Um simpósio internacional que pretende homenagear o trabalho de frei Francolino Gonçalves, frade dominicano, destacado estudioso do Antigo Testamento na Escola Bíblica e Arqueológica Francesa (EBAF) de Jerusalém, e “um dos maiores teólogos portugueses de sempre”, decorrerá em Lisboa nos próximos dias 20 a 22 (segunda a quarta-feira da próxima semana).
Este é um projecto nascido “da amizade” e da admiração científica de duas colegas e amigas de frei Francolino, explica ao 7MARGENS Ana Valdez, da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa (FLUL) e uma das responsáveis pela iniciativa.
Francolino Gonçalves inovou os estudos bíblicos, com o seu contributo acerca dos dois Yhaweh, as duas representações de Deus na Bíblia: o Deus vingativo e destruidor, de um lado, o Deus bondoso do outro. “Esta é uma caracterização simplista”, diz Ana Valdez, mas muitas vezes as diferentes visões de Deus encontram-se a par no mesmo texto.
A responsável pela organização do simpósio acrescenta que há em Portugal um problema: quem apenas ouve leituras de trechos bíblicos nas missas de domingo “não conhece a Bíblia, apesar de estarmos numa sociedade tradicionalmente católica”. Pelo contrário, no universo protestante conhecem-se os conceitos, a linguagem, a evolução dos mesmos e as diferentes mãos que construíram o texto. Por isso, acrescenta, é importante conhecer a forma como o texto bíblico é escrito quando passa da oralidade ou as influências externas que recebe.
Esse percurso cultural acaba por ter influência no desenvolvimento dos conceitos sobre Yhaweh, explica Ana Valdez. No início, a Bíblia (os textos do Antigo Testamento, grosso modo, da Bíblia judaica) era um texto falado. Com a passagem a escrito, a diversidade narrativa ganha forma. E foi esse processo que Francolino Gonçalves estudou, inovando de forma decisiva os estudos bíblicos contemporâneos.
Projecto nascido da amizade
“Desde a morte de frei Francolino que pensávamos organizar alguma iniciativa”, diz Ana Valdez, que também foi aluna do frade dominicano português. Em conjuntocom Claudine Dauphin, da Universidade de Gales, a investigadora portuguesa, investigadora principal do Centro de História da FLUL mobilizou outros colegas académicos, investigadores e amigos de Francolino Gonçalves para pôr de pé o simpósio que agora decorrerá em Lisboa, assinalando também uma os dois anos da morte de frei Francolino, a 15 de Junho de 2017.
Quando diz que o projecto nasce da amizade, Ana Valdez está a ser muito concreta: o simpósio realiza-se porque cada participante paga as duas despesas, ficando os alojamentos distribuídos por casas religiosas, já que foi impossível encontrar financiamento para a iniciativa.
O simpósio conta com intervenções de duas dezenas de destacados investigadores portugueses e estrangeiros, todos eles colegas nas áreas que o dominicano português investigou. Entre eles, Thomas Thompson, americano que vive em Copenhaga, que investigou a toponímia israelo-palestinense; Émile Puech, Julio Trebolle Barerra e Florentino García Martínez, especialistas na história bíblica e nos manuscritos do Mar Morto; vários dos investigadores da EBAF, entre os quais Paolo Garuti, que sucedeu a frei Francolino na direcção da revista e da colecção de monografias da EBAF; e ainda nomes outros como Frédéric Manns (autor de Maria, Uma Mulher Judia, por exemplo) ou Ingrid Hjelm.
De Trás-os-Montes a Jerusalém
Nascido em 28 de Março de 1943 em Corujas (Macedo de Cavaleiros), Francolino Gonçalves fez a sua primeira profissão religiosa como dominicano em 1960 e foi ordenado padre em 1968. Trabalhou durante quatro décadas na EBAF de Jerusalém, para onde foi como bolseiro da Fundação Calouste Gulbenkian, em 1969.Exerceu vários cargos naquele centro de investigação, um dos mais importantes do mundo na área dos estudos bíblicos, nomeadamente na vertente arqueológica.
Manteve sempre, no entanto, a ligação a Portugal, onde voltava por períodos largos, quase todos os anos, para orientar, coordenar ou participar em programas de pós-graduação portugueses, primeiro em História Antiga e depois em História e Cultura das Religiões, na Universidade de Lisboa, na Universidade Católica Portuguesa e na Universidade Nova de Lisboa.
No seu trabalho, procurava tornar acessível a mensagem bíblica a todos os públicos, distinguindo as intervenções que fazia em função do público que o escutava ou lia. Também se distinguiu na forma como ajudou a formar gerações de estudantes na área da Bíblia e da teologia.
Tendo em conta precisamente as suas ligações a diferentes instituições universitárias, o simpósio decorre em diferentes locais: Faculdade de Letras da UL (dia 20 de Maio, anfiteatro III), Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova (dia 21, auditório I, torre B), e Convento Dominicano de São Domingos de Lisboa (dia 22).
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