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quinta-feira, 18 de julho de 2019

Homilia



na celebração dos 249 anos da restauração da diocese
Sé de Beja
-10 de julho de 2019-

1 -  Cantai salmos ao Senhor, vós os seus fiéis,
e dai graças ao Seu Nome Santo!
A sua ira dura apenas um momento,
e a sua benevolência a Vida inteira.
Ao cair da noite vêm as lágrimas,
mas ao amanhecer volta a alegria!

Sr. Vigário Geral, Excelentíssimos e Reverendíssimos Senhores Cónegos, Reverendos Padres e Diáconos, Religiosos e Religiosas, Seminaristas, todos vós, fiéis leigos desta diocese de Beja, aqui presentes.

Cantemos ao Senhor e demos-Lhe graças! Para isso nos reunimos frequentemente, para isso estamos hoje aqui, marcando, deste modo, o início das comemorações deste ano de festa em toda a diocese. Cantemos ao Senhor pela sua grande misericórdia para connosco, manifestada nestes 250 anos ao longo dos quais tantas vezes as lágrimas nos visitaram, mas em que também as consolações e as alegrias do Senhor chegaram até nós.

Ouvimos há momentos, na belíssima leitura do profeta Isaías, o Senhor  manifestando o seu amor de Esposo a Jerusalém, sua Esposa da juventude, que por causa dos seus comportamentos pecaminosos tinha sido levada para o cativeiro de Babilónia. Cheio de amor,  o Senhor voltou a chamá-la e a edificá-la como sua Esposa querida. São três os momentos desta história: o tempo do primeiro amor, o tempo do cativeiro, e, por fim, o tempo do reencontro e do amor fiel.

 Não vedes, caros irmãos e irmãs, na história do povo de Israel, o desenho da história da nossa diocese? Nascida no longínquo século V, conhecemos os nomes de alguns dos seus bispos que participaram em concílios e assinaram as suas atas. De Apríngio de Beja, homem notável, elogiado por Santo Isidoro de Sevilha pela sua erudição e sabedoria, chegou-nos o seu famoso comentário ao livro do Apocalipse. Foram esses os tempos do primeiro amor.

Com a conquista muçulmana, no século VIII, pouco a pouco, a diocese pacense, tão ilustre na Lusitânia romana e nos tempos visigóticos, deixou de aparecer. No ano de 851, foi martirizado em Córdoba, pelos muçulmanos, o seu filho Sisenando, diácono e estudante de teologia. No século X, a recém-criada diocese de Badajoz considerou-se herdeira da diocese de Beja e assumiu para os seus bispos o título «pacense», até então atributo dos bispos de Beja. Com a reconquista, a cidade de Évora ganhou proeminência em relação a Beja e praticamente todo o Alentejo ficou integrado na sua enormíssima diocese. No século XVI, o Cardeal D. Henrique tentou em vão restaurar esta diocese, mas tal apenas foi possível em 1770,  no reinado de D. José.

A alegria própria deste regresso do cativeiro tornou-se visível no primeiro bispo da diocese restaurada, D. Frei Manuel do Cenáculo. Mas ainda seria necessário atravessar praticamente todo o difícil século XIX para que os bispos de Beja pudessem, de facto, trabalhá-la pastoralmente.

Celebrar os 250 anos da restauração desta diocese não é possível sem referirmos os Senhores D. António Xavier de Sousa Monteiro e D. Sebastião Leite de Vasconcelos, e obviamente, o grande bispo de Beja, D. José do Patrocínio Dias, e os seus sucessores (D. Manuel dos Santos Rocha, D. Manuel Falcão e D. António Vitalino) e tantos padres, religiosos, religiosas e leigos que deram a sua vida pelo Evangelho no Baixo Alentejo! . Quantas vicissitudes sofridas, quantos projetos e trabalhos empreendidos, quantas perseguições e difamações suportadas, quantos combates travados dentro e fora da diocese, a todos os níveis, para lhe criar condições de sobrevivência, para nela fazer crescer e frutificar a vida cristã!

Como se ajustam à realidade histórica desta Diocese estas palavras da 1ª leitura, proclamadas há momentos: Como à mulher abandonada e de alma aflita, o Senhor volta a chamar-te. Num acesso de ira, escondi de ti a minha face, mas na minha misericórdia eterna, tive compaixão de ti, diz o Senhor, teu Redentor. (…) Ainda que sejam abaladas as montanhas e vacilem as colinas, a minha misericórdia não te abandonará, a minha aliança de paz não vacilará, diz o Senhor, compadecido de ti.

2 – Ao iniciarmos hoje a celebração dos 250 anos da restauração da nossa diocese, talvez não seja descabido perguntarmo-nos: o que é uma diocese?

Podemos ler, no cânone 369 do Código de Direito Canónico:

Uma diocese é a porção do povo de Deus que é confiada ao bispo para ser apascentada com a cooperação do presbitério, de tal modo que, aderindo ao seu pastor e por este congregada no Espírito Santo, mediante o Evangelho e a Eucaristia, constitua a Igreja particular, onde verdadeiramente se encontra e atua a Igreja de Cristo una, santa, católica e apostólica (can. 369).

Estas palavras, apresentam a diocese, antes de mais, como uma porção do povo de Deus confiada a um pastor, o bispo diocesano, que a apascenta com a cooperação do presbitério. Esta porção do povo santo de Deus constitui-se como Igreja particular onde se encontra e atua verdadeiramente a Igreja de Cristo.

Como facilmente podemos ver, a diocese é uma realidade que supõe o bom relacionamento entre o bispo e os fiéis que ele apascenta, e também entre os presbíteros e o bispo de quem são extensão, e, ainda, entre os presbíteros e os fiéis que eles pastoreiam, unidos ao bispo. Estes bons relacionamentos que têm a sua origem no Espírito Santo que nos congrega e é oferecido pela pregação do Evangelho e pela celebração da Eucaristia, são manifestação da comunhão fraterna dos filhos adotivos de Deus Pai. Assim, a tarefa primordial do bispo da Diocese tem de ser, necessariamente, o cultivar desta comunhão de todos, no Senhor, de modo a podermos anunciar as maravilhas que ele realizou em nosso favor, e de que somos testemunhas. Esta comunhão é fruto da vida cristã, fruto daquela fé que nos justifica, daquela esperança sobrenatural que não engana, e do amor que Deus derramou em nossos corações, pelo Espírito Santo (Cf. Rm 5, 1-4). É uma realidade sobrenatural, teologal, não atingível pelas forças humanas, mas indispensável à vida do homem sobre a terra, e que, por isso mesmo, devemos pedir e suplicar insistentemente ao Espírito Santo. Mais do que fruto do nosso trabalho, é obra do Espírito Santo em nós, para o mundo. E, no entanto, o Espírito não tem braços nem pernas, além dos nossos, para realizar as suas obras.

3 - O Evangelho que escutámos, a parábola do Semeador, mostra-nos Jesus Cristo, Ele mesmo Palavra eterna do Pai, que por amor de nós homens, e para nossa salvação desceu dos Céus e se fez homem para semear a Palavra do Reino dos Céus nos mais diversos terrenos do mundo, que somos nós.

Aquela terra boa que o Senhor compara a um coração nobre e generoso onde é possível recolhermos cem por um, é vista na Igreja Católica como sendo imagem do Coração Imaculado da Virgem Santa Maria que escutou a Palavra do Anjo Gabriel e deu ao mundo Cristo Jesus, nosso Senhor.

 Que terreno és tu, querido irmão, querida irmã? Não sejamos o caminho calcado pelos homens e incapaz de acolher a semente do Evangelho, embora nesta diocese não faltem, infelizmente, muitos exemplos desse terreno. Penso efetivamente, caros fiéis aqui reunidos, que a maior parte de nós nos encontramos representados no segundo e no terceiro terrenos desta parábola.

Os do segundo terreno são os superficiais, são aqueles que escutam com alegria, mas em quem a palavra não pode aprofundar, porque há rochas escondidas que a impedem. Essas rochas, só o Senhor pode quebrá-las. E os do terceiro terreno, como o próprio Senhor explicou no Evangelho, são terra boa onde crescem, juntamente com a palavra escutada, silvas e cardos que a abafam e impedem de dar o fruto esperado. Como ensina o Evangelho, todos serão ensinados por Deus, mas uma vida cristã de prática habitual pode ir mondando essas ervas daninhas que impedem a boa semente de frutificar.

4 – Se, por sermos cristãos, podemos e devemos ver-nos representados nos terrenos sobre os quais a semente é lançada e vai crescendo, nós os pastores e todos vós que tendes a missão de anunciar o Evangelho, escutemos também aquilo que Jesus diz acerca do Semeador. Diz que ele saiu a semear a sua semente. Sublinho, caros irmãos, o sair para semear, e também que semeia a sua semente com muita generosidade, também em terras humanamente pouco ou nada preparadas para produzirem bom fruto.

Como afirma sabiamente o Padre António Vieira, um é o que tem o nome de lavrador e outro o que lavra; um é o que tem o nome de semeador e outro o que semeia. O que lavra não fica em casa, sai. E semeia, não a semente dos outros, mas a sua própria semente, os frutos que a Palavra de Deus produziu na sua vida. Ele é testemunha de que aquela semente que lança à terra, a palavra que proclama, é a Verdade. Diz e faz aquilo que anuncia!

Ao longo destes duzentos e cinquenta anos, a Palavra de Deus foi anunciada com amor nestes concelhos do distrito de Beja e do distrito de Setúbal que formam a nossa diocese, nem sempre com o sucesso que humanamente seria de esperar, mas sempre como fonte e alimento da fé em que todos nós fomos batizados e vivemos. Tomemos, irmãos, como programa pastoral permanente para a nossa diocese de Beja este evangelho do Semeador que semeia a boa semente da Palavra de Deus, e ponhamo-lo em prática. Segundo a promessa do Senhor que escutámos na profecia de Isaías: Ainda que sejam abaladas as montanhas e vacilem as colinas, a minha misericórdia não te abandonará, a minha aliança de paz não vacilará, diz o Senhor, confiemos que, pela intercessão da Virgem Santa Maria e de S. José nosso padroeiro, e também pela de S. Sisenando, padroeiro da cidade de Beja, não faltarão, no futuro desta diocese, os frutos de uma seara abundante.

+ J. Marcos, bispo de Beja




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