à terra, a palavra que proclama, é a Verdade. Diz e faz
aquilo que anuncia!
Ao longo destes duzentos e cinquenta
anos, a Palavra de Deus foi anunciada com amor nestes concelhos do distrito de
Beja e do distrito de Setúbal que formam a nossa diocese, nem sempre com o
sucesso que humanamente seria de esperar, mas sempre como fonte e alimento da
fé em que todos nós fomos batizados e vivemos. Tomemos, irmãos, como programa pastoral
permanente para a nossa diocese de Beja este evangelho do Semeador que semeia a
boa semente da Palavra de Deus, e ponhamo-lo em prática. Segundo a promessa do
Senhor que escutámos na profecia de Isaías: Ainda que sejam abaladas as
montanhas e vacilem as colinas, a minha misericórdia não te abandonará, a minha
aliança de paz não vacilará, diz o Senhor, confiemos que, pela intercessão
da Virgem Santa Maria e de S. José nosso padroeiro, e também pela de S. Sisenando,
padroeiro da cidade de Beja, não faltarão, no futuro desta diocese, os frutos
de uma seara abundante.
+ J. Marcos, bispo de Beja
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