Há dias foi no Burkina Faso: mais um ataque a uma igreja católica durante uma celebração. Num país em que a instabilidade social deixa adivinhar este tipo de acontecimentos que já não são esporádicos.
No Sri Lanka, assistimos no dia de Páscoa a uma série de ataques coordenados como não há memória neste país, e nem noutros depois do 11 de Setembro.
Tendemos a pensar que acontece sempre muito longe de nós. Desvalorizamos, por egoísmo ou até por cobardia. Desta vez foi mesmo aqui à porta. Sítios que frequentamos e que conhecemos. Não conseguimos ficar indiferentes.
Este país viveu em guerra durante 25 anos e ainda vive esse trauma.
Os últimos dez anos foram feitos de uma lenta recuperação que trazia crescente confiança à vida das pessoas e, consequentemente, ao desenvolvimento económico do país.
Foi nesse país que nos habituámos a viver desde há quase três anos. Um país em que, aparentemente, a segurança pessoal de cada um de nós não era assunto para preocupação.
De repente, parece que o tempo da guerra não acabou.
Militares armados na rua, medidas de segurança impostas um pouco por todo o lado de forma bastante evidente e expressiva.
Nos primeiros dias e semanas, o medo sentia-se no ar. O receio do desconhecido tolda a vida das pessoas e gera reações irracionais de defesa própria. Perdeu-se a espontaneidade.
A ameaça do terrorismo serve também de pretexto para desenterrar velhas e sempre presentes desconfianças entre budistas e muçulmanos.
A prepotência fundamentalista e hegemónica de alguns sectores da sociedade cingalesa budista, que por aqui tem terreno fértil para semear o seu discurso populista e segregacionista, justifica o aparecimento de não pequenos focos de violência contra a minoria muçulmana. As clivagens evidenciam-se.
Na última semana, os episódios de violência multiplicaram-se nalgumas zonas do país, obrigando o Governo a decretar novamente o recolher obrigatório, coisa que não acontecia desde a semana dos atentados.
As autoridades apelam à união do país e à desmobilização dos desordeiros. Cortaram o funcionamento das redes sociais para evitar disseminação de falsas notícias e de incentivos à violência na tentativa de conter os desacatos. No entanto, as declarações de alguns líderes políticos que parecem mais interessados em tirar proveito próprio da situação continuam a ser replicadas de forma irresponsável pela comunicação social.
A ameaça deixou de ser o terrorismo, ou assim nos querem fazer crer (e também nós queremos acreditar) para passar a ser a da instabilidade social e política.
A tendência geral é de normalização, até porque é consciência geral que o país não se pode arrogar o direito de perder o que conseguiu construir desde que acabou a guerra, mas os efeitos de ação-reação que esta instabilidade latente pode provocar na (frágil) harmonia étnica e social deste país e na vida diária de cada um, são agora a principal preocupação e a principal ameaça à paz.
Aproxima-se o Vesak, a principal celebração do calendário budista, de cariz fortemente popular. O Ramadão está a meio. Espera-se que a paz professada por todas as religiões permita a necessária reconciliação.
Colombo, 16 de maio de 2019
André Vasconcelos Alves é arquiteto, expatriado no Sri Lanka
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